quinta-feira, 31 de dezembro de 2015

Nada como o risco do impeachment

Apesar do título provocativo, quero parabenizar a decisão (pelo menos até este momento) do ministro Mercadante de não editar nova portaria interministerial reduzindo a estimativa do valor por aluno e, por conseguinte, reduzindo o valor do piso salarial nacional do magistério.
Considero que tal atitude foi consequência da urgente necessidade de que o governo Dilma não perca ainda mais seus vínculos (andam para lá de esgarçados) com a base social que lhe elegeu. Assim, anunciar um valor de reajuste do piso abaixo da inflação de 2015 seria algo desastroso, mesmo que certamente fosse visto com muitos bons olhos por governadores e prefeitos.
Para entender o dito acima, vejamos a sistemática e a postura do MEC nos últimos anos:
1.       O valor do piso salarial nacional do magistério é encontrado por meio de uma simples divisão entre o valor por aluno do FUNDEB dos dois anos anteriores. Assim, o valor de 2016 será a diferença percentual entre o valor por aluno de 2015 sobre 2014. Dito de outra forma, é o produto da correção do investimento feito via o fundo na educação básica no ano anterior.
2.       Este valor é estabelecido no final de cada ano por meio de estimativa de receita dos estados, dos municípios e de complementação da União. Acontece que por pressão dos governadores prefeitos, o MEC criou o hábito de rever a estimativa no final do ano, ou seja, publicar nova portaria praticamente com o valor realizado. Com isso, em anos seguidos jogou a correção do piso um pouco mais para baixo, especialmente depois da correção de 22,22% ocorrida em 2012.
Desde que foi criado o valor do piso tem ficado acima da inflação. O IPCA acumulado de janeiro de 2009 até novembro de 2015 chegaria 53,8% e o valor do piso foi corrigido em 141,26%. Sem a continuidade desta política será impossível tentar cumprir as metas do Plano Nacional de Educação que tratam da valorização do magistério.
Assim, pelos meus cálculos, o reajuste do piso, caso o MEC tivesse publicado a nova portaria, ficaria em torno de 4%, muito abaixo de uma inflação que deve ter fechado o ano em mais de 10%. Sem a publicação, o reajuste ficará em torno de 11,4%, ou seja, o piso irá para algo em torno de R$ 2.136,41.
É pouco para a necessidade de valorização dos profissionais do magistério, mas é um pouco acima da inflação.
Depois de um ano difícil, de cortes e pacotes fiscais, essa não deixa de ser uma boa notícia (espero que não saia uma edição especial do Diário Oficial da União desfazendo essa boa notícia).



sexta-feira, 11 de dezembro de 2015

Privatização da educação em Goiás

Em tempos de impeachment e de reconfiguração das alianças políticas, com a clara migração do PMDB para reforçar o projeto do PSDB, vale informar e discutir uma das medidas mais escandalosas do momento na área educacional. Trata-se da decisão do governador Marconi Perillo (PSDB), conhecido pelos seus estreitos vínculos com o contraventor Carlinhos Cachoeira (que continua gozando de enorme prestígio nos círculos de poder goiano), de entregar as escolas estaduais para o setor privado, via Organizações Sociais.
O governador anunciou o repasse de irá repassar 23 escolas estaduais da macrorregião de Anápolis serão as primeiras a serem transferidas para OS. Inicialmente, Marconi queria transferir neste ano 350 unidades escolares (das 1,1 mil do Estado) e depois reduziu para 200. Com medo da reação popular ele reduziu a meta, mas não da ideia. Interessante começar justamente pela cidade dominada pela família Cachoeira (coincidência ou homenagem?).
No despacho do Diário Oficial que publicou a medida o governador afirma que tal decisão irá reduzir em pelo menos 10% o custo atual com as escolas estaduais que foram terceirizadas para organizações sociais. Afirma que o custo médio de um aluno na rede estadual é de R$ 388,90 por mês. Por acreditar que o setor privado "goza de mais eficiência e administrativa", Marconi estabeleceu como teto o valor mensal de R$ 350,00 por aluno das escolas estaduais que forem transferidas para organização social. Segundo o tucano a tarefa das empresas será “transformar as escolas estaduais em padrão de excelência comparado aos melhores estabelecimentos de ensino da rede privada goiana”.
A justificativa é para lá de esfarrapada. Vejamos:
1.       Se o motivo fosse reduzir custos em 10%, bastaria tomar medidas otimizadoras do funcionamento da rede estadual e alcançar este percentual, afinal todo o discurso de seu governo está ancorado na eficiência administrativa;
2.       O custo-aluno apresentado por ele (R$ 388,90 mês) me surpreendeu. O custo-aluno vinculado ao FUNDEB nas séries finais para 2015 é de R$ 3353,62 ano, ou seja, R$ 279,46 por mês. Dificilmente, pela queda na receita estadual no país inteiro, este valor vai se realizar. Ou seja, ele afirma que complementa, mesmo migrando recursos estaduais para os municípios goianos, nada menos que 39% deste valor. Inacreditável a generosidade do governo goiano!
3.       Afirma que é para tornar as escolas estaduais semelhantes as melhores escolas particulares de Goiás. Certamente o governador não leu (ou não entendeu) inúmeras e fundamentadas pesquisas que mostram que seu objetivo não é factível do jeito que pensa e pretende. Publico aqui o dado de recente texto publicado por dois pesquisadores do IPEA (Corbucci e Zen) que provam a existência de forte correlação entre a renda dos alunos (e de suas cidades) com as notas obtidas no IDEB. Vejam tabela nesta postagem.
4.       O IDEB da rede estadual é menor do que a rede privada em Goiás, da mesma forma que em todo o país. E qual a mensagem que esta decisão indica? Que se entregarmos nossas escolas para o setor privado, devida a sua “eficiência” subsidiada generosamente pelo poder público, posto que nossos alunos não podem pagar as mensalidades por eles cobrada, por mágica privatista, nossos indicadores subirão. Ledo engano, para não dizer intencionada enganação!
Soube que os estudantes secundaristas goianos começaram um movimento de ocupação das escolas, reagindo ao projeto privatizante do tucano Perillo. Que bom que existe resistência ao processo tão danoso para a escola pública.
A vida dos professores vai mudar, seus contatos serão regidos pelo padrão do setor privado (menos salário, mais exigência, menos estabilidade no emprego, menos formação exigida, menos autonomia pedagógica). Espero que da parte da minha combativa categoria também existe forte mobilização.

É um fato que acontece em Goiás, mas que indica novos e perigosos rumos para a educação brasileira no período próximo.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

A educação e o impeachment

Não tem outro assunto que ocupe a mente do povo brasileiro nestes dias. A possibilidade de ser aprovado o impedimento da presidenta está acalorada, com cartas íntimas e magoadas do Michel Temer e golpes seguidos de um desqualificado chamado Eduardo Cunha.
Minha posição é contrária ao impeachment. Não que o governo Dilma esteja cumprindo o que prometeu, longe disso. Motivos para defender seu governo não existem. Porém, motivos para ser contra a sua saída e a entrada do velho e surrado PMDB de Michel Temer, José Sarney, Jader Barbalho, Renan Calheiros e Eduardo Cunha (para citar somente os mais conhecidos no momento) existem de sobra.
Queira aqui refletir sobre o que seria um provável (existe risco razoável de isto acontecer) governo Temer. Vejamos:
1.       Para ser aprovada a abertura do processo de impeachment (da Câmara ele ainda vai para votação final no Senado, mas a presidenta já ficaria seis meses afastada) são necessários os votos da oposição conservadora, das bancadas conservadoras - da bala, da Bíblia (neste caso uma injustiça com este livro sagrado) e do boi. E, obviamente, uma migração massiva dos deputados do PMDB.
2.       Portanto, um provável governo Temer será fruto de uma composição que expresse estes setores acima listados.
Bem, Temer não é Itamar Franco. Quando Itamar, então vice do Collor de Mello assumiu, também houve uma recomposição de forças, mas os ares estavam mais arejados do que hoje. E as estaturas políticas são bem distintas.
Bem, o que aconteceria com a educação em um eventual governo Temer?
1.       O Ministério da Educação, pela sua importância, seria moeda de troca valiosa. O da Fazenda continuaria com o mercado financeiro (lugar cativo nos governos FHC, Lula e Dilma). Assim, o MEC provavelmente iria para o PSDB ou para o próprio PMDB.
2.       Com melhores condições para fazer os ajustes fiscais reivindicados pelos bancos e grandes empresas, Temer aprofundaria os cortes orçamentários, colocando de forma definitiva na geladeira a vigência do Plano Nacional de Educação, o Custo-Aluno Qualidade e outras medidas defendidas pelos setores progressistas.
3.       O preço do apoio da bancada que se arvora em falar em nome de Bíblia seria a extinção de qualquer programa que discute sexualidade nas escolas ou outros pecados capitais do gênero.
4.       O setor privado, que já possui grande espaço no atual governo (vide FIES turbinado e Pronatec) poderia ter no MEC um incentivador e propulsor de práticas privatistas como temos presenciado. Não é toa que em Goiás, sob a égide do insuspeito Marconi Perillo (PSDB) está se repassando as escolas públicas para Organizações Sociais e no Pará (dos tucanos também) estão implantando escolas charter. A fatia do fundo público educacional abocanhada pelo setor privado cresceria na mesma proporção que Temer precisaria do beneplácito dos grandes grupos, que financiam os grandes jornais e TVs. Quem sabe até conseguem emplacar um empresário para ministro, evitando intermediários e diminuindo seus custos?
Olhando este quadro provável, mesmo sem levar em consideração os demais efeitos da assunção de um governo do PMDB no país (o último que tivemos foi do Sarney, que muitos jovens somente ouviram falar nas aulas de história!), aparecem motivos suficientes para ser não somente contra o impeachment, mas para ir às ruas contra ele.
Os educadores, depois dos seguidos cortes orçamentários do governo, certamente não irão às ruas defender o governo Dilma. Mas devem ir às ruas para evitar que a situação se agrave.
Se hoje o PNE está sob risco de virar letra morta, com Temer ele será enterrado em definitivo.
Não estarei marchando com os conservadores no dia 12 de dezembro, por que vivi a ditadura e sei do que a direita é capaz.
Não estarei levantando a bandeira do Fora todos, não por que a maioria não mereça deixar de nos governar, mas por que não faço o jogo da direita, ou seja, não coloco lenha na fogueira dos bolsonaros da vida.
Estarei com os movimentos sociais que ocuparem as ruas para rejeitar o impeachment, pedir a cassação de Eduardo Cunha e, ao mesmo tempo, avisar a Dilma que não aceitamos o seu ajuste fiscal.


terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Recessão e valor do piso do magistério

Provocado pela carta dos secretários de fazenda dos estados que propuseram para a presidenta Dilma o congelamento do valor do piso nacional do magistério até que os efeitos da crise econômica sejam superados, decidi checar o comportamento das receitas estaduais e municipais e alertar para os efeitos deste comportamento no valor do piso para o ano de 2016.
Todo mundo deve estar acompanhando os desastrosos indicadores econômicos. Estamos em recessão, ou seja, a economia está se retraindo. A consequência prática para a receita de impostos (base financiadora do Fundeb e do cálculo do reajuste do piso do magistério) é uma queda de arrecadação.
A imprensa reproduziu informações da Receita Federal de que tivemos uma queda real de 2,4% até setembro (descontada a inflação do período) no Imposto de Renda. E Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) também caiu 7,11%. Estes dois impostos formam a base do principal repasse federal para estados (FPE) e para os municípios (FPM).
Acessei o site do CONFAZ, órgão das secretarias de fazenda dos estados, onde pude levantar o comportamento da receita do ICMS (que representa mais de 60% dos recursos do FUNDEB) e este teve um aumento nominal de 0,49%, ou seja, se aplicada a inflação no período, também teremos expressiva queda.
Em dezembro de 2014 foi publicada portaria estabelecendo o valor por aluno mínimo de 2015 e projetando crescimento de receita para 2015. Na época se estimava um crescimento de 11,3% de receitas e um reajuste no valor por aluno de 12,7%. Este valor seria a referência, conforme as regras atuais do jogo, para o reajuste do piso do magistério. Em novembro desde ano foi republicada a estimativa de valor por aluno, mas o reajuste foi insignificante, passando de R$ 2.576,36 (portaria do ano passado) para R$ 2.545,31. Não houve, entretanto, revisão das receitas.
Todos os anos, quando chegamos em dezembro, o MEC publica uma nova versão da portaria, revendo as estimativas de receita. Na verdade, apresenta dados realizados até novembro e estima apenas dezembro. Isto tem sido feito a pedido dos governadores e prefeitos para reduzir o impacto do piso do magistério. Certamente tal procedimento será mantido pelo atual ministro Mercadante, especialmente com os dados de comportamento de receita expostos acima.
Acessei também os dados disponíveis do Tesouro Nacional relativos aos repasses realizados pelo Fundeb para as redes estaduais. Em termos nominais até o outubro houve uma variação de 4,4%, bem menor do que o 11,3% estimados pelas duas portarias. Faltando apenas dois meses para completar o ano e apenas um mês para a base de cálculo da terceira portaria, certamente o valor por aluno sofrerá brusca redução nominal, ficando em torno deste percentual que identifiquei. Vale lembrar que em 2014 o reajuste foi de 13%
Assim, a probabilidade do valor do piso não alcançar o patamar de R$ 2.136,41. E ficar em torno de R$ 2.002,16, ou seja, sofrer um reajuste de 4,4% ou algo parecido.
Qual a consequência desta decisão?
1.       Os professores receberão um reajuste menor do que a inflação do período, que o mercado trabalha com 10,38% e o IPCA acumulado nos dez meses de 2015 já chegou a 8,53%.
2.       A distância entre o salário médio recebido pelos professores se comparado com o salário médio de outros profissionais com igual formação tende a se alargar, distanciando ainda mais o cumprimento da Meta 17 do Plano Nacional de Educação.

Reforma no INEP: o setor privado agradece

Tenho dito que a crise acirra a disputa pelo fundo público. O setor privado tem conseguido preservar as suas conquistas no Orçamento Federal e, como a corda sempre rompe do lado mais fraco, os programas sociais estão sofrendo corte atrás de corte. O Ministério da Educação é exemplar neste quesito.
O novo capítulo desta luta diz respeito a “reforma administrativa” que o ministro Mercadante está promovendo. A crise criou o ambiente propício para justificar todas as malvadezas que se tentava fazer e não havia clima político (interno e externo) para fazer. A bola da vez é o INEP.
Foi informado para os servidores do instituto que o mesmo sofrerá uma exótica reforma administrativa. Pelo que consegui colher de informações, em nome de enfrentar a crise, o governo federal retirará do INEP a gestão e execução das avaliações educacionais, repassando, por meio de um singelo e milionário contrato de gestão, para o Cebraspe a atribuição.
Segundo o próprio site desta OS, o Centro Brasileiro de Pesquisa em Avaliação e Seleção e de Promoção de Eventos (Cebraspe), denominado Cespe, foi qualificado como Organização Social (OS) em 19 de agosto de 2013, com a assinatura do Decreto n. º 8.078 pela Presidenta Dilma Rousseff. Em 17 de março de 2014, a Instituição começou a funcionar como uma nova OS no País, após a assinatura do Contrato de Gestão firmado em conjunto com as instituições intervenientes: o Ministério da Educação, a Fundação Universidade de Brasília (FUB) e o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep).
Lembremos que Segundo a Lei n. º 9.637/98, associações com essa personalidade jurídica são, por natureza, de direito privado, sem fins lucrativos, mas que tais OS, por meio de Contrato de Gestão, remuneram seus diretores e funcionários e funcionam como se empresa fossem.
Também serão extintas ou fundidas quase todas as secretarias. Como será ainda mais terceirizada parte de suas atribuições, o organograma infla a área meio, criando poderosa secretaria executiva, na qual ficará a gerência do contrato de gestão. Ou seja, não será mais a área finalística que cuidará da qualidade da prestação dos serviços na execução (do Enem por exemplo), atividade que passa a ser encarada como mero procedimento burocrático.
Afirmei esta semana que na crise fica claro o que um governo julga prioritário e importante. Se as relações com os entes federados não é prioridade, então não há incoerência em extinguir a SASE. Se a disputa por uma escola que respeite a diversidade causa problemas com a base aliada no congresso (tão importante para permanecer no governo!), então por que não extinguir?
Se o mundo privado é o principal aliado do governo. Se o governo acredita mesmo que o setor privado pode fazer melhor e mais barato e que isto não causa nenhum prejuízo na efetivação do direito à educação, por que não repassar mais e mais atribuições a Organizações Sociais?
O INEP está sendo desvirtuado de suas atribuições, todas previstas na legislação que o criou. A pesquisa e a disseminação de seus resultados, o monitoramento do plano nacional de educação, a transparência do uso dos recursos públicos, tudo está em risco.
Infelizmente é mais um capítulo das consequências de um governo que apresentou um programa de esquerda e governa com o programa de seu adversário. Tudo para sobreviver e conseguir manter o apoio da elite. O ajuste fiscal, com todas as suas consequências para as políticas públicas é um ponto central dos acordos costurados nos bastidores da política brasileira: não se trata de ceder os anéis para preservar os dedos, agora é ceder cada vez partes essenciais do corpo.

segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Ajustes, cortes e a educação

Recebi no dia de ontem uma nota da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação - ANPEd alertando para a possível extinção de duas secretarias do MEC (Secretaria de Articulação com os Sistemas de Ensino - SASE e a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão - Secadi). No texto, de forma correta, a Associação credita tal movimentação ao ajuste fiscal. Efetivamente, as “reformas administrativas” do segundo governo Dilma nem podem ser chamadas dessa forma, são fruto de um esforço para alocar aliados preferenciais em lugares estratégicos (leia-se PMDB) e cortar gastos para fazer caixa para honrar os compromissos com o pagamento dos juros e amortização da dívida pública.
Assim, “reformas administrativas” e cortes feitos com essa finalidade terão sempre um posicionamento contrário da minha parte.
Dito isso, queria aproveitar para propor uma reflexão um pouco mais ampla sobre o tema do que a simples reação preventiva contra a possível extinção da SASE e Secadi.
Vou me deter sobre a área que acompanho mais, no caso a SASE, secretaria criada no início do segundo mandato da Dilma para coordenar a relação com os entes federados. Não concordo com a afirmação da nota de que a criação da SASE foi demandada pela sociedade civil organizada e foi produto da CONAE 2010. A crítica de que no Brasil não tínhamos (e ainda não temos) um Sistema Nacional de Educação foi central na CONAE 2010. A falta de instâncias pactuadoras entre os entes federados e sua institucionalização também. Porém, para que as duas demandas acontecessem não era uma pré-condição que fosse criada uma Secretaria especifica para o tema.
Da mesma forma, considero que a crise econômica e política que vivemos no Brasil, coloca em alto risco a vigência do Plano Nacional de Educação. Os cortes orçamentários no governo federal e os efeitos na arrecadação dos estados e municípios estão paralisando as iniciativas de ampliação do direito à educação, essência do PNE. Em tempos de cortes falar de ampliar gastos educacionais, mesmo que assim o PNE determine, começa a soar fora do contexto, por mais absurdo que isto seja. Falar de valorizar o magistério por meio de ganhos reais quando governos anunciam atraso no 13º também. Aliás, acabei de ler uma carta do Conselho de secretários de fazenda dos estados pedindo para congelar o valor do piso do magistério até que a crise acabe (espero que eles saibam quando isto vai acontecer!).
É verdade que ter um espaço institucional responsável por interagir com a sociedade civil e com os entes federados ajuda no diálogo. Mas eu me pergunto se não extinguir a SASE é determinante para reverter o quadro acima. Acho que não.
Fui chamado, com outros educadores, para uma série de reuniões na SASE sobre o Custo aluno Qualidade Inicial, cujo prazo para sua implementação encerra em junho do ano que vem. Primeiro, foi criada uma comissão interna ao MEC, sem participação da sociedade civil. Segundo, fomos ouvidos, é verdade, mas a sociedade quer participar das decisões. Governos que chamam para ouvir e depois decidem de acordo com seus interesses são recorrentes na história do Brasil. Terceiro, não tenho lembrança de ter lido ou assistido nenhum posicionamento dos educadores que ocupam os cargos na SASE qualquer crítica pública aos ajustes fiscais e aos seus efeitos. Nem poderia ser diferente, quem é governo o faz por acreditar nele ou, pelo menos, por achar que tem espaço para suas ideias em seu seio. Não cabe criticá-lo (afora o chantagista PMDB, que abocanha cargos e finge não ter nada a ver com o governo que faz parte!).
Dito isso, considero exagerada a afirmação da nota de que  a extinção da SASE levaria a que “o trabalho de apoio aos estados e municípios para que estes cumpram as metas estabelecidas no Plano Nacional de Educação não encontraria mais no MEC um alicerce para sua estruturação” ou que “cessariam as condições de infraestrutura técnica para apoiar estados, o DF e municípios no sentido de auxiliá-los em suas políticas de valorização dos profissionais da educação e destacadamente a implantação da Lei 11.738/08 (Piso Salarial Profissional Nacional)”.
Extinguir a SASE e Secadi significa que o governo não considera que estes espaços são essenciais ao seu funcionamento, ou seja, o governo os valoriza menos do que o movimento social. Somente isso já torna justo lutar para que, por causa do ajuste fiscal, sejam feitos cortes em espaços institucionais onde o movimento social luta para ser ouvido e que disputa políticas públicas. Para além de reivindicar o espaço, deveríamos reivindicar as políticas, as providências, o cumprimento das obrigações previstas no PNE.
Considero que com SASE ou sem SASE o Custo Aluno Qualidade Inicial está profundamente ameaçado pelo ajuste fiscal. Considero que a participação da União no cumprimento das metas do PNE está suspensa enquanto estiver em vigência o ajuste fiscal. Ou alguém acredita que algo da Meta 12 ou 11 será cumprido nestes tempos de cortes e recessão.

Deveríamos juntar nossas entidades e nossas energias, com a mesma agilidade que tivemos para produzir um posicionamento preventivo contra a possível extinção das duas Secretarias, para lançar um brado retumbante contra a suspensão (de fato) da vigência do Plano Nacional de Educação por parte do governo federal e com apoio dos governadores e prefeitos.

sexta-feira, 27 de novembro de 2015

Público e privado: disputa acirrada pelo fundo público

Acho que depois da batalha entre o bem e o mal, a batalha entre o público e privado é a mais antiga de nossa história. Como escrevi ontem, a crise acirra a disputa pelo destino do fundo público, ou seja, que segmentos sociais se apropriarão de maneira mais contundente dos recursos arrecadados dos cidadãos brasileiros. E é neste contexto que se localiza a atual disputa entre público e privado.
Concordo com autoras (cito Theresa Adrião, Vera Peroni e Sofia Vieira como exemplos) que consideram dissolvidas as claras fronteiras entre estes dois pólos. As brechas que a constituição de 1988 deixou e que foram alargadas pela LDB, agora estão se tornado frondosas avenidas.
Para quem trabalha tendo a lógica da educação como direito de todos, o cenário é preocupante. Em primeiro lugar, cada vez mais os governos (federal, estaduais e municipais) destinam recursos para o setor privado, mas não somente para entidades autorizadas pelo artigo 213 da CF, mas também para o setor com fins lucrativos.
Em segundo, tem crescido o repasse de escolas para a gestão privada, seja para OSCIPs, entidades empresariais sem fins lucrativos e, agora começa a crescer também a tentativa de implantar “escolas charters”.
A crise e a dificuldade de responder as demandas sociais por ampliação do direito à educação têm servido de justificativa (econômica) para a implantação destas “parcerias”. Este é o caso do caso do repasse de unidades de educação infantil para OSCIPs em Brasília.
Mas também tem crescido o discurso de que o Estado pode delegar a execução da política educacional para o setor privado por razões de eficiência. O modelo privado não seria refém dos custos exorbitantes com as carreiras docentes, permitiram mobilidade no emprego e reduziriam custos. E, no caso do repasse da gestão pedagógica, teria o benefício de elevar a “qualidade” das escolas.
Durante a tramitação do novo PNE se travou importante batalha desta guerra. Se, de um lado, a força da sociedade civil conseguiu garantir que os 10% do PIB deveriam ser de investimento público na escola pública, de outro lado, o governo e os privatistas conseguiram inserir dispositivo que permite contabilizar para efeitos de cumprimento da Meta 20 tudo que hoje é repassado para o setor privado.
O PNE está permeado de contradições deste tipo. Em algumas metas e estratégias prevaleceu a preocupação com o espaço público na oferta de novas vagas. Em outras foi tornado lei iniciativas que visam ofertar vagas no setor privado por meio de bolsas subsidiadas pelo poder público.

Durante os próximos anos de vigência do PNE teremos novos e emocionantes episódios desta batalha.

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

A crise e seus efeitos no PNE

Depois de alguns meses inativo, retomo no dia de hoje as atividades do meu blog. E escolhi um tema que vem preocupando os brasileiros: a crise econômica e política. Porém, farei um recorte dos seus efeitos na educação, especialmente na vigência do PNE.
Toda crise abre uma acirrada disputa pela apropriação do fundo público. Com menos recursos, é necessário que os governos façam escolhas e estabeleçam prioridades. O governo Dilma (e nisso possui amplo apoio da mídia, dos empresários e das bancadas de oposição conservadora) implementa uma série de medidas direcionadas a enfrentar a crise.
Em primeiro lugar, promove um ajuste fiscal, tendo por objetivo diminuir os gastos públicos e direcionar os recursos resultantes destas medidas para o pagamento (ou amortização) da dívida pública. Tais medidas também se destinam a sinalizar para o “mercado” que o governo está comprometido com o combate a inflação e equilíbrio das contas públicas. Não é uma sinalização simbólica, é real. Desde janeiro estão sendo cortados recursos orçamentários no âmbito federal, afetando áreas sociais fundamentais, dentre elas a educação.
Em segundo lugar, praticam vários mecanismos inibidores do consumo, visando derrubar os preços e, por conseguinte, a inflação. Este remédio tem como âncora a elevação das taxas de juros, tornando pouco atrativa o empréstimo de dinheiro. Até agora não derrubaram inflação, mas conseguiram diminuir o ritmo produtivo e jogar o país numa retração econômica.
A paralisia da economia incide diretamente na circulação de mercadorias e, por conseguinte, diminui a arrecadação de impostos, afetando a capacidade de estados e municípios manterem em funcionamento programas e projetos. A dificuldade dos entes federados em pagar os salários (veremos novo capítulo agora com a obrigação de depositar o 13º), manter funcionando escolas e unidades de saúde, é a expressão cruel da crise se espalhando para além das fronteiras da União.
E isto nos remete a uma grande contradição: como garantir a implementação das metas e estratégias de um plano nacional de educação no meio de uma crise. São poucas as metas que não são quantitativas e que não precisam para acontecer uma elevação de oferta de serviços públicos, com a consequente contratação de mais professores e outros profissionais da educação, além do custeio de novas unidades educacionais.
Em 2016 teremos a obrigação (constitucional) de universalizar o atendimento educacional para a faixa etária de 4 a 17 anos. Certamente, com raras exceções, as metas 1, 2 e 3 não serão cumpridas.

Além disso, o plano é um compromisso de 10 anos, mas que sua dívida precisa ser paga um pouco a cada ano, caso contrário ficará inviável alcançar suas metas. Daqui a sete meses o PNE completará dois anos, ou seja, um quinto de sua vigência terá passado. E sua execução, em meio à crise, parece suspensa no ar.

quinta-feira, 25 de junho de 2015

Tirar consequência

Quero registrar dois avanços em relação ao cumprimento do PNE editados pelo MEC no dia de hoje. São duas portarias publicadas no Diário Oficial da União.
A Portaria nº 618, de 24 de junho de 2015, dispõe sobre o Fórum Permanente para acompanhamento da atualização progressiva do valor do piso salarial nacional para os profissionais do magistério público da educação básica. Este Fórum será formado por representantes do MEC, dos governos estaduais e municipais e por representação da CNTE.
A tarefa deste Fórum será de “propor mecanismos para a obtenção e organização de informações sobre o cumprimento do piso pelos entes federativos, bem como sobre os planos de cargos, carreira e remuneração” e “acompanhar a evolução salarial por meio de indicadores da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, periodicamente divulgados pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE”.
É uma boa iniciativa, porém, valerá a pena se enfrentar e buscar soluções para a viabilização das condições financeiras para a consolidação do piso nacional de salários do magistério e efetivação da Meta 17 do PNE, que se propõe equiparar o rendimento médio dos professores ao recebido pelos demais profissionais com escolaridade equivalente, até o final do sexto ano de vigência deste PNE, ou seja, até 2020.
E quais são os entraves?
1.       Desigualdade territorial nas condições de oferta, fruto das diferentes condições econômicas dos estados e municípios;
2.       Planos de carreira diferenciados, fruto do ponto anterior, mas também resultado da pouca efetividade jurídica das diretrizes nacionais sobre o tema;
3.       Não efetivação, desde a aprovação da Lei do Piso, de qualquer ajuda federal para viabilizar o pagamento do piso por estados e municípios. Além disso, restrição de uso de parte da complementação da União apenas para entes de fundos contemplados com a mesma, o que exclui mais de 2000 municípios e 16 estados;
4.       Questionamento sobre conteúdo da lei, especialmente sobre forma de correção do valor e formalização do mesmo todos os anos.
Sem que estes problemas sejam enfrentados, monitorar é bom, mas totalmente insuficiente para cumprir a Meta 17 e garantir valorização dos trabalhadores em educação.
A segunda portaria, de número 619, da mesma data, institui a Instância Permanente de Negociação Federativa no Ministério da Educação. Tal portaria materializa dispositivo presente no artigo 7º do PNE e a Instância criada se propõe como objetivo “fortalecer os mecanismos de articulação entre os sistemas de ensino, por intermédio do desenvolvimento de ações conjuntas, para o alcance das metas do Plano Nacional de Educação - PNE e a instituição do Sistema Nacional de Educação”.
A composição será paritária entre os entes federados, cinco de cada. A Instância se reunirá pelo menos duas vezes por ano, visando à negociação dos assuntos previstos na Lei do Plano Nacional de Educação, ou sempre que o debate sobre temas referentes ao desenvolvimento da educação básica for pertinente.
O tema da pactuação federativa talvez seja um dos assuntos mais relevantes para a efetivação do plano nacional de educação. Na verdade, o tema extrapola o próprio plano, posto que 27 anos de Constituição ainda não foram suficientes para que o regime de colaboração fosse regulamentado. Da mesma forma, tal comissão somente cumprirá seu papel se:
1.       Discutir profundamente o desequilíbrio entre recursos financeiros e responsabilidades atribuídas a cada ente federado, especialmente revendo o papel exercido pela União;
2.       Estabelecer-se como instância de discussão de todos os programas federais direcionados para a educação básica, substituindo o atual Conselho do FNDE, o qual sendo composto pelos secretários do MEC, homologa decisões solitárias do ministro, sem pactuação com os entes federados;
3.       Uma boa sinalização, para que todos se convençam que o gesto da portaria não foi mera formalidade para amenizar um ano de quase nenhuma ação para efetivar o PNE, seria colocar na pauta da primeira reunião desta instância (a qual deveria ser urgente) o debate sobre regulamentação e implantação do CAQi e regulamentação do uso dos recursos do pré-sal.
Estes breves comentários visam comemorar os avanços, mas principalmente não se deixar empolgar por sinalizações formais. Para o PNE sair do papel são necessários gestos concretos.
               


O que poderia ter sido feito no primeiro ano do PNE

Vamos considerar a tese do Ministro da Educação de que pouco foi feito por que está faltando dinheiro para todos (ontem mostrei que existiram escolhas governamentais sobre onde alocar recursos do fundo público em meio à crise econômica, faltando dinheiro para uns e preservando recursos para outros). Será que poderia ter sido feito mais pelo PNE do que foi feito (bem, como praticamente nada foi feito, qualquer coisa seria bem mais!)?
O PNE é um plano de dez anos, mas algumas metas e determinações da lei possuem prazo de apenas dois anos, ou seja, caso nada tenha sido feito sobre essas determinações, simplesmente perdemos um ano de vigência. E nem tudo envolve dinheiro (posto que o mesmo estaria faltando para todos). Vejamos:
O artigo 4º da Lei afirma que as metas “deverão ter como referência a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, o censo demográfico e os censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados” e que o Poder Público “buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17 (dezessete) anos com deficiência”. No primeiro ano do PNE, vale perguntar quais providências técnicas foram tomadas para cumprir esta tarefa?
No parágrafo 2º do artigo 5º ficou estabelecido que a cada dois anos, o INEP publicaria “estudos para aferir a evolução no cumprimento das metas estabelecidas no Anexo desta Lei, com informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito nacional”. Tendo se esgotado metade do prazo para divulgação do primeiro relatório, eu pergunto sobre quais providências técnicas foram tomadas pelo INEP?
No mesmo artigo, no seu parágrafo 5º, a Lei estabelece que a parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e de gás natural será destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em acréscimo aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição Federal. Tal providência precisaria de lei específica. É forçoso perguntar: por que até o momento não foram tomadas providências para regulamentar o uso dos recursos dos royalties para a educação, especialmente a parcela federal dos mesmos? A omissão governamental induz uma conclusão de que tais recursos, sem regulamentação, poderão enquanto isso serem destinados a engrossar o “esforço fiscal do governo” e migrar para os bolsos dos credores da dívida pública.
Um dos avanços do PNE foi o teor do seu artigo 7º. No parágrafo 5º é dito que “Será criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. O que falta para cumprir esta norma, posto que a mesma não custa um centavo para os cofres federais?
A única providência lembrada pela propaganda federal é justamente a que não depende de iniciativas deste ente. Falo do artigo 8º, que dá prazo de um ano para que os Estados, o Distrito Federal e os Municípios elaborarem seus correspondentes planos de educação, ou adequem os planos já aprovados em lei. O prazo se encerrou ontem e o dado fornecido pelo MEC era, no mínimo, preocupante.
No seu artigo 13, outro avanço importante. No prazo de dois anos, o poder público deverá instituir, em lei específica, “o Sistema Nacional de Educação, responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano Nacional de Educação”. Seria bom informar para a sociedade brasileira qual o teor da minuta de lei do sistema (caso exista) e informar quando o projeto de lei será enviado para o Congresso, especialmente considerando o ritmo daquela Casa para aprovar leis benéficas ao povo brasileiro (todos os dias presenciamos o ritmo alucinante para aprovar as leis maléficas).
Se no geral as metas possuem prazos decenais, algumas metas e estratégias possuem prazo também de dois anos, ou seja, já perdemos metade do prazo sem que providências fossem tomadas. Destaco algumas:
Na Meta 1, temos o prazo até 2016 (faltam na verdade seis meses) para universalizar a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade.
Na Meta 3, também temos o prazo de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos.
Na estratégia 7.21 ficou estabelecido que “a União, em regime de colaboração com os entes federados subnacionais”, deveria estabelecer, no prazo de 2 (dois) anos contados da publicação desta Lei, “parâmetros mínimos de qualidade dos serviços da educação básica, a serem utilizados como referência para infraestrutura das escolas, recursos pedagógicos, entre outros insumos relevantes, bem como instrumento para adoção de medidas para a melhoria da qualidade do ensino”. Quais providências foram tomadas para cumprir esta estratégia? Existe grupo de trabalho que respeite o regime de colaboração ou teremos a antiga prática de pacotes federais sem debate com os demais entes?
A estratégia 12.19, trata da tarefa de “reestruturar com ênfase na melhoria de prazos e qualidade da decisão”, também no prazo de 2 (dois) anos, “os procedimentos adotados na área de avaliação, regulação e supervisão, em relação aos processos de autorização de cursos e instituições, de reconhecimento ou renovação de reconhecimento de cursos superiores e de credenciamento ou recredenciamento de instituições, no âmbito do sistema federal de ensino”. Regular o setor privado, é disto que se trata. Quais providências foram tomadas para cumprir este importante dispositivo? Aqui também seria possível com os recursos correntes e pessoal existente nas secretarias do MEC realizar a tarefa, independente de cortes orçamentários.
Um dos dispositivos mais polêmicos do PNE e que tem a capacidade de provocar impactos positivos na qualidade do ensino é, sem sombra de dúvida, a implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQi. O prazo, estabelecido pela estratégia 20.6 é de dois anos. Neste caso, vale registrar, que o MEC tomou uma providência parcial. Por portaria foi constituído um grupo de trabalho interno ao MEC, sem participação dos demais entes federados (aos quais o CAQi é destinado) e sem participação da sociedade civil (principal interessada na efetivação da medida e que foi decisiva para a sua formulação e que garantiu sua presença na lei). Quando os principais atores sociais educacionais serão ouvidos? Qual prazo para apresentar o projeto de regulamentação, posto que dois anos é o prazo para a sua implantação?
Poderia ainda citar as metas 18 e 19, ou mesmo a estratégia 20.9 (que trata da regulamentação, por lei federal, do parágrafo único do artigo 23 da CF). Mas a lista acima já é suficiente para demonstrar que a crise econômica não é explicação suficiente para entender o motivo de que NADA ou QUASE NADA foi feito pelo Plano Nacional de Educação no seu primeiro ano de existência.
Estamos correndo o risco de repetir a trajetória no PNE anterior: aprovar uma lei que o governo federal e os governos estaduais e municipais fazem de conta que não existe.
Assim como para sua aprovação foi necessária forte mobilização social, para a sua efetivação muitas lutas precisarão ser travadas. Somente é possível cumprir e efetivar o PNE se a educação realmente (nos fatos e não nos discursos) se tornar a “prioridade das prioridades”.



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Um ano de PNE: Falta dinheiro para todos?

Começo a publicar hoje uma série de comentários sobre o primeiro ano de vigência do Plano Nacional de Educação. A Lei 13.005 completa seu primeiro aniversário neste 24 de junho.
Hoje vou comentar as condições para que o PNE comece a sair do papel e aproveito uma frase do ministro da Educação, professor Janine Ribeiro, em entrevista publicada no portal UOL:
"Veja, existe uma crise econômica no país. A economia está passando por um momento difícil, vai se recuperar, mas agora está falando dinheiro para todos. Neste momento, nós temos que construir a forma de superação disso para quando melhorar a economia do país".
O primeiro ano do PNE foi marcado por alguns elementos conjunturais que precisam ser sistematizados:
1.      Metade do primeiro ano o país esteve envolvido no processo eleitoral, um dos mais disputados de nossa história recente. Mesmo assim, a educação apareceu em inúmeras campanhas como algo relevante para o desenvolvimento do país. A vencedora do pleito federal, Dilma Rousseff, ancorou parte do discurso de permanência no cargo nos feitos na área educacional, mesmo que tenha pinçado justamente os programas direcionados a subsidiar a oferta privada de educação (FIES e Pronatec).
2.      Ao tomar posse, a presidenta reeleita apresentou a educação como a “prioridade das prioridades” e elegeu o mote de seu segundo mandato como “Pátria Educadora”. A sinalização era clara: a área educacional teria um peso importante na alocação de recursos e nas preocupações governamentais.
3.      Antes mesmo da posse, porém, a composição dos ministérios e as medidas econômicas apontavam para direção totalmente oposta. Houve um reconhecimento de que a crise econômica era mais grave do que se falava na campanha, que seriam necessários ajustes fiscais, os quais consistiriam em corte de direitos trabalhistas, corte de isenções de impostos concedidos anteriormente ao setor industrial e cortes profundos no Orçamento Federal, tudo isso em um esforço para retomar a confiança do “mercado” em um governo envolto em uma crise política (Operação Lava Jato, manifestações de rua e infidelidade da base parlamentar).
Um Plano educacional é, antes de tudo, um compromisso que o Estado Brasileiro assume por dez anos de melhorar a educação. Isto significa que serão desenvolvidos esforços para superar entraves, sejam eles pedagógicos, materiais, salariais ou de formação de mão-de-obra. Tais desafios estão expressos (com suas contradições) no PNE vigente. Porém, tais compromissos precisam de pelo menos três pressupostos para sair do papel:
1.      Que o governo federal e os governos estaduais e municipais reorganizem seus orçamentos anuais, durante uma década, para prover de recursos as políticas necessárias ao cumprimento das metas;
2.      Que a União cumpra seu papel de coordenadora do esforço nacional, desenvolvendo tarefas redistributivas, supletivas e de apoio técnico. E também induza comportamentos positivos, seja por meio de programas federais, seja pelo próprio exemplo.
3.      Que sejam criadas as condições normativas e operacionais para que as metas saiam do papel e que possam ser fiscalizadas pela sociedade civil e por toda a população.
A frase do ministro aborda o problema central (mesmo que não o único) que levou a termos perdido o primeiro ano de vigência do PNE. A lógica do governo federal, seguida por quase todos os governos estaduais e municipais, tem sido de fazer ajustes nas contas públicas retirando direitos e cortando despesas de custeio e investimento nas áreas sociais. Tal postura inviabiliza qualquer debate sério sobre o cumprimento das metas do novo plano.
Na referida entrevista, o ministro afirma que o motivo do atraso da aprovação de planos estaduais e municipais (hoje esgota o prazo) é por que a “questão de gênero” ocupou um papel preponderante e acabou atrasando a aprovação das normas. Isso não é plenamente verdadeiro. Não que a reação conservadora (crescente no país) não tenha contaminado muitos debates de planos estaduais e municipais, complicando a discussão nas casas legislativas, mas a crise econômica é o principal fundamento para tornar tímido cada governo estadual e municipal a enviar para o legislativo um conjunto de compromissos, os quais os governantes consideram “fora da realidade” de ajustes que estão sendo feitos.
Vejamos o que aconteceu nos estados e municípios no primeiro semestre de 2015. Em várias redes estaduais e municipais os docentes realizaram longas greves, todas elas tentando impedir retirada de direitos (previdenciários por exemplo) ou exigindo o cumprimento do piso salarial nacional.
No âmbito federal, o governo anunciou um corte de 9,4 bilhões de reais no Orçamento do MEC, as universidades estão parando por falta de recursos para custear atividades essenciais, programas importantes para o cumprimento do PNE (como o Programa de Iniciação à Docência – PIBID) estão sendo cortados (não foram julgados estratégicos pelo MEC e assim ficaram desprotegidos dos cortes), os técnicos das universidades estão em greve (por que reajuste salarial não está na pauta governamental para este ano e quem sabe o próximo também), os professores universitários, pelo menos na maioria das instituições, também paralisaram por motivos semelhantes.
Ao contrário do que a fala do ministro sugere, em uma crise econômica há uma intensificação da disputa pelo fundo público. E está muito evidente de que o empresariado não só tem melhores instrumentos para minimizar os efeitos da crise, como encontra um governo disposto a fazer sempre mais concessões aos seus interesses. A crise tem afetado diretamente os assalariados, os de emprego precário e os jovens sem emprego. Estes não estão sendo protegidos pelo governo.
Na educação, infelizmente, a pressão do empresariado por abertura de novos espaços de negócios tem sido atendida pelo governo. E quando os cortes orçamentários provocam diminuição de investimentos em áreas dos seus interesses, o empresariado chia, consegue espaço na mídia e o governo recua. Basta ver como rapidamente foram resolvidos os problemas com o FIES e PRONATEC. Nestes casos, juntou a fome (interesse do governo de oferecer vagas mais baratas em áreas com baixa cobertura) com a vontade de comer (interesse do empresariado em abocanhar novos mercados).



sexta-feira, 19 de junho de 2015

Otimismo do mercado

Em fevereiro o Grupo Tarpon, fundo americano que gerencia universidades naquele país (21% dos negócios estão nesta área) comprou a Abril Educação, que estava em crise por 1,3 bilhões.
Agora, com dinheiro em caixa, a nova Abril Educação anunciou nesta quinta-feira (18) a aquisição de 100% da operação da Saraiva Educação (725 milhões), braço do grupo formado por selos como Atual, Benvirá, Editora Saraiva, Editora Érica e sistema de ensino Ético. Segundo FSP, a operação abrange o catálogo de livros didáticos, paradidáticos, universitários, jurídicos, ficção e não ficção.
A reportagem cita que o grupo já é dono de marcas como Wise Up, Red Balloon e Anglo e que já atua nos setores de editoras, escolas e sistemas de ensino básico e técnico, cursos preparatórios para concursos, ensino a distância e idiomas.
Analistas avaliam que o interesse da Abril Educação é crescer, com a venda de livros e serviços, em regiões que no futuro terão maior direcionamento de recursos do governo para educação.
"Ela já é forte em sistemas de ensino no Sudeste. Agora, a marca Ético, que é forte no Nordeste, pode ajudá-la a alcançar a região, onde ela vinha tendo dificuldade de crescer. O Norte também ficará mais acessível", afirma Gabriela Cortez, analista do BB Investimentos.
O que esta notícia diz respeito ao Plano Nacional de Educação? Tudo. Vejamos:
1.     O mercado pede a todo momento ao governo que faça sinalizações que tranquilizem os investidores privados. O governo Dilma, acossado por denúncias e infidelidade de sua base, tem caprichado nesta tarefa, vide pacote fiscal, elevação da taxa de juros e pacote de privatizações.
2.     No campo educacional, no meio de forte crise, os que possuem reservas saem as compras, foi assim em 2008 e continuará sendo assim enquanto o capitalismo for capitalismo, pois concentrar propriedade é da sua essência. As empresas em crise serão compradas pelas maiores e as maiores compradas pelo capital internacional.
3.     O mercado, sempre mais bem informado do que os educadores, sabe que as sinalizações do governo são de cada vez mais abrir as portas do setor público para a iniciativa privada. E isso vale para a área educacional. Isso pode ser via abrindo novas áreas para prestação direta do serviço, mas pode ser abrindo para o setor áreas anteriormente exclusivas do setor público. Temos exemplos nos dois casos.
Ao contrário da imprensa brasileira, parece que o fundo Tarpon está mais otimista com a economia brasileira. E bastante otimista com o retorno na área educacional. Como a renda das famílias brasileiras está caindo, a expectativa de retorno não é a entrada no mercado consumidor de mais brasileiros, o fundo americano está de olho nos recursos públicos.

Simples assim. A Pátria Educadora, na versão transnacional, está em pleno vapor.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Melhor que nada?

Na última sexta-feira (5 de junho) participei de um debate sobre financiamento da educação, com destaque para a efetivação da proposta de 10% do PIB para a educação. Ao meu lado estava o professor Luiz Dourado e o deputado federal Wadson (PCdoB-MG). A atividade fez parte do 54º Congresso Nacional da União Nacional dos Estudantes, realizado na cidade de Goiânia.
No meio do debate me chamou a atenção a fala de uma aluna de Minas Gerais. A estudante se identificou como cotista (do Prouni) e discordou das minhas críticas a prioridade do governo para este programa e para o FIES. Disse que será a primeira universitária na família e que isso deve ser considerado uma vitória do período Lula e deve ser preservada. Não foram exatamente estas as suas palavras, mas o sentido certamente foi esse.
A resposta da estudante se deveu a ter dito que a UNE (e todo movimento social) deveria voltar a ter coerência e todos deveríamos defender RECURSOS PÚBLICOS EXCLUSIVAMENTE PARA ESCOLA PÚBLICA, da mesma forma que defendíamos no processo constituinte. Acertadamente a referida estudante entendeu nesta afirmação uma crítica a postura permissiva do movimento estudantil para com programas que direcionam recursos para o setor privado, mesmo que tenham viés inclusivo na distribuição das bolsas concedidas.
Esta, certamente, é uma polêmica a ser enfrentada. Ao me despedir relembrei de uma experiência vivida quando Secretário de Educação de Belém (1997 a 2002), quando incorporamos todas as matrículas em escolas conveniadas com entidades comunitárias de educação infantil na rede pública. O que está em jogo?
1.       O Estado Brasileiro vem oferecendo aos mais pobres uma escola mais pobre e se vale de um discurso que reforça a vaga oferecida, mesmo que precária, como uma dádiva e não como um direito. Assim, reforça o senso comum de que uma vaga precária é uma vaga de acesso ao ensino superior, atendendo a expectativa popular. Afinal de contas isso É MELHOR DO QUE NADA.
2.       Ao aceitarmos algo precário, como esse fosse o nosso direito como cidadãos, ajudamos ao Estado a economizar com a educação e direcionar recursos públicos para as áreas prioritárias (ao juízo dos governantes). No caso brasileiro, oferecer uma vaga em troca de isenção fiscal em entidades precárias é uma via que, ao mesmo tempo:
a.       Alivia a pressão social por acesso dos mais excluídos e que não podem pagar por uma vaga em instituição particular e muito menos conseguem acessar vagas nas instituições públicas;
b.      Salva da falência as instituições precárias;
c.       Gasta menos com educação superior.
3.       Que o governo aja dessa forma, mesmo discordando, compreendo a sua lógica. E ela ajuda a entender as diferenças entre FHC e Lula, pelo menos neste ponto programático:   
a.       FHC praticou a liberalização da oferta privada, apostando na inclusão via pagamento dos cidadãos por uma vaga e via financiamento estudantil; e
b.      Lula apostou suas fichas em crescimento do setor público associado a aportes de recursos para o setor privado, mesmo que condicionados a inclusão social. Ou seja, um no cravo e outro na ferradura.
4.       O que estamos vivenciando é, nas duas experiências de governo das últimas duas décadas, é uma noção que nega o DIREITO À EDUCAÇÃO SUPERIOR como oferta pública.
Como todos, inclusive as lideranças estudantis da UNE, sabem que o país vive uma crise e que o governo Dilma se esforça a aprofundar um receituário conservador na economia, que estão sendo feitos cortes violentos nos recursos da educação, fica a pergunta:
1.       Como viabilizar o cumprimento da Meta 12, que projeta duplicação das matrículas no ensino superior, sendo 40% delas na rede pública, se não houver forte pressão para que isso aconteça?
2.       Como viabilizar um cumprimento do exposto no item 01 se o próprio movimento estudantil (pelo menos de forma majoritária) defende como VITÓRIA o aumento dos recursos para financiamento estudantil e bolsas no Prouni?
A mãe de uma criança que consegue matricular seu filho em uma creche comunitária precária na periferia de uma grande cidade se sente tão satisfeita com o MELHOR QUE NADA, como presenciei no depoimento da estudante mineira. Mas o seu filho, que não pode e não deve ser tratado como cidadão de quinta categoria, merece muito mais do que isso.
Por isso, fiz questão de dizer para a estudante mineira que ela (e os demais cotistas) possuem o direito de uma vaga pública de qualidade e que é melhor do que nada ela estar estudando, mas é insuficiente como política pública ou como bandeira do movimento estudantil.
O que está em discussão é a manutenção de conquista histórica, ou seja, manutenção do conceito de educação enquanto direito fundamental e não dádiva. É uma conquista que na Europa foi incorporada em Constituições ainda no século XIX (Suíça) e início do século XX (Dinamarca e Alemanha). E que levou Marshall classificar como um dos direitos sociais fundamentais para a cidadania. Nem quero citar que em 1536, em Genebra, a educação já era gratuita e obrigatória, que no Ducado de Weimar (1619) a regra era que todas as crianças de 6 a 12 anos frequentassem escolas ou citar as Colônias Americanas, como a de Massachusets, que em 1647 já valoriza o acesso educacional.

Abrir mão desta conquista histórica é um grave erro. E sem romper com o discurso do MELHOR QUE NADA é impossível conquistar 10% do PIB para educação pública.

quarta-feira, 3 de junho de 2015

Ainda se inteirando...

Ontem, no Jornal Valor Econômico, tive a oportunidade de ler uma longa entrevista do atual ministro da educação, professor Renato Janine ( http://migre.me/q86qh ). O mote da entrevista foram os dois primeiros meses na condução da pasta educacional. Confesso que fiquei bastante frustrado com o que li.
Na referida entrevista o ministro afirma que ainda está se inteirando dos diversos programas e ações da pasta. Se isso sempre será verdade como regra (nunca conhecemos um objeto na sua plenitude), mas é assustador que, passados dois meses, um ministro use como atenuante de pouca coisa para mostrar o fato de ainda estar conhecendo o ministério.
Em seguida, afirma que teve garantias da presidente Dilma de que as ações estruturantes da pasta serão poupadas. Acontece que no texto não encontrei nenhuma indicação (falta total de transparência!) do que efetivamente será cortado, posto que não é tarefa simples reduzir 9,4 bilhões no orçamento da área. O que não será feito este ano? Qual o prejuízo político e educacional dos cortes? Quais são os programas estruturantes? Nenhuma palavra.
Por várias vezes o ministro afirma que a educação básica será prioridade e que as universidades devem estar atentas para isso. Cita a questão da formação dos professores, “que está na competência das universidades e muitas vezes não fica a contento”. Pareceu-me uma repetição do diagnóstico feito pelo Mangabeira sobre o problema. Quais as providências para que as universidades se tenham maior engajamento na formação dos professores? Como conciliar a necessidade de expansão da oferta pública nesta área com o corte orçamentário, o qual impede expandir serviços, já que está difícil manter o que já existe?
Na entrevista ficou claro que o ministro fez um esforço para se inteirar sobre o Plano Nacional de Educação. Certamente as audiências com entidades acadêmicas e da sociedade civil deve ter ajudado neste processo. Mas expressou equívocos recorrentes na pasta, especialmente sobre o financiamento. Afirmou que a Meta 17 requer muito dinheiro, mas que “é com Estados e Municípios antes de mais nada”. É verdade, mas sem apoio federal a meta de melhoria salarial dos professores não se efetivará.
Duas colocações me impressionaram. A primeira, sobre o percentual do PIB inscrito no PNE o ministro afirmou que o alcance de 10% pode ser uma fantasia (“se isso foi uma fantasia, eu não posso dizer”). É uma fala desrespeitosa com todo o debate travado na Câmara e no Senado sobre o tema. Certamente o ministro deveria se inteirar melhor sobre o financiamento da educação. Comparar o quanto os países da OCDE aplicam em educação e usar isso como parâmetro para não aumentar nosso investimento é totalmente errôneo. Se o Brasil já tivesse incluído milhões de brasileiros nas escolas, não tivesse 14 milhões de analfabetos plenos e quase 30 milhões de analfabetos funcionais, se a distorção idade-série não fosse um problema, se existisse um padrão mínimo de atendimento educacional, ou seja, se tivéssemos feito a lição de casa que os países europeus fizeram a décadas atrás, certamente o debate sobre recursos seria bem diferente. Um ministro que considera fantasioso o principal ponto previsto no PNE não estará comprometido com a sua execução. Ou só trabalhará para executar o que julgar não fantasioso do que estiver escrito na norma.
E a segunda colocação foi dizer que há uma mudança de política não percebida pelas pessoas e que “não é mais você pedir que o Estado provedor pague tudo, mas a sociedade assumir a sua responsabilidade”. Vejamos:
1.       A educação é um direito de todos e DEVER do Estado. Que eu saiba o artigo 205 da Constituição Federal não foi revisto.
2.       A sociedade brasileira tem se responsabilizado pelo pagamento de tributos para que o Estado cumpra a sua parte. E isto tem acontecido de maneira desproporcional, sendo que os assalariados carregam um peso maior do que os ricos neste esforço cotidiano.
3.       Há, realmente, uma linha política que permeia governos petistas e tucanos, de retirar das mãos do Estado a responsabilidade de prover os serviços, mas isso acontece para redirecionar o gasto público para as prioridades por estes governos escolhidas (pagar os encargos da dívida, por exemplo). E estamos vivendo progressivo repasse de obrigações estatais para o setor privado (que muitos, como o ministro, usam como sinônimo de sociedade). Basta ver o que está acontecendo ou sendo proposto no documento do Mangabeira, no Rio Grande do Sul, em Goiás e em inúmeras cidades paulistas.
O ministro, que está ainda se inteirando, afirmou de forma definitiva de que não existe penúria nas universidades, que as reclamações são uma falta de perspectiva histórica de quem afirma tal coisa. Disse que “quando você começa a ver que pode ter o necessário, aumenta a sua demanda”. Interessante argumentação. Por este raciocínio, o MEC garantiu nos últimos anos o necessário para o funcionamento das universidades e as queixas atuais é apenas um aumento de demanda. E isso foi falado quando os funcionários das universidades estão paralisados e parte grande dos professores também. E todo dia estoura uma notícia de precarização de serviços essenciais. A falta de segurança e limpeza em determinadas universidades deve ser este aumento de demanda referida pelo ministro.
E, num esforço de ocupar algum protagonismo no debate da Pátria Educadora, posto que até o momento o MEC tem sido omisso sobre o tema, o ministro saiu como uma frase de efeito. Afirmou que “Pátria Educadora em boa parte é dar carne para o osso, que é o Plano Nacional de Educação. O PNE é um arcabouço. Como você dá vida a tudo isso é tudo que vai compor a Pátria Educadora”.
É certo que é dever do MEC (assim que o ministro se inteirar sobre os programas e ações que é responsável!) materializar de forma prática as metas e estratégias de sua responsabilidade e ajudar os demais entes federados nesta tarefa. São programas e ações governamentais que tornarão viável o PNE. E o anúncio de medidas concretas sobre o assunto é o que mais o cidadão espera de um ministro diante de uma lei que completará um ano neste mês. Vejamos alguns exemplos concretos, apenas como sugestão de caminhos para o Ministro:
1.       A Meta 1, que trata da educação infantil, tem estratégias que dependem de aporte federal para acontecer. Os recursos do Proinfância estão na lista dos projetos estruturantes? Serão turbinados ou são suficientes?
2.       A Meta 11, que trata da expansão da educação profissional, estabelece patamar de participação pública, o que pressupõe crescimento sustentável da rede federal e estadual. O que o MEC apresenta de medidas práticas para iniciar o cumprimento da Meta, ou continuará considerando estruturante apenas o financiamento do setor privado via o Pronatec?
3.       A Meta 12, de responsabilidade constitucional da União, também pressupõe cobertura pública de 40% das novas vagas. Isso ficará congelado até a crise passar? (quando passará?) Qual o formato desta expansão?
4.       A Meta 20 (já comentada acima) estabelece dois anos para regulamentar o padrão mínimo de qualidade (um já se foi). A Portaria do MEC sobre a regulamentação do Custo Aluno Qualidade Inicial não contemplou espaço de participação dos entes federados e da sociedade civil. Este será o caminho “democrático” do MEC na execução de um importante instrumento de elevação do padrão do atendimento ou o CAQi está na lista dos itens considerados fantasiosos pelo ministro?
Ou seja, dois meses de gestão mostraram pouco, muito pouco em mudanças práticas no MEC. E mais, a entrevista mostrou que o ministro ainda não se inteirou sobre a real dimensão do Plano Nacional de Educação, perdeu a condução da formulação do principal mote do governo (Pátria Educadora) e ainda não tem o que apresentar para a comunidade educacional.

Frustrante.

domingo, 24 de maio de 2015

Cortes na Pátria Educadora

Nesta sexta-feira (22 de maio) o governo federal anunciou um corte de 70 bilhões no Orçamento Federal para 2015. Terceira pasta mais afetada pelo corte no Orçamento anunciado pelo governo, o Ministério da Educação informou, por meio de nota, que “os programas e ações estruturantes e essenciais” estão garantidos apesar da redução em R$ 9,42 bilhões nos seus recursos.
Não consegui entender a origem do número divulgado pelo release do Ministério do Planejamento sobre os cortes efetuados no MEC. A única coisa clara é que em 2015 serão cortados do valor aprovado pelo Congresso Nacional o montante de 9,42 bilhões. Porém, não consegui encontrar lógica sobre o montante de R$ 48,81 bilhões (o qual seria o valor aprovado pelo Congresso!).
Em 2014, considerando o que efetivamente foi pago pelo MEC tivemos um gasto de R$ 79,7 bilhões, não sendo factível que o valor aprovado tenha caído para R$ 48,8 bilhões. No Portal do Senado encontrei o valor aprovado de R$ 79,3 bilhões.
Os nomes dos programas podem induzir a erros de análise. Por exemplo, o pagamento de funcionários dos IFETs está alocado no Programa Educação básica e não no Programa Educação Profissional e Tecnológica. Da mesma forma, o pagamento do pessoal ativo das universidades está alocado no Programa Gestão e manutenção do Ministério da Educação e não no Programa Educação Superior. Isso dificulta o entendimento do perfil dos gastos (e agora dos cortes).
Bem, mas o importante é entender as consequências de um corte de 9,4 bilhões sobre um orçamento que não registraria crescimento sobre o executado do ano anterior.
Em primeiro lugar, existe uma parte significativa dos gastos que não são passíveis de corte:
1.      Remuneração atual dos servidores federais da educação (MEC-Sede, Universidades, IFETs, INEP, FNDE e demais órgãos);
2.      Complementação da União para o Fundeb;
Em segundo lugar, existem os programas que o governo possui dificuldade para operar cortes, especialmente pelas consequências federativas e de descontinuidade da prestação de serviços essenciais, sendo exemplares:
1.      Programa Nacional de Livro Didático;
2.      Programa Nacional de Alimentação Escolar;
3.      Programa Nacional de Transporte Escolar.
Em terceiro, existem programas e ações que teoricamente podem ser cortados 9parcialmente, pelo menos), mas que provocam transtornos consideráveis na prestação dos serviços educacionais. Podemos citar alguns:
1.      Serviço de vigilância das Universidades e IFETs;
2.      Serviço de limpeza das Universidades e IFETs;
3.      Programa Dinheiro Direto na Escola (Educação Básica);
Em quarto, existem programas considerados prioritários pelo governo e que significam repasse de recursos públicos para a área privada, os quais também podem sofrer cortes, mesmo que o governo venha sofrendo pressão dos interessados (especialmente das escolas privadas) para que isso não ocorra:
1.      Pronatec;
2.      FIES;
Em quinto, existem programas destinados a expandir a rede pública educacional, sendo alguns de construção e ampliação de universidades e IFETs e outros de apoio federal para que estados e municípios consigam cumprir suas obrigações. Poderão ser extintos ou andar a passos de cágado os programas:
1.      Pro-infância (financiamento de unidades de educação infantil para os municípios);
2.      Apoio a reestruturação das escolas de ensino médio (estados);
3.      Construção e ampliação de IFETs;
4.      Construção e ampliação de universidades.
E por último, temos atividades importantes setoriais que farão falta, diminuirão a incidência federal no apoio a medidas para corrigir problemas educacionais, sejam programas de apoio a formação inicial e continuada dos professores, aparelhamento de bibliotecas escolares, incentivo a pesquisa e prática docente universitária, etc.
Ou seja, o montante do corte poderá afetar diversas atividades, todas importantes, inclusive precarizando serviços essenciais.
Os cortes preventivos, feitos nos primeiros quatro meses do ano, já mostraram o quanto é nociva a medida governamental. O anúncio somente agravará o quadro.
Está, desde o início do ano, intensa disputa sobre o que preservar, onde não cortar. O setor privado está conseguindo importantes vitórias, o setor das universidades está acumulando sucessivas derrotas. É esta disputa que se esconde por trás de frases tais como “os programas e ações estruturantes e essenciais estão garantidos”, ou coisas do gênero. Qual o critério da essencialidade? A força política e social para impor tal escolha e a possibilidade de oferecer dividendos eleitorais imediatos ao governo.
E para que todo este “esforço fiscal”? Para honrar os compromissos com os credores de nossa dívida pública. Na sua maioria são bancos, grandes investidores, fundos de pensão e aplicadores em papéis governamentais. O corte é, por um lado, para garantir a estes senhores que o dinheiro para resgatar os papéis existe e está guardado. E por outro lado, manter a atratividade de capitais voláteis que, migram feito gafanhotos de país em país atrás de boas taxas de juros.
O retorno para o país do dinheiro gasto com estes senhores rende menos do que foi aplicado. O dinheiro aplicado na educação praticamente retorna em dobro, por que movimenta a economia, gera renda, compras de produtos, prestação de serviços.
A economia está praticamente paralisada e a opção do governo é retirar de circulação produtiva 70 bilhões de reais. Tenho enorme dificuldade para aceitar o argumento de que tal conduta garantirá a retomada do crescimento econômico.

Bem, independente da polêmica sobre os efeitos do amargo remédio sobre o paciente (povo brasileiro), está claro que a medida coloca uma pá de cal em qualquer esperança de construção de uma pátria educadora digna do nome, pelo menos no mandato da presidenta Dilma.