segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Projeto da discórdia

Antes de mais nada quero registrar mais uma vez que considero o valor do piso salarial nacional aprovado na Lei nº 11.738 insuficiente para garantir condições dignas de trabalho para o magistério. Porém, o piso é lei e deve, no mínimo, ser cumprida.
No dia 11 de novembro a governadora Yeda Crusius (PSDB/RS) encaminhou para a Assembléia Legislativa o Projeto de Lei 284/2008, que fixa o valor do piso profissional do magistério público estadual.
Em síntese o PL 284 estabelece:
1. Piso salarial de R$ 950,00 para uma jornada de 40 horas semanais;
2. O valor do piso salarial profissional compreende vantagens pecuniárias, pagas a qualquer título;
3. Não estabelece a forma de correção deste valor;
4. O piso “estende-se, no que couber, aos inativos, pensionistas e às pensões vitalícias”;
5. O piso entra em vigor no dia 1º de janeiro de 2009;
6. Não fala nada sobre elevação da carga horária para planejamento.

A justificativa que encaminhou o projeto é muito esclarecedora das reais intenções da governadora.
Em primeiro lugar informa que atualmente, “o piso do magistério corresponde aos seguintes valores: R$ 431,40 para o regime de trabalho de 20 horas semanais; R$ 647,10 para o regime de trabalho de 30 horas semanais e R$ 862,80 para o regime de trabalho de 40 horas semanais”. Informa também que o valor do vencimento inicial é de R$ 577,14.
Em segundo lugar, argumenta ser inviável estabelecer o piso tendo por base o vencimento inicial, pois 86% dos professores já possuem nível superior e ocupam referências altas na carreira, sem que isso tenha ajudado na aprendizagem dos alunos gaúchos.
Textualmente afirma que isso foi provocado pela “adoção de medidas que, ao longo da vigência da Lei, instituíram várias gratificações calculadas com base no vencimento inicial da carreira que são concedidas a parcelas da categoria, gerando custos que não se traduzem, necessariamente em melhores resultados de aprendizagem dos alunos”.
Para a governadora o estabelecimento de um piso baseado na remuneração e não no vencimento inicial é uma forma de cumprir a Lei Federal do Piso. E mais, que apesar de aprovado em lei a correção do valor tendo por base o reajuste do custo aluno nacional, há controvérsias sobre isso, inclusive projeto de autoria do Executivo Federal tramitando no Congresso Nacional que propõe correção pelo INPC.
Dando como aprovada tal proposição (que por ora é uma proposição e não revogou a legislação atual) a governadora expõe uma memória de cálculo que diz basicamente que:
1. O reajuste do piso pelo INPC (projeção de 7,25%) levará em 2009 o valor do piso salarial nacional para R$ 1019,00.
2. Como a Lei nº 11.738/08 estabelece a obrigatoriedade de pagar 2/3 da diferença entre o piso nacional e o valor praticado (no caso R$ 577,14), qualquer valor acima de R$ 872,00 estará cumprindo a lei. E, por conseguinte, um piso de R$ 950,00 está dentro da lei.

Sofismas

O Projeto e sua justificativa constituem um conjunto bem articulado de sofismas e explicita uma postura de desconsiderar a legislação federal. É verdade que a governadora e mais quatro outros governantes entraram com Ação direta de Inconstitucionalidade no STF, mas que eu saiba o simples fato de questionar a constitucionalidade não suspende a vigência de uma norma legal. Portanto, a Lei nº 11.738 de 2008 continua vigorando e todos os governos tem a obrigação de cumprir seus dispositivos.
A legislação atual não corrige os valores pelo INPC e sim pela correção do custo aluno nacional. Esta correção no ano de 2008 foi de 20% e nada indica que será muito menor em 2009. Ou seja, o piso mais provável não é R$ 1019,00 e sim algo em torno de R$ 1140,00.
Como a lei permite contabilizar as vantagens pecuniárias no cálculo do piso em 2009 e a remuneração declarada pela governadora é de R$ 862,80, é ilegal qualquer valor abaixo de R$ 1047,60 no próximo ano. Em 2010 o cálculo deve ser feito sobre o vencimento base e o piso nacional também terá sofrido outra correção, deixando os salários gaúchos mais longe do valor nacional.
A Lei nº 11.738 não estabelece restrição na extensão dos direitos do pessoal da ativa para os inativos. Não existe na lei o termo “no que couber”.
E mais grave, a proposta apresentada viola descaradamente o parágrafo 1º do artigo 2º da lei federal, que diz textualmente:

§ 1o O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras do magistério público da educação básica, para a jornada de, no máximo, 40 (quarenta) horas semanais.

A proposta da governadora estabelece um piso tendo por base a remuneração e não o vencimento base. Como disse, o governo estadual pode pagar um piso sobre a remuneração em 2009, como medida transitória, mas não estabelecer como regra o cálculo sobre a remuneração.
A governadora não está cumprindo a lei. Caso seja verdade toda a argumentação de impacto na folha de pagamento da implantação do piso e do acréscimo de horas destinadas ao planejamento, a governadora pode se valer do artigo 4º da lei federal e cobrar do governo federal o devido apoio financeiro para complementar as despesas.

Art. 4o A União deverá complementar, na forma e no limite do disposto no inciso VI do caput do art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e em regulamento, a integralização de que trata o art. 3o desta Lei, nos casos em que o ente federativo, a partir da consideração dos recursos constitucionalmente vinculados à educação, não tenha disponibilidade orçamentária para cumprir o valor fixado.

§ 1o O ente federativo deverá justificar sua necessidade e incapacidade, enviando ao Ministério da Educação solicitação fundamentada, acompanhada de planilha de custos comprovando a necessidade da complementação de que trata o caput deste artigo.

§ 2o A União será responsável por cooperar tecnicamente com o ente federativo que não conseguir assegurar o pagamento do piso, de forma a assessorá-lo no planejamento e aperfeiçoamento da aplicação de seus recursos.

Infelizmente a governadora achou que era um caminho mais fácil atacar os direitos dos professores. Pelo jeito não calculou bem.

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