sábado, 25 de janeiro de 2014

As jornadas de junho e o adiamento da Conae


Aparentemente desconexos, pretendo apresentar algumas semelhanças entre os acontecimentos que ficaram conhecidos como Jornadas de Junho e o recente adiamento pelo MEC da etapa final da Conferência Nacional de Educação – CONAE 2014.

Em primeiro lugar as manifestações ocorridas em junho ainda estão sendo estudadas e suas lições e efeitos ainda não foram mensurados.

Uma de suas características, talvez a que mais angustiou a minha geração (que lutou contra a ditadura para conquistar a liberdade partidária em nosso país) foi a rejeição aos partidos em quase todas as manifestações. Não haviam partidos encabeçando as convocações e bandeiras de agremiações partidárias foram expulsas de algumas manifestações. É verdade que, tipo uma panela de pressão, havia de tudo na manifestação, principalmente na fase mais massiva delas, inclusive movimentos retrógrados, mas tal repulsa seria ato isolado se não existisse um cansaço generalizado da forma como a política acontece em nosso país (corrupção, toma-lá-dá-cá, troca de partidos, programas inexistentes, candidatos que prometem e não cumprem, partidos que eram de esquerda e vão ficando mais parecidos com os partidos de direita, mensalões).

Mas os nossos jovens (a maioria esmagadora dos manifestantes, pelo menos segundo as pesquisas disponíveis, tinham idade entre 16 e 29 anos) também hostilizaram as entidades sindicais, centrais sindicais e entidades estudantis, com raras exceções. A impressão é que a experiência de vida destes jovens não conseguiu enxergar diferenças significativas da prática política destas entidades em relação aos partidos cujos seus dirigentes militam. E, portanto, não queriam as entidades por que lhes pareciam apêndices dos partidos que estavam rejeitando. Estes jovens nasceram no pós-redemocratização e vivenciaram o contínuo declínio da autonomia de nossas entidades e o passado delas é algo ausente do imaginário da nova geração.

E o que isso tudo tem a ver com o adiamento da CONAE?

1.       A Conferência Nacional de Educação, diferentemente das CONEDs realizadas na década de 90, estava sendo organizada por um comando governamental e não-governamental, ou seja, ao mesmo tempo que era um evento oficial, bancado financeiramente e organizado operacionalmente pelo governo, era também fruto de uma direção com forte participação das entidades estudantis, sindicais, representativas do mundo acadêmico, organizações não-governamentais e de gestores. Este compartilhamento, se comprometia as entidades com os encaminhamentos, emprestava também legitimidade ao governo no processo de convocação.

2.       Acontece que a relação das entidades da sociedade civil com os governos petistas é bem distinta da ocorrida nos governos tucanos, época da realização das CONEDs. As Conferências anteriores foram somente não-governamentais pela ausência de espaços democráticos de participação. Foram fóruns convocados por forças oposicionistas e por setores descontentes com a falta de espaço (como a participação da UNDIME nas CONEDs, entidade representativa dos dirigentes municipais de educação e que não poderia ser arrolado como de oposição ao governo FHC). Passados onze anos de governos petistas a relação de muitas entidades é, no mínimo ambígua.

3.       Um adiamento como o que ocorreu, caso tivesse acontecido durante o governo FHC, com toda a certeza, já teria tido um posicionamento muitas vezes mais contundente do que o visualizado até o momento. O olhar que as direções têm acerca das virtudes e dos defeitos de um dado governo influenciam diretamente a dosagem de sua reação quando seus interesses são contrariados pelo mesmo. Existem contradições e conflitos entre entidades da sociedade civil e governos, mesmo quando seus dirigentes são do mesmo partido (ou dos partidos aliados) que governam, mas “se sentir governo” influencia na postura diante dos conflitos.

O desafio que o adiamento da CONAE coloca para as direções das entidades é desdizer com atos e palavras o sentimento que nossos jovens expressaram nas jornadas de Junho. Ou seja, é preciso que as entidades provem que mesmo tendo direções simpáticas ao governo não vão agir diante de um ataque tão evidente aos direitos de participação popular, uma postura comedida, de anteparo entre o governo e a base insatisfeita.

De forma sincera eu torço para que a reação dos jovens tenha sido exagerada.

 

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Os reais motivos do adiamento da CONAE 2014


Apesar de ter começado a participar de movimentos sociais muito jovem (tinha meus quatorze anos de idade) e ter visto muita coisa neste meio século de vida, tem momentos que ainda os acontecimentos me espantam.

Hoje à tarde recebi a notícia de que o Ministério da Educação decidiu adiar a data da II Conferência Nacional de Educação – CONAE. A mesma seria realizada de 17 a 21 de fevereiro e acontecerá agora somente após o segundo turno das eleições presidenciais.

Em nota no mínimo melancólica o Fórum Nacional de Educação, coletivo de entidades governamentais e não-governamentais socializa que as entidades organizadoras foram “comunicadas” pelo MEC do adiamento e que a desculpa teria sido questões administrativas.

Na página oficial do evento está escrito que a Conferência Nacional de Educação (CONAE) será “um espaço democrático aberto pelo Poder Público e articulado com a sociedade para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional”. E mais, que a mesma teria como tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”.

E, por fim, também informa o referido site que a CONAE 2014 foi convocada pela Portaria n.º 1.410, de 03 de dezembro de 2012 e que “possui caráter deliberativo e apresentará um conjunto de propostas que subsidiará a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), indicando responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino”.

Milhares de professores, estudantes, gestores públicos e privados e cidadãos se mobilizaram em milhares de eventos preliminares e centenas de delegados estavam arrumando as suas malas para participar da parte final do processo de discussão. Eu participei de Conferências Livres e fui delegado a Conferência Distrital do Distrito Federal e estou escalado para proferir um dos colóquios do evento.

Todas as pessoas da área da educação estão perplexas com o adiamento. Por isso arrisco desvendar os verdadeiros motivos (nem sempre publicáveis nos releases da imprensa oficial):

1.       O principal tema da I CONAE, realizada em 2010, foi justamente o Plano Nacional de Educação. A expectativas criada pelo governo (lembro das palavras proferidas pelo ex-presidente Lula na plenária final do evento) era de que as deliberações do evento seriam incorporadas no texto do Projeto de Lei a ser enviado pelo governo. Ledo engano. O PL nº 8035/2010 não incorporou os principais pontos aprovados no evento, especialmente os que mudavam o padrão de financiamento da educação nacional. Isso levou a uma grande frustração nos participantes.

2.       Durante o processo de preparação da Conferência um dos temas mais debatido foi a tumultuada tramitação do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional. Não somente a frustração inicial, mas a postura ativa do governo federal para impedir que a mobilização da sociedade civil conseguisse melhorar o projeto governamental. Os principais conflitos no legislativo envolveram quase sempre a articulação conservadora do Ministério da Educação.

3.       A aprovação de um Substitutivo no Senado Federal a imagem e semelhança dos interesses do MEC anunciam um acirramento do conflito entre os desejos da sociedade civil, expressos nos posicionamentos das diversas entidades e os interesses do governo e de sua bancada de sustentação.

4.       Recentemente o PNE completou três anos de tramitação e não conseguiu ser aprovado a tempo de ser um “fato consumado” quando da realização da II CONAE. Assim, voltando aos seus trabalhos legislativos na primeira semana de fevereiro, a data da Conferência passou a ser coincidente com a votação final do PNE na Câmara. As manifestações das Conferências Municipais e Estaduais foram claramente favoráveis a um conjunto de propostas demonizadas pelo MEC, ou seja, o evento seria um momento de fortalecimento da luta por um Plano que tornasse a participação da União no financiamento da educação nacional mais efetiva, coisa que não interessa ao governo, absorvido com outras prioridades representativas de outros segmentos sociais (leia-se banqueiros credores de nossa dívida pública).

Não precisa ser muito inteligente para desvendar pelo menos um dos reais motivos do adiamento: o governo não quer transformar a etapa final da CONAE em palco para aumento da pressão social sobre a Câmara dos Deputados, pois tal pressão, mesmo que perfeitamente cabível numa sociedade democrática, afeta os planos e os interesses do governo.

As “questões administrativas”, caso realmente pudessem ser levadas à sério, pois o evento está previsto oficialmente, com calendário definido desde dezembro de 2012, levariam a apenas um adiamento que viabilizasse as devidas correções, nunca para o adiamento anunciado.

Por isso, é forçoso adendar um outro motivo ainda não desvendado. Estamos em ano eleitoral e a candidata-presidenta Dilma Roussef tem um sonho de consumo de difícil realização. Ela sonha com um ano tipicamente festivo, o qual seria mais ou menos assim: março teríamos o Carnaval, abril a Semana Santa, Junho todo mundo absorvido pelas emoções da Copa do Mundo, Julho todo mundo gozando as suas merecidas férias e em seguida uma tranquila e pasteurizada eleição.

Acontece que as manifestações de junho de 2013 mostraram que há, mesmo que às vezes de maneira latente, uma insatisfação com a forma de fazer política e com a falta de investimentos públicos nas políticas sociais. Quem pode se esquecer dos cartazes de nossos jovens pedindo Educação Padrão Fifa? Pois é, qual o interesse do governo em promover um evento com a participação de centenas de delegados radicalizados em favor de um Plano Nacional de Educação que aumente despesas federais, todas elas comprometidas com outros interesses?

O adiamento é um golpe na democracia e afeta violentamente a credibilidade dos espaços de participação social existentes no governo. Depois de frustrados pelo não atendimento de suas deliberações em 2010, os educadores e estudantes agora são golpeados no seu direito líquido e certo de expressar a indignação diante do retrocesso que representou o Substitutivo do PNE aprovado no Senado Federal. E, de quebra, impedem que estes delegados e delegadas expressem a insatisfação nacional com os excessivos e descontrolados gastos com a Copa do Mundo.

O adiamento da CONAE mostra o quanto era irreal o slogan do próprio evento. Como falar de ‘participação popular” sem deixar que o povo possa se expressar livremente? Como falar de “regime de colaboração” se toda ação federal é para impedir qualquer revisão do seu papel no cumprimento das metas do PNE e do respectivo financiamento educacional?

Este é um daqueles momentos que os cidadãos esperam das entidades da sociedade civil muito mais do que notas melancólicas. A passividade diante deste golpe na democracia significará algo parecido com a conivência e a cumplicidade. E reforçará o sentimento de nossos jovens de que cada vez mais nossas entidades se identificam com os interesses dos partidos tradicionais que suas lideranças pertencem.

 

terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Aperto no Fundeb 2014?


No dia 27 de dezembro passado foi publicada a Portaria Interministerial nº 19 de 2013, que estabeleceu os valore projetados de receita do FUNDEB para 2014, calculando também o valor por aluno em cada uma das etapas e modalidades.

Nos últimos dois anos, antes de findar o exercício e pressionado pelas repercussões financeiras do piso salarial do magistério, O governo federal tem reeditado o conteúdo das suas portarias e recalculado os valores por aluno e a respectiva receita do fundo, puxando sempre pra baixo o reajuste do piso dos professores.

Parece que desta vez o governo resolveu ser mais parcimonioso e publicar uma previsão mais conservadora de crescimento das receitas do fundo para 2014, diminuindo riscos e tensões.

Dez dias antes o governo já havia recalculado os valor de 2013, por meio da Portaria Interministerial nº 16, de 17 de dezembro de 2013. Com esta publicação, o crescimento do valor mínimo por aluno (indexador do reajuste do piso) despencou de 19% previstos inicialmente para 8,32%.

Analisando o comportamento das receitas do Fundeb nos últimos dois anos e comparando com o previsto para 2014, fica claro o conservadorismo do governo. Em 2013 o crescimento de receitas estaduais e municipais foi de 8,36% e o projetado para este ano é de apenas 5,47%, percentual inferior a inflação de 2013, que bateu na casa de 5,8%.

Em todos os anos que acompanho o desempenho das receitas estaduais e municipais sempre a variação delas ficou acima da inflação. A estimativa de variação publicada pelo governo só pode ter três explicações:

1a. O desempenho da economia brasileira vai ser mais sofrível do que foi em 2013 e o governo sabe disso e não conta pra ninguém. Tal previsão justificaria uma queda da receita para percentuais abaixo do índice inflacionário;

2a. O desempenho vai ser sofrível, mas a inflação vai cair a patamares pequenos, o que colocaria a variação das receitas em patamar superior aos da inflação;

3a. O governo resolveu diminuir as expectativas dos professores de que 2015 poderá ser um ano de melhor reajuste salarial e atendeu aos desejos dos governadores e puxou pra baixo as estimativas de receita.

 

A primeira explicação não me parece muito factível, não que haja no horizonte elementos de recuperação econômica consistente, pelo contrário, mas não consigo enxergar dados de aprofundamento da crise mundial que levassem o governo a tal conservadorismo.

A segunda explicação é um pouco mais plausível, mas fica no campo dos desejos oficiais, que sonham com uma inflação de 4,5% no ano eleitoral.

Acho que o mais provável é que simplesmente o governo tenha resolvido ser bem conservador (prática que tem se tornado muito cotidiana em todos os setores governamentais) e publicado uma portaria que pode ser revista para cima, ao contrário dos últimos anos, que sempre o governo era obrigado a corrigir suas estimativas para baixo.

Dez fundos estaduais estão cotados para receber ajuda federal para complementar seus valores. A lista praticamente se manteve inalterada durante toda a vigência do Fundeb, apenas entrando e saindo o fundo do estado do Rio Grande do Norte. Os demais (Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Piauí e Pernambuco) continuam precisando de ajuda federal todos os anos, sendo que no Pará, Maranhão e Bahia esta ajuda é muito expressiva.

Novamente foram reservados recursos para auxiliar estados e municípios (localizados na área de abrangência dos fundos citados acima) a pagarem o piso salarial nacional do magistério. Todos os anos o dinheiro é reservado, não é disponiblizado e volta para os fundos estaduais e é redistribuído pelos critérios de matrícula no inicio do ano seguinte. A probabilidade é que aconteça com o valor de R$ 1 bilhão o mesmo que aconteceu nos anos anteriores.

Importante: Há uma associação direta entre comportamento das receitas nacionais e valor mínimo por aluno, mesmo que a variação não precise ser idêntica. Tanto que a correção prevista para o valor indexador do piso é de 13,01% e das receitas é de 5,47%. A explicação está no comportamento das matrículas, quando as mesmas não crescem rapidamente podem provocar um crescimento do valor nominal por aluno maior do que o crescimento do volume de recursos. É o caso em 2014.

Mesmo com a ação do governo veremos muitos governadores e prefeitos já reclamando da correção prevista para 2015 de 13%.