terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Não basta somente aumentar as matrículas

Uma preocupação que está bastante presente no Plano Nacional de Educação recentemente aprovado é com equidade da oferta de vagas. Como a divulgação dos dados sempre são parciais, destacando a positividade ou negatividade que deles pode ser extraída, ao gosto do dono do veículo ou de quem está no governo, decidi reler uma publicação governamental muito interessante, mas pouco lida dentro do governo e fora dele.
Trata-se do Relatório de Observação Educacional nº 5 – As desigualdades na Escolarização no Brasil, publicado pelo Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social em julho de 2014 (disponível em http://www.acaoeducativa.org.br/desenvolvimento/relatorio-de-observacao-n-5-as-desigualdades-na-escolarizacao-no-brasil/).
Utilizando dados de 2012, o documento tenta enxergar as manifestações das desigualdades na escolarização brasileira. As desigualdades são territoriais (entre regiões e entre unidades federadas), raciais (brancos e negros) e sociais (mais ricos e mais pobres).
Um dos aspectos que me chamou a atenção foi a parcialidade de se comemorar a ampliação da oferta de vagas na educação básica, por exemplo na educação infantil, e não se verificar se a distância de acesso se tornou mais igual ou se a desigualdade se reproduziu ou então se aprofundou.
Há um quadro na parte dos anexos do referido documento que reproduzo aqui no blog. Comparando dados da educação infantil de 2005 e 2012, é possível identificar uma melhoria no acesso a escolarização de crianças de 0 a 3 anos (creche) e 4 e 5 anos (pré-escola). Isso é positivo, especialmente no atendimento em creche.
Por um lado, a cobertura em creche passou de 13% para 21,2% (dados de 2013 já indicam 23,4% de cobertura). Porém, o hiato entre as desigualdades se alargou no período comparado, ou seja, mais crianças estão estudando, mas a distribuição das vagas se tornou ainda mais desigual. Vejamos:
1.      A diferença entre Sudeste e Nordeste passou de 2,9 pontos percentuais para 6,9 p.p. Isso quer dizer que o ritmo de inclusão no Sudeste foi mais rápido do que o ocorrido no Nordeste;
2.      A diferença entre área rural e urbana também cresceu, passando de 10,6 p.p. para 13,9 pontos percentuais. Ou seja, o crescimento de novas matrículas está ocorrendo na área urbana;
3.      Também a diferença entre brancos e pretos/pardos teve crescimento. Assim, em 2005 a diferença era de 4,1 e em 2012 passou a ser 8,4%, ou seja, mais que dobrou;
4.      E entre os mais ricos e mais pobres também igual fenômeno ocorreu. Em 2005 a diferença era de 21,4 (muito grande) e agora alargou e chegou a 29,6 pontos percentuais.
No atendimento a pré-escola, onde a cobertura estava mais próxima da universalização e quem estava fora da escola eram os mais pobres, residentes na área rural e nas regiões Norte e Nordeste, o acesso escolar diminuiu o hiato entre estes grupos. Exemplo disso é que entre os mais ricos e mais pobres a distância caiu de 34% para 21,3%, mesmo que ainda seja muito alta.
Moral da história: teremos dez anos para alcançar 50% de crianças de zero a três anos matriculadas em creche, mas este crescimento precisa contribuir para diminuir o hiato existente entre os fatores representativos da desigualdade. E teremos dois anos para universalizar a pré-escola e garantir que TODOS, independentemente de classe social, do local de moradia e da raça, estejam estudando.
Lógico que não basta o acesso. É preciso garantir um padrão mínimo de qualidade. E teremos dois anos para regulamentar o Custo Aluno-Qualidade Inicial.


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