quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

Presente de Natal

Ontem (23.12) a presidenta Dilma anunciou mais uma leva de novos ministros, dentre eles foi confirmado o nome do atual governador do Ceará, Cid Gomes (PROS) para o Ministério da Educação. Seu nome aparecia na “bolsa de apostas” desde o final do pleito.
A pergunta relevante é sobre o que muda no MEC com a ida de Cid Gomes?
Na verdade é possível oferecer algumas respostas provisórias. São provisórias por que a composição de um Ministério do tamanho do MEC é complexa e a linha política do mesmo é um misto entre continuísmo do que existe, perfil do titular e orientação presidencial. E ainda tem a atuação dos atores sociais diretamente interessados, que pressionam para continuar ou mudar de rumo, a depender do tema envolvido.
A primeira resposta é que o PT perde um ministério importante, onde esteve nos últimos doze anos (Cristovam, Tarso, Haddad, Mercadante e Paim). Não dá ainda para saber o quanto do PT sai da estrutura ministerial, mas certamente uma fatia razoável sairá de lá.
A segunda resposta é que após a eleição de Haddad para prefeitura de São Paulo, a vontade política de ocupar o MEC cresceu. Ele não é o melhor dos ministérios para se fazer negócios, ou seja, para comandar grandes obras e grandes licitações (tipo Ministério das Cidades, Integração Nacional ou Transportes), mas mostrou um grande potencial de projeção pública do seu titular. E isto se deveu ao peso que alguns programas ganharam na agenda do governo. Isso significa que Cid Gomes (ex-governador) aceitou o cargo sonhando alto, querendo projeção nacional. E o caminho mais fácil para isso é manter os programas que projetaram Haddad, que conquistaram a atenção de Lula/Dilma. Certamente o Pronatec e outros do gênero serão fortalecidos.
A terceira resposta diz respeito ao histórico anterior do novo titular. Não é um educador, não tem tradição na educação, mas foi alçado como bom gestor pela atuação na cidade de Sobral e no governo do Ceará. Foi também um dos autores da Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o Piso dos Professores e teve enormes atritos com o magistério. Não se deve esperar relação tranquila entre ele e o funcionalismo federal, especialmente com os docentes das Universidades e IFETs.
A quarta resposta, vinculada a primeira, é que talvez mude a relação dos movimentos sociais com o MEC, especialmente aqueles dirigidos por petistas. Ser do mesmo partido do comandante do ministério (além da presidência) sempre foi um obstáculo para posturas mais radicais (mesmo quando as mesmas eram necessárias). Quem sabe agora, com Cid Gomes no comando, os movimentos sociais voltem a ter mais independência.
Não espero grandes mudanças programáticas, pois como disse acima, o novo titular terá interesse em manter visibilidade dos programas alardeados por Dilma na campanha. Porém, teremos um acento maior (ainda maior?) para a “parceria” como o setor privado. Movimentos empresariais ganharão espaço e o peso de indicadores de qualidade ancorados apenas na aprendizagem terão ainda mais espaço.
E fica uma preocupação: que peso terá o novo Plano Nacional de Educação sob a gestão de Cid Gomes? É incerto. Acho que ele tende a destacar os aspectos afeitos ao seu perfil (parcerias com setor privado, bolsas, indicadores de aprendizagem), mas não sei dizer o peso que trará nos aspectos federativos, tendo sido prefeito e governador pode ter alguma sensibilidade sobre o tema.
Por fim, nesta breve especulação, Cid Gomes será um ministro concordante com os ajustes fiscais que Dilma fará em 2015. Não reagirá contra eles, pelo contrário, será um eficiente anteparo.

Bem, não foi o presente de Natal que os educadores escreverem em suas cartas para o Papai Noel...

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não basta somente aumentar as matrículas

Uma preocupação que está bastante presente no Plano Nacional de Educação recentemente aprovado é com equidade da oferta de vagas. Como a divulgação dos dados sempre são parciais, destacando a positividade ou negatividade que deles pode ser extraída, ao gosto do dono do veículo ou de quem está no governo, decidi reler uma publicação governamental muito interessante, mas pouco lida dentro do governo e fora dele.
Trata-se do Relatório de Observação Educacional nº 5 – As desigualdades na Escolarização no Brasil, publicado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em julho de 2014 (disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/desenvolvimento/relatorio-de-observacao-n-5-as-desigualdades-na-escolarizacao-no-brasil/).
Utilizando dados de 2012, o documento tenta enxergar as manifestações das desigualdades na escolarização brasileira. As desigualdades são territoriais (entre regiões e entre unidades federadas), raciais (brancos e negros) e sociais (mais ricos e mais pobres).
Um dos aspectos que me chamou a atenção foi a parcialidade de se comemorar a ampliação da oferta de vagas na educação básica, por exemplo na educação infantil, e não se verificar se a distância de acesso se tornou mais igual ou se a desigualdade se reproduziu ou então se aprofundou.
Há um quadro na parte dos anexos do referido documento que reproduzo aqui no blog. Comparando dados da educação infantil de 2005 e 2012, é possível identificar uma melhoria no acesso a escolarização de crianças de 0 a 3 anos (creche) e 4 e 5 anos (pré-escola). Isso é positivo, especialmente no atendimento em creche.
Por um lado, a cobertura em creche passou de 13% para 21,2% (dados de 2013 já indicam 23,4% de cobertura). Porém, o hiato entre as desigualdades se alargou no período comparado, ou seja, mais crianças estão estudando, mas a distribuição das vagas se tornou ainda mais desigual. Vejamos:
1.      A diferença entre Sudeste e Nordeste passou de 2,9 pontos percentuais para 6,9 p.p. Isso quer dizer que o ritmo de inclusão no Sudeste foi mais rápido do que o ocorrido no Nordeste;
2.      A diferença entre área rural e urbana também cresceu, passando de 10,6 p.p. para 13,9 pontos percentuais. Ou seja, o crescimento de novas matrículas está ocorrendo na área urbana;
3.      Também a diferença entre brancos e pretos/pardos teve crescimento. Assim, em 2005 a diferença era de 4,1 e em 2012 passou a ser 8,4%, ou seja, mais que dobrou;
4.      E entre os mais ricos e mais pobres também igual fenômeno ocorreu. Em 2005 a diferença era de 21,4 (muito grande) e agora alargou e chegou a 29,6 pontos percentuais.
No atendimento a pré-escola, onde a cobertura estava mais próxima da universalização e quem estava fora da escola eram os mais pobres, residentes na área rural e nas regiões Norte e Nordeste, o acesso escolar diminuiu o hiato entre estes grupos. Exemplo disso é que entre os mais ricos e mais pobres a distância caiu de 34% para 21,3%, mesmo que ainda seja muito alta.
Moral da história: teremos dez anos para alcançar 50% de crianças de zero a três anos matriculadas em creche, mas este crescimento precisa contribuir para diminuir o hiato existente entre os fatores representativos da desigualdade. E teremos dois anos para universalizar a pré-escola e garantir que TODOS, independentemente de classe social, do local de moradia e da raça, estejam estudando.
Lógico que não basta o acesso. É preciso garantir um padrão mínimo de qualidade. E teremos dois anos para regulamentar o Custo Aluno-Qualidade Inicial.


domingo, 21 de dezembro de 2014

Desafios da educação infantil no DF

No dia 1º de janeiro de 2015, da mesma forma que nos estados, assume um novo governador no Distrito Federal. O senhor Rodrigo Rollemberg (PSB), porém, assumirá tarefas que em outros locais estão sob responsabilidade de prefeitos.
Destaco o desafio da garantia ao direito à educação infantil.
O Plano Nacional de Educação, aprovado em junho de 2014, tem como primeira meta justamente o desafio de atendimento nesta faixa etária.
Meta 1: universalizar, até 2016, a educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos de idade e ampliar a oferta de educação infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) das crianças de até 3 (três) anos até o final da vigência deste PNE.
Comecemos pelo atendimento em creche. Dados do IBGE de 2013 (os mais recentes) mostram que apenas 23,4% de nossas crianças frequentam espaços escolares. Este atendimento é bastante desigual em termos regionais e sociais. Na região Norte a cobertura está em apenas 9,2%, sendo o Amazonas o estado em pior situação (4,7%).
Das vagas ofertadas 36,6% são ofertadas pelo setor privado, sendo parte por meio de convênios e outros subsídios do poder público e parte correspondendo a presença das camadas ricas e médias nas escolas particulares.
O desafio é mais que dobrar a cobertura em 10 anos (seis meses já se foram!), mas é também garantir uma maior equidade no perfil dos atendidos, ou seja, garantir que os mais pobres tenham muito mais acesso do que o atualmente registrado.
E o Distrito Federal? A cobertura na faixa etária está ligeiramente acima da média nacional (26%), mas não devemos nos iludir com esta primeira impressão. Se a presença privada já é um componente preocupante na esfera nacional, no distrito Federal existe uma completa ausência de prestação direta do serviço de atendimento em creche. Apenas 1422 vagas (5,4%) são mantidas pelo governo do DF (em termos nacionais este percentual é de 63,4%). Ou seja, nada menos que 94,6% das vagas está sob controle privado.
Das vagas do setor privado em 2013 (25.084) tivemos 5400 vagas ofertadas de forma gratuita e subsidiadas pelo Poder Público. Este serviço é prestado por diferentes entidades não governamentais, igrejas, clubes de serviços, etc.
Este modelo, mesmo que provoque uma elevação de vagas ofertadas aos setores mais pobres, apresenta um formato baseado na precarização do padrão de qualidade. Os professores não fazem concursos, não possuem carreira, as entidades não são obrigadas a pagar o piso salarial nacional do magistério, dentre outras precariedades.
O governo Agnelo Queiroz trouxe mais uma inovação perigosa. Beneficiado pelo programa federal PROINFÂNCIA, que financia a construção de unidades de educação infantil em padrão de qualidade muito bom, este senhor resolveu repassar o prédio e a gerência da oferta para entidades não governamentais. Ou seja, nem mesmo a justificativa de que tais entidades já ofereciam o serviço ou seriam os únicos espaços disponíveis pode ser utilizada como atenuante.
O novo governador terá o enorme desafio de consertar este descalabro e, ao mesmo tempo, investir na construção e manutenção de unidades públicas de educação infantil, especialmente em creche e nas regiões mais pobres do Distrito Federal.
Como exigir atitude coerente dos gestores de milhares de pequenos municípios se a capital federal dá mal exemplo e não se compromete com suas responsabilidades constitucionais?



sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

Palpiteiros interessados

O que mais me impressiona nos debates educacionais é o número grande de palpiteiros sobre o tema. Alguns até possuem formação na área, mas manifestam mais seus pensamentos políticos (e econômicos) do que apresentam dados pesquisados ou pelo menos analisados de maneira séria e consistente.
E muitas vezes, como no caso que comento hoje, há uma clara mistura entre posições políticas e interesses de sobrevivência econômica. Vejamos o caso do senhor João Batista Oliveira, consultor na área educacional, presidente do Instituto Alfa e Beto, o qual mantém “parcerias” com entidades empresarias tão distintas como a Odebrecht (com vários dos seus executivos presos pela Operação Lava Jato) e que vende serviços para inúmeras prefeituras e governos estaduais, mesmo que no seu site afirme ser uma “entidade sem fins lucrativos”.
No dia 4 de dezembro este senhor afirmou para a imprensa que “pelo menos, metade do orçamento para a educação é mal utilizado”. Apresentou algum estudo científico sobre a realização das despesas educacionais na União, nos 26 estados, no Distrito Federal, nos 5570 municípios? Claro que não. Publicou algum artigo em algum dos vários espaços acadêmicos que poderiam validar os seus “estudos”? Também não. Puro achismo.
Este discurso foi repetido à exaustão pelo falecido Paulo Renato quando no comando do MEC. Era a justificativa para que a União não investisse de forma consistente no apoio aos estados e municípios e deixasse à mingua nossas universidades federais.
E foi além. Ele afirmou que o PNE recentemente aprovado “não garante melhorias ou mudanças na educação porque corresponde mais aos anseios de corporações e grupos de interesses do que a um projeto para a educação construído pela sociedade”.
Discurso surrado. Quando as ideias dos interlocutores não são aquelas incorporadas na legislação, quando uma lei se propõe a equiparar os ridículos salários dos docentes brasileiros, por exemplo, certamente isso somente pode ser manifestação do “corporativismo”. Interessante que pessoas como este senhor não acham nada corporativo quando o empresariado do ensino realiza seus poderosos lobbies para abocanhar mais fatias do mercado educacional sem regulação federal. Neste caso certamente estariam falando “pela sociedade”, pelo menos a que vale a pena ser ouvida para Oliveiras e tais.
A “sociedade” brasileira é formada por distintos interesses e estes estiveram presentes na tramitação do PNE, como estarão sempre presentes em cada disputa pela destinação do fundo público do Estado Brasileiro. A pergunta é: que segmento desta sociedade desigual o senhor João Batista faz parte, representa e defende?
Caso o plano seja cumprido, a qualidade consiga melhorar e as redes públicas se fortaleçam, elevando o grau de comprometimento do Estado Brasileiro com os mais pobres, os que continuam excluídos do acesso, permanência e sucesso, quem sabe alguns prestadores de serviço precisarão arranjar outro ramo para trabalhar. Para eles, quanto mais se falar mal da escola pública, da gestão pública, mais mercado para os seus produtos milagrosos se abrirão.
É verdade que a simples aprovação de um Plano Nacional de Educação, em um país com tantas desigualdades sociais e territoriais, não é suficiente para reverter os problemas crônicos que vivenciamos na educação. Contudo, ter uma lei apontando metas de inclusão e crescimento da presença pública na prestação dos serviços educacionais é uma boa notícia, mesmo que não para todos os segmentos da “sociedade” brasileira.