sábado, 28 de fevereiro de 2009

Pedido indecoroso


A Folha de São Paulo noticiou que as universidades privadas de São Paulo querem que o BNDES ofereça uma linha de crédito especial para o setor. As instituições pedem recursos com taxas menores do que as do mercado, tanto para capital de giro (manutenção dos cursos) quanto para investimento (ampliação e modernização da infraestrutura). O banco já possui uma linha para financiar o investimento, mas o fórum pleiteia condições melhores. Já a linha para capital de giro seria inédita.O motivo de tal solicitação seria a queda do número de alunos e aumento da inadimplência. Pesquisa realizada pelo Sindicato das instituições particulares aponta que 41,5% das instituições terão um volume menor de novos alunos.


Segundo Hermes Figueiredo, o presidente do Semesp, desde que começou a crise econômica, no final do ano passado, as universidades têm encontrado dificuldade para fazer empréstimos bancários. E, quando conseguem, afirma, as taxas estão altas (foram de uma média de 1,5% ao mês no ano passado para 2% a 3% neste ano)."Estamos com menos alunos, menos crédito e a inadimplência subindo. Precisamos de recursos para evitar, por exemplo, demissão de professores."


A reportagem da FSP ouviu vários consultores, todos prontos a confirmar a necessidade do empresariado receber financiamento público.O consultor Ryon Braga, da Hoper Consultoria, concorda com uma linha especial de financiamento para as universidades particulares. "O governo já diminuiu o IPI [Imposto sobre Produtos Industrializados] dos automóveis. Também pode ajudar a educação."Já o consultor Carlos Monteiro diz que o governo tem a "obrigação" de criar essa linha, "pois foi o setor privado quem assumiu a maior parte da educação superior em razão da ausência das vagas públicas".O pesquisador Oscar Hipólito discorda: "Prefiro financiamento para os alunos. Assim, você garante que o recurso vai para onde deve ir".A entrevista adianta, não revelando a fonte, que o MEC recomendará ao BNDES que conceda a linha de crédito, mas somente para as universidades com boas notas e com cláusulas de fiscalização de onde serão aplicados os recursos.


Este debate está totalmente enviesado, senão vejamos:


1º. A política governamental, tanto de FHC quanto de Lula, foi estimular a oferta privada de ensino superior, seja pela concessão de autorização de funcionamento sem critério, seja pelo afrouxamento do sistema de avaliação.


2º. A política governamental vem repassando recursos públicos de forma indireta para estas instituições. Seja por meio do FIES, seja por meio das isenções fiscais via ProUni.


3º. A queda de alunos pode ser explicada por vários fatores: efeitos da crise econômica no bolso dos alunos, dificuldade de captar recursos no mercado por parte das instituições, diminuição da oferta de vagas no ensino médio público.


O mais importante é que o recurso público não continue sustentando a empresa privada. Nosso empresariado passa o dia inteiro criticando o Estado e de noite quer que sejam financiados de forma privilegiada.


Num momento de crise econômica, com milhares de trabalhadores sendo demitidos ou não conseguindo emprego, a prioridade do governo deve ser proteger o trabalhador, financiar os gastos públicos, construir casas populares, aumentar o número de obras de infraestrutura e saneamento básico, por fim a ciranda financeira, suspender os efeitos da DRU, enfim, mudar a política econômica neoliberal que deu origem a atual crise.

sexta-feira, 27 de fevereiro de 2009

Valor do custo-aluno 2009 e seus efeitos – parte 01


O valor anunciado por este blog como custo-aluno do Fundeb representa uma correção de 18,7% em relação ao ano anterior
Sendo confirmado o custo-aluno de R$ 1.350,09 para as matrículas das séries iniciais, será necessário distribuir os recursos previstos de acordo com a legislação do Fundeb.
Em primeiro lugar é importante lembrar que em 2009 o depósito dos impostos que fazem parte da cesta do fundo será de 20% e a complementação da União seria de 4,5 bilhões, mas esse valor foi corrigido para 5 bilhões, conforme orçamento federal aprovado.
Em segundo lugar é preciso aplicar os fatores de diferenciação previstos na Portaria nº 932 de 30 de julho de 2008. A tabela acima mostra como serão aplicados os fatores oficiais.
Fica claro que a atual sistemática continua desvalorizando a remuneração das matrículas da educação infantil, especialmente de creches, que continuaram no fator 0,8 para o tempo parcial e apenas 1,1 para tempo integral.
O mais grave é que a remuneração das creches conveniadas é um estímulo a manutenção do atendimento privado, pois a diferença entre o custo-aluno da creche em tempo integral é de apenas R$ 202,51 e igual no tempo parcial.
Pela proposta orçamentária teremos nove estados beneficiados pela complementação do Fundeb. Vamos aguardar a publicação oficial para verificar se houve ou não alteração deste quadro, seja dos estados atendidos, seja dos valores a serem distribuídos.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

Definido valor do custo-aluno

Fontes confiáveis afirmam que será publicado em breve o ato com o valor do custo-aluno para 2009 no Fundeb.
Este valor deverá ser R$ 1350,09 para as séries inciais, que funciona como indexador dos demais etapas e modalidades.
Amanhã tentarei comentar de forma mais detalhada os efeitos desta notícia.

Professores temporários: sinônimo de precarização

Nas vésperas do carnaval veio à tona na grande imprensa a questão dos professores temporários. Segundo O Estado de S. Paulo, dos cerca de 985 mil professores de 24 Estados, 300 mil são temporários, ou seja, 30% não têm contrato de trabalho fixo. Um terço deles está em São Paulo. Já a Folha de S. Paulo não detalha os números, mas diz que os temporários são 20% do total em 23 Estados. Os jornais não trazem dados sobre a situação nos municípios.

A polêmica sobre os professores temporários surgiu após uma briga judicial entre a secretaria de Educação de São Paulo e o sindicado dos professores (Apeoesp). O governo do Estado realizou uma prova como critério para a admissão, mas a Justiça decidiu, provisoriamente, que a avaliação é irregular. Segundo a pasta, 1,5 mil professores tiraram nota zero e cerca de 40% não acertaram metade das 24 questões de múltipla escolha da prova.

Tive acesso a estudo encomendado pelo Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação – CONSED para subsidiar o debate acerca da implantação do piso salarial nacional para o magistério. O referido estudo colheu informações diretamente das secretariais estaduais, sendo portanto uma fonte confiável. Responderam ao pedido dezoito estados, o que representa uma excelente amostra.

Considerando os estados que enviaram os dados (Acre, Amazonas, Bahia, Ceará, Espírito Santo, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins) o número de docentes totaliza 894.947 e o número de temporários chega a 203.704 professores, ou seja, 22,76% do total. Como os maiores estados já estão representados (SP, RJ, MG e PR) é possível que o número real de temporários fique em número intermediário ao noticiado pelos dois jornais.

Pelos dados declarados os estados com maior percentual de professores temporários são: Espírito Santo (56,6%), Mato Grosso do Sul (43,1%), Ceará (41,9%), São Paulo (39,4%) e Santa Catarina (36,9%).

O mais relevante é que as explicações dadas pelos secretários estaduais para a existência de tantos professores temporários não são convincentes. Senão vejamos:

1. A Secretária de Educação de São Paulo desmente na imprensa os dados que enviou para o CONSED, pois afirma que “até o final do ano serão 40% os temporários, contra os 47% de hoje”, quando seus dados fornecidos no final do ano passado só apontavam 39,4%). E diz que o número é grande por que São Paulo tem dois milhões dos oito milhões de alunos do ensino médio do país. Não sou favorável a utilizar comparações do universo de professores temporários de SP sobre o total (no caso 37,9% do universo), mas sim verificar que ter 47% ou 39,4% de temporários é algo inadmissível.

2. Para a secretária de Minas, Vanessa Guimarães Pinto, a contratação temporária é uma necessidade. "As demandas da população são mais dinâmicas que o processo de efetivação em concurso. Consigo construir uma escola em um ano, mas o concurso demora um ano e meio", afirmou. É verdade que a dinâmica de oferta de vagas é mais rápida do que prazos para realizar concursos, mas é verdade também que uma rede com altos índices de temporários significa que trabalha sem planejamento ou tem algum outro interesse na manutenção desta situação.

É necessário discutir os reais motivos que levam a manutenção de contratos precários com docentes ao invés de convocação de concurso público e posterior nomeação de professores efetivos. Este é o verdadeiro debate.

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

Pela descriminalização do professorado

A Secretaria Estadual de educação de São Paulo tenta culpar os professores pelo desempenho ruim da rede pública paulista. Depois de aplicar uma prova para os professores, conseguiu encontrar um "bode expiatório" para as deficiências do Poder Público.
São as mesmas pessoas que implantaram o chamado "sistema" de avaliação nacional, recheado de provas e que querem remunerar professores de acordo com suas notas nas referidas provas.
Reproduzo nesta quarta-feira de cinzas um artigo de Sérgio Haddad, economista, doutor em educação e coordenador geral da Ação Educativa. O texto foi publicado no jornal Brasil de Fato e merece ler lido por todos.


"Estamos mais uma vez vivendo uma forte presença pública de parte da mídia e da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo criminalizando o professorado pelas mazelas do sistema público de ensino. Desta feita, o tema é o chamado “Professor Nota Zero”. Trata-se da polêmica criada pela secretaria de educação e o sindicato dos professores, a Apeoesp, em função da mudança de critérios para contração de temporários, não mais pelo tempo de serviço e titulação, mas sim pelo desempenho em uma prova em que alguns professores não acertaram nada. A Apeoesp entrou na justiça para garantir a manutenção do critério anterior.
Os detalhes desta polêmica não vêm ao caso; o que fica para a sociedade é a imagem do professorado que tem por responsabilidade ensinar as crianças e os jovens na escola pública de São Paulo e que não consegue acertar um item em um teste. Sabemos agora, com clareza, quem é o responsável pela péssima qualidade do ensino; como cravou o colunista Gilberto Dimenstein na FSP de domingo, dia 15 de fevereiro: “Pela primeira vez o país teve uma noção mais precisa sobre a qualidade dos profissionais que estão em sala de aula”. Não é de agora que parcelas do setor público e da mídia procuram incriminar o professorado. Já haviam sido golpeados anteriormente por estes mesmos setores ao serem chamados de vagabundos e irresponsáveis em função das inúmeras faltas às aulas por motivos de doença. Anos antes foram criminalizados por deixarem o alunado sem aulas, como conseqüência das seguidas greves realizadas ano após ano por melhores condições de trabalhos.
Nos anos noventa, com a entrada em massa da população no ensino fundamental, a culpa recaía sobre o alunado. A escola pública, ao abrir suas portas para os pobres, ao se democratizar, “empobrecia” a escola, pois recebia uma população sem cultura escolar, cujos pais não tinham freqüentado a escola. A presença destes setores faria cair a qualidade do ensino, diziam. De qualquer forma, seja o alunado anteriormente, seja o professorado agora, a culpa, mais uma vez, é da vítima.
Não me alinho aqui à defesa incondicional da categoria do professorado. Mas não vejo porque temos que colocar toda a responsabilidade pelos males da péssima qualidade do ensino em suas mãos. É injusto e uma forma de tirar o foco da responsabilidade do poder público.
Vejamos este caso específico onde uma grande quantidade do professorado conseguiu um desempenho abaixo da média, cerca de 40 por cento e 1.6% não conseguiu pontuar entre os 240 mil professores. De fato, são dados críticos. Mas se olharmos este fato de forma mais acurada podemos perceber a verdadeira dimensão deste problema.
Em primeiro lugar é importante conhecer a natureza destas provas, reconhecidamente mal feitas e com erros, conforme denunciou a Apeoesp e editorial da FSP do dia 11 de fevereiro. Além do mais, todos os estudos demonstram que processos de avaliação de massa devem servir apenas como parâmetros gerais por não levarem em conta as especificidades naturais de grupos sociais e ambientes de trabalho. Para serem justos, devem ser combinados com avaliações de desempenho em processos no ambiente de trabalho, auto-avaliações e instrumentos que identifiquem as dificuldades individuais para melhor poder corrigi-las.
A quem podemos imputar culpa nas dificuldades encontradas no desempenho nestas provas? Todos nós sabemos que houve uma clara desvalorização da carreira docente realizada pelos órgãos públicos ao longo das duas últimas décadas. Não foi o professorado que produziu esta situação, ao contrário, ele procura realizar o seu trabalho de forma honesta mesmo baixo condições indignas.
Quem produz professores e professoras sem condições para o exercício da sua profissão? Parte vem das universidades públicas, portanto, o mesmo poder público que critica é o responsável pela formação do professor criticado. Se não são as universidades públicas são as faculdades privadas, onde a maioria do professorado é formada. E de quem é a responsabilidade por fiscalizá-las se não a do mesmo poder público que hoje criminaliza os professores? O professorado das redes públicas foi formado na mesmo escola pública onde hoje leciona. Grande parte fez a sua escolarização básica e depois a sua formação superior ao mesmo tempo em que trabalhava para ganhar a vida, com todo o sacrifício que representa estudar à noite, dormir pouco, ter pouco tempo para estudar, com fins de semana cheios de responsabilidades com afazeres domésticos etc. Apesar disto este professor consegue o seu diploma, quer exercer o seu ofício, presta provas e é acusado de ignorante, despreparado, criminalizado por tentar exercer o direito de trabalhar na profissão que conquistou a duras penas, pagando caro e de forma honesta. Por que os professores nota zero não foram ouvidos pela imprensa para saber da sua história de vida? Por que o professor não tem voz apenas os responsáveis pelos órgãos públicos e o sindicato? Por que ainda vigora no maior estado do país a “lei da mordaça” que proíbe professores e professoras de se comunicarem com a imprensa?
Hoje os temporários são 100 mil, 43% dos 230 mil docentes da rede pública do estado. Por que a secretaria de educação não realiza concurso, efetiva seus professores, estabelece um programa de formação em serviço, com avaliação de desempenho e plano de carreira? Por que a secretaria da educação opta por professores precários que pouco estímulo tem para permanecer em um local onde trabalha, com baixa remuneração, em condições difíceis, podendo ser dispensado a qualquer momento?
Mudar a escola pública exige investimentos, exige uma política de valorização dos trabalhadores e trabalhadoras da educação, exige motivação e trabalho coletivos, exige respeito à prática do professorado, pois é só a partir desta prática é que pode ser avaliado o seu trabalho, podem ser identificados os seus limites e seus valores, podem ser criadas as condições para um trabalho de equipe e a partir da unidade escolar.
Este é o professorado que temos, e é necessário trabalhar com ele e não contra ele, descriminalizando-o por todos os males do ensino público".

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

Ditabranda

Prometi que só voltaria a atualizar este blog despois do carnaval. Mas não posso deixar de reproduzir um manifesto de repúdio ao editorial do Jornal Folha de São Paulo, que define os anos de ditadura militar com o termo "ditabranda", ou seja, algo bem mais ameno do que a esquerda tenta passar para as futuras gerações pós-redemocratização.
O manifesto também é de solidariedade a dois brasileiros que lutaram para que eu pudesse expressar minhas idéias livremente neste blog e todos pudessem conviver com nossa frágil e incompleta democracia: Maria Victória Benevides e Fábio Comparato.
Assino embaixo e reproduzo o texto:

REPÚDIO E SOLIDARIEDADE

Ante a viva lembrança da dura e permanente violência desencadeada pelo regime militar de 1964, os abaixo-assinados manifestam seu mais firme e veemente repúdio a arbitrária e inverídica revisão histórica contida no editorial da Folha de S. Paulo do dia 17 de fevereiro de 2009. Ao denominar ditabranda o regime político vigente no Brasil de 1964 a 1985, a direção editorial do jornal insulta e avilta a memória dos muitos brasileiros e brasileiras que lutaram pela redemocratizaçã o do pais. Perseguições, prisões iníquas, torturas, assassinatos, suicídios forjados e execuções sumárias foram crimes corriqueiramente praticados pela ditadura militar no período mais longo e sombrio da história polí­tica brasileira. O estelionato semântico manifesto pelo neologismo ditabranda e, a rigor, uma fraudulenta revisão histórica forjada por uma minoria que se beneficiou da suspensão das liberdades e direitos democráticos no pos-1964. Repudiamos, de forma igualmente firme e contundente, a Nota de redação, publicada pelo jornal em 20 de fevereiro (p. 3) em resposta as cartas enviadas a Painel do Leitor pelos professores Maria Victória de Mesquita Benevides e Fabio Konder Comparato. Sem razões ou argumentos, a Folha de S. Paulo perpetrou ataques ignominiosos, arbitrários e irresponsáveis a atuação desses dois combativos acadêmicos e intelectuais brasileiros. Assim, vimos manifestar-lhes nosso irrestrito apoio e solidariedade ante as insólitas críticas pessoais e políticas contidas na infamante nota da direção editorial do jornal. Pela luta pertinaz e consequente em defesa dos direitos humanos, Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato merecem o reconhecimento e o respeito de todo o povo brasileiro.
Assinam:

Antonio Candido, professor aposentado da USP
Margarida Genevois. Fundadora da Rede Brasileira de Educação em Direitos Humanos
Goffredo da Silva Telles Júnior, professor emérito da USP
Maria Eugenia Raposo da Silva Telles, advogada
Andréia Galvão, professora da Unifesp
Antonio Carlos Mazzeo, professor da Unesp
Augusto Buonicore, doutorando da Unicamp
Caio N. de Toledo, professor da Unicamp
Cláudio Batalha, professor da Unicamp
Eleonora Albano, professora do IEL Unicamp
Emir Sader, professor da USP
Fernando Ponte de Souza, professor da UFSC
Heloisa Fernandes, socióloga
Ivana Jinkings, editora
Marcos Silva professor titular da USP,
Sérgio Silva, professor da Unicamp
Patricia Vieira Tropia, Universidade Federal de Uberlandia
Paulo Silveira, sociólogo

Após o carnaval certamente esta lista estará bem maior.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

Só depois do carnaval

Como todos merecem descansar, o blog volta a ser atualizado só na quarta-feira de cinzas.
Bom carnaval para todos.

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Retrato da Educação Brasileira

O coordenador do SINTEPP no município de Ananindeua, professor Jair Pena colocou a boca no trombone: o governo estadual está descumprindo a legislação federal e pagando menos que o salário mínimo no vencimento base dos professores estaduais.
Ele escreveu:
“O contracheque do mês de fevereiro já disponível no site da SEDUC é uma prova de que o governo do Estado do Pará está cometendo uma ilegalidade perante a constituição federal.O vencimento base do professor AD4 em janeiro/09 está fixado em 433,59 para 100h aulas e a partir de primeiro de fevereiro/09 passou a vigorar o novo salário mínimo nacional de 465,00.Em consequência o vencimento base dos professores da SEDUC deveriam ter sido alinhados automaticamente ao mínimo nacional em fevereiro.Isto sempre ocorreu em todos os governos do Pará nos últimos 14 anos,inclusive no governo Ana Julia em março de 2008 quando o salário mínimo alterou para 415,00.O vencimento base correto a ser expresso no contracheque de fevereiro seria 465,00 para 100h e 930,00 para 200h e isto não aconteceu.Pela primeira vez os professores vão receber um vencimento base abaixo do salário mínimo nacional ,isto é inconstitucional e imoral. Esta atitude do governo é um acinte a nossa categoria e não podemos ficar calados frente a essa ilegalidade. O Ministério Público Estadual e a Assembléia Legislativa tem o dever de se pronunciar a este fato grave que é um baile na legislação, onde quem dança são os professores vinculados a SEDUC”.

Os meandros da MP 455

No dia 28 de janeiro o governo federal editou a Medida Provisória nº 455. O texto dispõe sobre os procedimentos de repasse de recursos da alimentação escolar para estados e municípios, trata do programa dinheiro direto na escola e altera dois artigos que dizem respeito ao programa nacional de transporte escolar.

Como já comentei no dia de ontem, estes programas possuem legislação vigente e estão funcionando, não caracterizando urgência nem relevância da edição de medida provisória.
Li atentamente os trinta e dois artigos da MP e tento resumir a seguir o seu teor:

1º. Estabelece as diretrizes para o fornecimento de alimentação escolar. Destaco a abrangência do programa para toda a educação básica (tendo por base o número de alunos matriculados e registrados no censo escolar), o reforço ao caráter pedagógico que deve ter o serviço e “com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos”. Este último aspecto representa uma saudável novidade.

2º. Afirma no seu artigo 3º que a alimentação escolar “é direito dos alunos da educação básica pública e dever do Estado”, o que representa um avanço, mas que infelizmente é desconstruído no restante do texto ao não se proibir a terceirização dos serviços.

3º. A redação do parágrafo 5º do seu artigo 5º estabelece um atendimento mais abrangente do que o previsto na legislação do Fundeb em relação à rede de escolas conveniadas. Assim, o texto permite o fornecimento de alimentação escolar para “creches, pré-escolas e escolas do ensino fundamental e médio conveniadas pelo poder público com entidades comunitárias e filantrópicas. A legislação do Fundeb não permite repasse de recursos para convênios no ensino fundamental nem tampouco no ensino médio. É um precedente bastante perigoso.

4º. Faculta aos estados e municípios descentralizarem o fornecimento da alimentação escolar para as unidades executoras de suas escolas.

5º. Permite que os estados municipalizem o fornecimento de alimentação escolar.

6º. A responsabilidade técnica pela alimentação escolar nos Estados, no Distrito Federal, nos Municípios e nas escolas federais caberá ao nutricionista responsável, que deverá respeitar as diretrizes previstas nesta Medida Provisória.

7º. Estabelece que no mínimo trinta por cento dos recursos repassados para alimentação escolar deve ser “utilizado na aquisição de gêneros alimentícios da agricultura familiar e do empreendedor familiar, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas”. É uma inovação importante, principalmente levando em conta que a política agrícola do governo privilegia o agronegócio e a grande propriedade rural. Porém, o texto estabelece algumas restrições que podem inviabilizar este procedimento. São as seguintes as situações que liberam o município desta obrigação: I-impossibilidade de emissão do documento fiscal correspondente; II-inviabilidade de fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios; III- dificuldades logísticas que inviabilizem o fornecimento de gêneros alimentícios; e IV-condições higiênico-sanitárias inadequadas. Os itens II e III são por demais abertos, permitindo interpretações que favoreçam os lobbies poderosos de fornecedores de alimentos.

8º. Ao contrário do movimento que foi feito durante a tramitação da regulamentação do Fundeb para concentrar as atribuições de controle e fiscalização dos programas educacionais no Conselho Municipal de Educação, a MP 455 mantém a dispersão e reafirma a existência de Conselhos de Alimentação Escolar. É bom lembrar que a lei nº 11.494/07 deixa nas mãos de cada estado ou município a decisão de reforçar o CME ou de manter a fiscalização em um Conselho de Acompanhamento do Fundeb. A MP nem esse dispositivo incorporou. A presidência e a vice-presidência do CAE somente não poderão ser exercidas pelos representantes governamentais. Aqui a MP assimila o avanço conseguido na legislação do Fundeb.

9º. São listadas dez atribuições dos estados e municípios, sendo a primeira “garantir que a oferta da alimentação escolar se dê em conformidade com as necessidades nutricionais dos alunos”. Porém, não existe nenhum instrumento limitador para que estes entes federados não terceirizem de maneira irresponsável o fornecimento da alimentação escolar. Tal processo que tem aumentado o gasto de recursos públicos e facilitado fraudes como presenciamos recentemente em São Paulo é contraditório com o cumprimento de outras obrigações, inclusive as que dizem respeito a “promover a educação alimentar e nutricional, sanitária e ambiental nas escolas sob sua responsabilidade administrativa, com o intuito de formar hábitos alimentares saudáveis aos alunos atendidos” e “realizar, em parceria com o FNDE, a capacitação dos recursos humanos envolvidos na execução do PNAE e no controle social”.

10º. Tentando enfrentar uma rotina de descontinuidades de fornecimento, que ocorrem sempre na troca de prefeitos, a MP autoriza no seu art. 21 que o FNDE realize, “em conta específica, o repasse dos recursos equivalentes, pelo prazo de cento e oitenta dias, diretamente às unidades executoras, conforme previsto no art. 6o desta Medida Provisória, correspondentes às escolas atingidas, para fornecimento da alimentação escolar, dispensando-se o procedimento licitatório para aquisição emergencial dos gêneros alimentícios, mantidas as demais regras estabelecidas para execução do PNAE, inclusive quanto à prestação de contas”. A forma como foi redigido torna a exceção em regra, ou seja, só é justificável repassar para as escolas quando um gestor não possui tempo para consertar uma situação que não possuía controle, o que acontece na troca de prefeitos de quatro em quatro anos. Durante a vigência do mandato de um prefeito este instrumento poderá ser perfeitamente utilizado para burlar a obrigatoriedade de realizar licitação, basta atrasar a prestação de contas, ser penalizado e controlar via as escolas o processo de escolha dos fornecedores durante longos seis meses.

11º. A Medida Provisória exclui um importante texto que consta do Projeto de Lei nº 11.659/07 (também de autoria do Executivo). No texto original diz que a “aquisição, o preparo e a distribuição da alimentação escolar deverão ser realizados por ente público”. Isto sumiu do texto da MP, favorecendo diretamente o lobby das empresas terceirizadas.

Além do que descrevi acima a MP trata também do PDDE e PNATE, mas isso é assunto para outra postagem.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Entidades protestam contra MP da Merenda

Entidades ligadas a defesa da soberania alimentar e ao movimento dos agricultores familiares e assentados lançaram uma carta aberta contrária a aprovação da Medida Provisória nº 455 de 2008. Reproduzo aqui no blog o teor deste documento.

CARTA ABERTA

ALIMENTAÇÃO ESCOLAR NÃO É MERCADORIA

SOBERANIA ALIMENTAR JÁ

Foi com grande indignação que nós, Camponeses e Camponesas, Agricultores e Agricultoras Familiares, Assentados e Assentadas da Reforma Agrária, Quilombolas, Indígenas, Educadores e Educadoras, Profissionais e Pesquisadores de Saúde e Nutrição, Organizações da Sociedade Civil dos mais diferentes setores, Cidadãos e Cidadãs, comprometidos(as) com a luta pela SOBERANIA e SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL em nosso país, recebemos a publicação no dia 28 de janeiro de 2009 da Medida Provisória no 455 que “Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica”
O PL sobre Alimentação Escolar, encaminhado em 2008 pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional e aprovado sem alterações pela Câmara Federal, foi fruto de um amplo debate na sociedade civil, desde setores da Agricultura Camponesa e Familiar até setores que envolvem merendeiras, professores, pais e alunos, profissionais e pesquisadores de saúde e nutrição e integrantes de instâncias do controle social que em um esforço democrático e coletivo construíram uma proposta que representa um passo decisivo no fortalecimento da Agricultura Camponesa e Familiar, na geração de trabalho e renda no meio rural e na melhoria da qualidade da alimentação escolar em todo o país. O texto original previa que do total dos recursos financeiros do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) repassados pelo FNDE, no mínimo 30% (trinta por cento) deveria ser utilizado na aquisição de gêneros alimentícios DIRETAMENTE da Agricultura Familiar e do empreendedor familiar, priorizando os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais Indígenas e comunidades Quilombolas. O texto também apresentava limites, claramente definidos, contra a terceirização da Alimentação Escolar a favor de empresas privadas. A terceirização da alimentação escolar conforme é desejo de alguns governantes virá propiciar a monopolização deste mercado pelas grandes empresas que hoje controlam o abastecimento agroalimentar, a aquisição, o fornecimento e o preparo de refeições coletivas em nosso país.
À revelia de todo esse esforço coletivo e participativo, o governo assinou uma Medida Provisória, encaminhada pelo Ministério da Educação com alterações que violam a essência do texto anterior, colocando no centro da proposta apenas a disponibilidade da alimentação escolar, desconsiderando questões muito caras a sociedade como qualidade, processamento e origem do alimento.
Foi excluído o parágrafo que impede a terceirização e que assegurava que “A aquisição, o preparo e a distribuição da alimentação escolar deverão ser realizados por ente público”. Essa atitude traduz o compromisso expresso que o governo tem com setores das empresas de distribuição de refeições que empurram goela abaixo todas as porcarias imagináveis aos nossos jovens e crianças. A Alimentação Escolar como parte integrante do processo pedagógico da escola pública não pode ser objeto de comércio. Terceirizar a Alimentação Escolar é abrir portas para a privatização do ensino público. Além disso, não podemos permitir retrocessos na legislação permitindo que sejam cometidas, no presente, as aberrações que aconteciam no passado, quando alimentos formulados de baixa aceitação pelos alunos e alheios aos seus hábitos alimentares eram predominantes nos cardápios da merenda escolar.

Embora garanta a possibilidade de aquisição de, no mínimo, 30% da Agricultura Camponesa e Familiar, o texto da MP condiciona essa aquisição a:
- Apresentação do documento fiscal pelo fornecedor – no caso os Agricultores e Agricultoras
- Fornecimento regular e constante dos gêneros alimentícios
- Não ter nenhum problema de logística para fornecer os produtos
Todas as condições acima deveriam ser consideradas como o início de um processo, uma vez aprovada a Lei, a ser desencadeado entre os gestores do Programa Nacional da Alimentação Escolar (PNAE) e a Agricultura Camponesa e Familiar, visando à construção de capacidades para a entrada neste importante mercado institucional. E não o contrário, ou seja, que tais condições sejam colocadas como critérios de exclusão ao programa. É notória a dificuldade que estes produtores têm para a comercialização de sua produção. Essas condições representam a contradição com o anúncio de políticas que esse governo tem feito para a Agricultura Camponesa e Familiar, pois inviabiliza a participação desse segmento na maioria dos municípios. Desconsidera também que nesse país os Agricultores não tem acesso ao Bloco do Produtor(a), sendo restrito a alguns estados. Em muitas regiões não se tem disponibilidade de produção o ano todo como na região Nordeste, onde não se tem estradas ou transportes em condições adequadas. Portanto essa Medida Provisória nº 455 exclui, mais uma vez, a grande maioria dos Agricultores (as), Assentados, Indígenas e Quilombolas desse país e reafirma o pacto e o compromisso do Governo Federal com o Agronegócio Brasileiro.
Com estas mudanças, praticamente todos os setores envolvidos saem prejudicados:
- Os estudantes, que deixarão de receber uma alimentação saudável baseada em alimentos básicos, variados e frescos, como frutas, legumes e verduras produzidos localmente. Com a diminuição da qualidade a alimentação tenderá a priorizar alimentos industrializados, de baixo teor nutricional, ricos em gordura, sal e açúcar e com cardápios descolados dos hábitos alimentares regionais.
- A comunidade escolar, uma vez que a incorporação de alimentos localmente produzidos e fornecidos diretamente pela Agricultura Camponesa e Familiar aos cardápios das escolas, ajuda a fortalecer as relações da escola com as comunidades de seu entorno, constituindo-se, também, em um componente de uma ação pedagógica voltada à educação alimentar.
- Os Camponeses e Camponesas, Agricultores e Agricultoras Familiares, Indígenas e Quilombolas que enfrentarão inúmeras dificuldades no acesso a este mercado institucional através de suas organizações, correndo ainda o risco de se tornar fornecedores como integrados das grandes empresas.
- A população que vive nos territórios rurais, pois, conforme tem sido amplamente demonstrado nas experiências que vêm sendo desenvolvidas em todo o país pelo Programa de Aquisição de Alimentos(PAA), o mercado institucional configura-se como um mecanismo estruturador e dinamizador de sistemas locais de abastecimento, melhorando as condições de acesso aos alimentos pelo conjunto da população.
- Os Governos Municipais, pois a aquisição de alimentos localmente produzidos pela Agricultura Camponesa e Familiar contribui para o desenvolvimento dos municípios e para a melhoria da arrecadação.
Pelo exposto os signatários deste manifesto conclamam a todos os que lutam pela SOBERANIA E SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL bem como os setores organizados da sociedade brasileira a mobilizarem-se, urgentemente, contra as medidas legislativas que dificultam o fortalecimento da Agricultura Camponesa e Familiar ao mercado institucional do Programa Nacional da Alimentação Escolar.
Subscrevemos:
ABRANDH – AÇÃO BRASILEIRA PELA NUTRIÇÃO E DIREITOS HUMANOS
ANA – ARTICULAÇÃO NACIONAL DE AGROECOLOGIA
FASE – FEDERAÇÃO DE ÓRGÃOS PARA A ASSISTÊNCIA SOCIAL E EDUCACIONAL
FBSAN – FORUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA ALIMENTAR E NUTRICIONAL
MAB – MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS
MMC BRASIL – MOVIMENTO DAS MULHERES COMPONESAS
MPA BRASIL -MOVIMENTO DOS PEQUENOS AGRICULTORES
MST – MOVIMENTO DOS TRABALHADORES RURAIS SEM TERRA
SASOP – SERVIÇO DE ASSESSORIAS A ORGANIZAÇÕES POPULARES RURAIS

Usurpação de competência

No dia 28 de janeiro, quando todos estavam de férias e alguns no Fórum Social Mundial, o presidente Lula editou mais uma Medida Provisória, desta vez a de número 455.
A legislação acerca do direito do presidente editar medidas provisórias é desmoralizada todos os dias. A Constituição Federal, no seu artigo 62 estabelece que as MPs podem ser editadas em caso de relevância e urgência.

É evidente que este instrumento só deve ser utilizado em casos que estejam enquadrados no dispositivo constitucional, caso contrário o Poder Executivo estará usurpando as atribuições do Poder Legislativo, pois as MPs entram em vigor imediatamente e forçam a sua análise pelo Congresso Nacional. Ultimamente a Câmara dos Deputados e o Senado só conseguem votar os textos de medidas provisórias editadas pelo governo.

A Medida Provisória nº 455 dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica, altera a Lei 10.880, de 9 de junho de 2004, e dá outras providências. Não é um assunto urgente, pois os dois programas já existem, estão em pleno funcionamento e amparados por legislações específicas. Como todo programa social pode-se sempre alegar a sua relevância, mas os dois conceitos não são dissociáveis.

O mais intrigante é que tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei 11.659/2007, de autoria do Poder Executivo versando sobre o mesmo assunto. Aliás, a Medida Provisória é quase uma cópia do texto anteriormente enviado, mas infelizmente uma cópia piorada, assunto que comentarei amanhã.

É um típico caso de usurpação das competências do poder legislativo. Espero que o novo presidente do Congresso Nacional devolva a MP para o Executivo e garanta a autonomia dos poderes da República, evitando mais uma desmoralização.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Escândalo da Merenda Escolar – parte 02

O escândalo de fraudes no fornecimento de alimentação escolar em São Paulo trouxe para o debate uma das estratégias de privatização do ensino em nosso país. Por trás dos desvios se esconde um esquema de terceirização dos serviços públicos na maior prefeitura do país.
Como todos sabem existem vários mecanismos utilizados para repassar ao setor privado serviços que deveriam ser prestados pelo Estado. O mais escancarado é a venda de uma empresa ao setor privado, como foi largamente feito no período FHC. É possível privatizar também precarizando a oferta pública e liberalizando a oferta privada, cujo exemplo mais bem sucedido é a oferta do ensino superior em nosso país, obra iniciada por FHC e zelosamente continuada por Lula.
Porém, existem formas menos evidentes, mas não menos eficientes. Existe a concessão do direito de exploração de determinado serviço que antes era público, como no caso das rodovias. E temos o processo de terceirização de funções e serviços que eram executados diretamente pelo poder público. Assim foram terceirizados os serviços de limpeza urbana de nossas cidades, a vigilância e a limpeza das unidades de saúde e de muitas redes escolares. Como regra os trabalhadores terceirizados ganham menos do que os servidores públicos, mas não há economia para os cofres públicos, sendo direcionado vultuosos recursos para as empresas gerenciadoras do serviço. Existe ainda o estímulo a criação de OSCIPs para assumirem a prestação direta de serviços, tudo isso regiamente pago com nossos impostos.
A alimentação escolar de São Paulo foi terceirizada. É o final da linha de um processo que já foi ultra-centralizado no governo federal, foi descentralizado para os estados e depois para os municípios e em alguns casos para as unidades executoras existentes nas escolas.
O escândalo paulista é, ao mesmo tempo, parte do processo endêmico de corrupção, mas também fruto do processo de lenta privatização da educação em nosso país.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Escândalo da Merenda Escolar – parte 01


Este início do ano foi marcado pela volta aos noticiários de um assunto antigo e explosivo: o fornecimento de alimentação escolar na rede pública. Desta vez as más notícias vieram da maior cidade do país.
O Ministério Público de São Paulo investiga a denúncia da existência de um acordo entre pelo menos 10 empresas fornecedoras da merenda escolar para fraudar a licitação feita pela prefeitura de São Paulo e outras 13 cidades paulistas. Também há suspeita de má qualidade da alimentação fornecida aos alunos das escolas públicas.
As investigações começaram em agosto de 2008 após o depoimento de uma pesquisadora da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), contratada pela Secretária de Gestão de São Paulo para avaliar a terceirização da merenda escolar.
O estudo da Fipe diz que a terceirização era desvantajosa para a prefeitura, já que o gasto seria 3,6 vezes superior ao da administração direta. O relatório diz ainda que a merenda "deixava a desejar", com alta concentração de gordura e falta de proteína e de fibras no cardápio elaborado tanto pelas empresas terceirizadas quanto pela prefeitura. Os pesquisadores da Fipe informaram que um número reduzido de empresas havia encaminhado propostas na licitação e que outra foram excluídas porque não atendiam aos requisitos do edital.
O vice-presidente do Conselho de Alimentação Escolar, José Ghiotto Neto, disse também em depoimento ao Ministério Público que constatou problemas como alimentos estragados, salsicha cortada em três para render mais e proibição de servir mais de um pedaço de fruta a alunos. Ele entregou um relatório com os dados de 2007 e 2008,
O relatório denuncia ainda o "prêmio economia", de R$ 40, que seria dado às merendeiras de três escolas que conseguiam reduzir o consumo da merenda escolar. Uma das empresas acusadas, a Nutriplus, disse que o dinheiro era dado por causa da qualidade do serviço e não para economizar.
A Prefeitura de São Paulo infringiu quatro vezes a legislação na licitação da merenda, segundo um relatório elaborado por técnicos do Tribunal de Contas do Município (TCM). O pregão e os contratos decorrentes dele, de R$ 259 milhões iniciais, são investigados pelo Ministério Público - a suspeita é de formação de cartel entre as empresas participantes.
Quando fui deputado estadual no Pará (1995/1996) tive a oportunidade de propor e participar de uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a existência de cartéis no fornecimento de alimentação escolar na rede escolar estadual. As notícias que leio nos jornais passados treze anos são em tudo semelhantes, mostrando que os esquemas de desvio de recursos nesta área não foram desmontados e continuam sangrando os cofres públicos.
Infelizmente no episódio paraense como no paulista ficamos sempre aguardando que seja servida uma enorme pizza e ninguém seja punido. A impunidade continua sendo a marca principal da política brasileira.

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

Quem vai pagar a conta?

Semana passada ocorreu mais uma Marcha Nacional de Prefeitos. É um evento municipalista muito importante, momento em que os prefeitos apresentam suas reivindicações e o governo federal sempre anuncia alguma concessão. Maneira de se manter uma convivência civilizada num Estado dito federado, mas que não existe um pacto federativo digno deste nome.
Como não poderia deixar de acontecer, esta Marcha foi marcada pelo temor dos prefeitos com os efeitos devastadores da crise econômica mundial. Com a previsível desaceleração da economia, está no horizonte uma queda na arrecadação dos impostos, especialmente aqueles ancorados no consumo, especialmente o ICMS o ISS.
O presidente Lula esteve presente, levando ao seu lado sua candidata predileta a sua sucessão em 2010. Fez promessas de incremento de investimentos no PAC e apelos para que os prefeitos combatam o analfabetismo. Fez também juras de otimismo, prevendo efeitos leves da crise e rápida retomada do crescimento.
Os prefeitos aproveitaram para chorar suas mágoas. Uma delas é a dificuldade de pagar o piso salarial nacional. O presidente eterno da Confederação Nacional dos Prefeitos, senhor Paulo Ziulkoski, afirmou que os prefeitos estão tendo dificuldade em implementar o piso salarial do magistério de R$ 950,00 e pediu, segundo a Agência Brasil, que seja afastada a imposição aos municípios para o pagamento do piso dos professores. “Isso porque não foi indicada a fonte orçamentária", disse.
Afirmou ainda que uma queda na arrecadação de imposto e consequente redução do PIB poderá prejudicar as finanças dos municípios. E para ficar de bem com o Palácio do planalto disse que a “crise está chegando, a arrecadação sinaliza queda. Estamos aqui torcendo para que a previsão [do presidente Lula] de crescimento do PIB em 4% seja alcançada”.
É uma forma de ficar de bem com o governo federal e enviar a conta para os professores municipais. A CNM estimula os prefeitos a não cumprirem a lei do piso salarial, mas não faz um gesto sequer de real pressão sobre a União para cumprir o dispositivo da mesma lei que determina complementação financeira para estados e municípios que não possuírem condições de pagar o piso.
Como a lógica da CNM é conseguir sempre alguma concessão governamental, mas nunca fazer um real enfrentamento em defesa de um pacto federativo mais justo, sobra pro lado mais fraco, ou seja, para os mal pagos professores municipais.
É preciso aproveitar a crise econômica mundial para pautar um sério debate tributário em nosso país. Em primeiro lugar é necessário parar de sangrar o orçamento federal em mais de 50% para pagar os encargos e a rolagem da dívida pública. Em segundo, igual atitude deve ser tomada em relação a dívida contraída por estados e importantes cidades do país. Em terceiro, não existe como melhorar o padrão de qualidade da educação nacional sem que se reparta de forma mais justa os tributos arrecadados.
Se o presidente Lula estivesse preocupado com os efeitos da crise nas finanças municipais mobilizaria sua maioria parlamentar para revogar de imediato a DRU da área social, o que por si só significaria mais recursos disponíveis para educação, saúde e assistência social, áreas que os gestores municipais são os principais responsáveis pela oferta dos serviços. Mas isso seria esperar demais.
Por enquanto os prefeitos só com seguiram arrancar uma foto com Lula e Dilma e mesmo assim pagando 30 reais por ela.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Raio-x das escolas públicas

O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) anunciou esta semana que fará um levantamento da situação da infraestrutura das escolas públicas de educação básica do país.
Para realizar esta tarefa foi desenvolvida por esta autarquia uma ferramenta denominada LSEWEB (Levantamento da Situação Escolar na Web). Em parceria com secretarias estaduais e municipais será feito um raio-x de todo o sistema, com dados sobre equipamentos, mobiliário, condições de uso dos banheiros, refeitórios, telhados etc.
Segundo o FNDE o objetivo “é reunir essas informações num banco de dados central, acessível pelo sítio eletrônico do FNDE, para balizar políticas públicas educacionais e melhorar a gestão escolar”.
A ferramenta começa a ser testada esta semana, no Ceará. Até o dia 20 de fevereiro, gestores do estado e do município de Aquiraz serão capacitados sobre a ferramenta. Eles aprenderão a preencher os formulários com as informações sobre as escolas, farão o trabalho de campo, coletando os dados nas unidades de ensino, e irão inserí-los no LSEWEB. Depois de avaliar o teste no Ceará, o intuito é começar a capacitação no restante do país já em março.
É uma iniciativa que certamente otimizará a aplicação dos recursos do MEC repassados em forma de convênios para estados e municípios. Ajudará também no planejamento de manutenção e investimentos educacionais das redes públicas.
Porém, considero que o levantamento da situação das escolas públicas deveria ser utilizado para aperfeiçoar uma matriz de custo aluno-qualidade. Sei que infelizmente o estabelecimento desta matriz continua fora das prioridades governamentais. Mas sei que ela constitui uma das prioridades das entidades do movimento social e é fundamental para que o debate que ocorrerá na Conferência Nacional de Educação não seja presidido por um discurso limitado pela política econômica conservadora e sim por uma perspectiva de construção de um padrão mínimo de qualidade em nosso país.
Minha sugestão é que os representantes da sociedade civil presentes na comissão organizadora da Conferência provoquem este debate.
O INEP poderia realizar uma parceria com nossos pesquisadores das universidades públicas e encomendar um aperfeiçoamento da matriz do custo aluno-qualidade a partir dos resultados do levantamento.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

E o valor do Fundeb para 2009?


Já chegamos ao 44º dia do ano de 2009 e ninguém sabe qual será o valor do custo-aluno do Fundeb que irá vigorar neste ano.
No dia 06 de fevereiro o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) repassou R$ 254.250.000,00 referentes à primeira parcela (janeiro) de complementação da União aos estados e respectivos municípios que não arrecadaram o suficiente para garantir o valor mínimo por aluno/ano. Este valor foi distribuído para nove estados: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba, Pernambuco e Piauí.
As notícias divulgadas pelo FNDE não esclarecem qual mecanismo foi utilizado para repartir o recurso referente a janeiro, mas certamente foram repassados tendo por base os critérios do ano passado. A rede estadual ficou com 30,3% dos recursos e a rede municipal com 69,7%.
No Orçamento da União estão alocados 5 bilhões de reais para o ano de 2009. Este recurso deverá ser distribuído entre os estados da Rondônia, Amazonas, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia. Ou seja, como não foi divulgado o novo valor do custo-aluno o estado de Rondônia, que possui uma projeção no orçamento federal de receber 71,5 milhões nada recebeu.
A dificuldade para a divulgação pode ser explicada pela eclosão da crise econômica mundial e seus efeitos na economia brasileira. Sabemos que a arrecadação dos impostos depende essencialmente no consumo em nosso país, pois a renda é tributada, mas em percentual bem menor do que em outros países. Assim, o principal tributo que constitui a cesta de recursos do Fundeb é o ICMS, totalmente sensível a variações do consumo.
Ao contrário do tranqüilizador discurso do presidente Lula, a projeção de importantes setores econômicos é de que poderemos viver um período recessivo em breve.
É preciso se calcular o comportamento da arrecadação para que tenhamos o custo-aluno de cada estado e estabelecer a divisão dos recursos da complementação entre os estados com menor custo-aluno.
Há uma justificável ansiedade dos gestores educacionais quanto a divulgação. No mínimo deveria ocorrer um comunicado governamental explicando por que até o momento não cumpriu a legislação do Fundeb e estabelecendo um prazo para a publicação.
Esta incerteza pode provocar uma retração da oferta de matrículas por parte dos estados e municípios, todos inseguros se conseguirão honrar com os custos de um aumento de vagas na educação básica.

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

O ministro e a DRU

Um dos mecanismos de desvio de recursos da área social para prover o superávit primário em nosso país é a desvinculação das receitas da União. Inventada pelo governo FHC, foi mantida e prorrogada pelo governo Lula.
Vigente desde 1994, a DRU (Desvinculação de Receitas da União) corresponde à liberação de 20% do total de receitas da União, possibilitando sua aplicação em finalidades diversas das estabelecidas nas vinculações constitucionais e legais. Ou seja, esse mecanismo amplia a margem de liberdade do governo federal no manejo da receita orçamentária, com forte impacto nas despesas públicas educacionais.
Em recente entrevista, o Ministro da Educação Fernando Haddad informou que o aumento da obrigatoriedade do ensino dos 4 aos 17 anos, assunto divulgado neste blog e que o governo deve enviar proposta para ser discutida no Congresso Nacional em breve, será financiado com o fim da desvinculação de receitas da união (DRU) para a educação. "Queremos combinar a obrigatoriedade com o fim da DRU”, disse em entrevista à rádio Jovem Pan.
O ministro garantiu que já acertou com a área econômica o fim do dispositivo constitucional.
Algumas perguntas precisam de respostas.
1ª. É óbvio que é importante excluir a área educacional do alcance da DRU. Para que isso aconteça é necessário que a Câmara dos Deputados aprove a PEC que tramitou no Senado. O governo de Lula tem maioria naquela Casa e o ministro afirmou que já “acertou” tudo com a área econômica. Isso quer dizer que o Palácio do Planalto vai mobilizar as suas bases para aprovar a proposta?
2ª. Como a linha predominante no governo é manter o superávit primário e continuar desviando recursos da área social para os compradores de títulos da dívida pública e parte do superávit é alcançado via DRU, quais mecanismos a área econômica vai propor para compensar a “perda” dos recursos oriundos da DRU?
3ª. O depósito de mais recursos no orçamento do MEC não garante que os mesmos sejam aplicados no auxílio aos estados e municípios no esforço para universalizar o atendimento escolar de 04 a 17 anos. Será necessário aumentar a contribuição da União para o Fundeb, hoje com percentuais previstos na Constituição, ou então estabelecer novos mecanismos de financiamento da educação básica. Qual a posição do MEC sobre esses mecanismos?
4ª. A partir de 2010 a União tem obrigação constitucional de contribuir para o Fundeb com 10% dos recursos depositados por estados e municípios. Como a crise vem se agravando (só Lula que não vê!) a arrecadação dos impostos que mantém o fundo tendem a cair, diminuindo o montante de recursos a serem depositados pela União. Ou seja, ao mesmo tempo em que se promete devolver sete bilhões seqüestrados pela DRU da área educacional, o modelo atual de financiamento não garante que estes recursos sejam realmente repassados para estados e municípios de forma automática. Qual a posição do ministro sobre isso?
Seria de bom tamanho que essas perguntas fossem respondidas ao mesmo tempo em que o governo procede a pressão sobre os parlamentares para a derrubada da DRU na área educacional.

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Davos

O escritor José Saramago resumiu de forma brilhante o sentimento que os explorados do planeta Terra tem diante de mais um encontro dos países mais poderosos na cidade de Davos:

Quando já se estavam semeando ventos
ninguém quis ver que vinham aí as tempestades.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Investimentos insuficientes

Como havia anunciado, no dia 29 de janeiro, durante o Fórum Social Mundial realizado em Belém, aconteceu o lançamento do primeiro volume da revista “Insumos para o Debate”, com analise sobre o financiamento da educação no governo Lula. A sala reservada para o seminário de apresentação da pesquisa, na Universidade Federal do Pará, teve lotação máxima e várias pessoas tiveram que acompanhar a discussão do lado de fora.
A publicação é uma iniciativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pretende contribuir com a discussão sobre educação pública no Brasil. Estive presente no debate. Na mesa também estavam Salomão Ximenes e José Marcelino Rezende Pinto. A atividade foi dirigida por Daniel Cara, coordenador da Campanha.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação divulgou alguns dados relevantes que constam da publicação. Reproduzo o texto abaixo:
Resultados - A revista analisou dados da atuação do governo Lula no investimento educacional entre 2003 e 2008. Uma das conclusões do estudo é que embora tenha elevado em mais de R$ 4 bilhões o repasse de dinheiro para a educação pública em 2007 e 2008, comparando-se a 2005 e 2006, a União não aplicou dinheiro suficiente para alcançar as metas do PNE (Plano Nacional de Educação). Entre 2003 e 2007, a receita total da União aumentou 32,1%, chegando em 2007 a R$ 954,5 bilhões. No entanto, somente a partir de 2006 é que a educação obteve ganho real em suas despesas líquidas (R$ 23 bilhões), abrangendo pouco mais de R$ 27 bilhões no ano seguinte.
O dinheiro aplicado foi insuficiente para atingir as metas do PNE (Plano Nacional de Educação), ao passo em que só em 2003 e 2004 o dispêndio para subsidiar a dívida pública foi duas vezes maior do que o repasse para área educacional. Segundo a publicação, “a educação perdeu espaço no orçamento federal executado no primeiro mandato do presidente Lula”, já que a porcentagem ocupada pela função “educação” caiu de 2,88% em 2003 para 2,67% em 2004 e em 2005 e para 2,44% em 2006, voltando em 2007 ao mesmo patamar que ocupava no início do governo com 2,87%.
Alguns dados do período:
em 2001, quando o PNE entrou em vigor, 12% da população com mais de 15 anos de idade era analfabeta. De acordo com o plano, em 2006 o Brasil deveria ter no máximo 3,7% de pessoas nessa situação, mas ainda possuía o índice de 10,4%. Se mantida a média, em 2011, quando a meta é extinguir o analfabetismo, o país ainda terá 10% de sua população sem saber ler e escrever;
em 2003 as despesas líquidas da União com educação foram da ordem de R$ 19,5 bilhões, caindo nos dois anos seqüentes para R$ 18,2 bilhões e R$ 19,2 bilhões, respectivamente, e voltando a ter ganhos somente em 2006, quando contabilizou quase R$ 23 bilhões;
em 2005 o governo federal arrecadou montante equivalente a cerca de 20% do PIB daquele ano, fruto da carga tributária, e só investiu 0,74% dessa soma em educação;
ainda em 2005, a complementação da União ao Fundef foi de R$ 398,2 milhões e em 2006 de R$ 315,2 milhões. Em 2007, já sob obrigatoriedade do Fundeb, o repasse foi de R$ 1,9 bilhões, passando a R$ 3 bilhões em 2008 e com expectativa de R$ 4,5 bilhões para 2009;
só no ano de 2006 a União deixou de destinar mais de R$ 5 bilhões ao Fundef;
em 2007 o Brasil não disponibilizou um só centavo para o Programa Brasil Quilombola e pouco investiu em programas educacionais ligados à diversidade, embora o governo do presidente Lula tenha sido o primeiro a dar atenção à questão.

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Rindo de quê?



No dia de ontem foram disponibilizados os dados do Censo do Ensino Superior. O INEP distribuiu um release para a imprensa que destacava com alegria que as matrículas do ensino superior haviam subido 4,4%. E o governo festejou a retomada do crescimento em patamares semelhantes ao do último ano de FHC.
Evidentemente que os dados dizem o que o release afirma. O problema não é o que foi divulgado e sim o que foi omitido pelo governo.
As matrículas no ensino superior subiram 4,4% em relação ao ano anterior. Este percentual de crescimento infelizmente não foi igualmente distribuído, sendo que a rede pública cresceu 2,6% contra um crescimento de 5% da rede privada. É verdade que a rede federal cresceu 4,4%, mas também é verdade que a rede particular abocanhou um aumento de nada menos que 17,3% nas suas matrículas. Os que mais perderam alunos foram justamente a principal aposta governamental por meio do ProUni, ou seja, as privadas comunitárias e filantrópicas que perderam 10,4% das matrículas.
E o que isso quer dizer? Que a participação da rede privada na oferta de matrículas continua crescendo e nada indica que haja um esforço para acelerar de maneira significativa a participação pública e frear o ritmo sempre alucinante da rede privada.
O gráfico acima demonstra de maneira límpida que não há motivos para comemorar. Em 2002, no final do governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso, a participação pública era de 30%. Depois de cinco anos de governo Lula esta participação despencou para 25%.
Os números oficiais desmentem a euforia do governo. Isso sem contar que muito recurso público foi direcionado financiar as vagas em instituições de desempenho sofrível via o ProUni. Aliás, vagas que o censo nos lembra que estavam na sua maioria ociosa, ou seja, o governo abriu mão de impostos e as faculdades em troca ganharam clientela para consumir seus produtos, sem precisar aumentar sua capacidade instalada. Um negócio bom pros empresários filantrópicos e para o governo... e péssimo para a qualidade do ensino universitário em nosso país.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Vem aí mais uma PEC

No último dia 2 de fevereiro o MEC reuniu os secretários municipais de educação das 26 capitais dos estados, do Distrito Federal e das 127 cidades com mais de 163 mil habitantes. Na referida reunião ocorrida em Brasília a professora Maria do Pilar Lacerda, atual Secretária de Educação Básica do MEC e ex-secretária municipal de educação de Belo Horizonte pediu a ajuda dos dirigentes municipais de educação para mobilizar os prefeitos das 1822 cidades com IDEB menores para que ocorra uma melhoria na qualidade da educação.
Afora este apelo a Secretária antecipou uma noticia interessante: daqui a dois meses, o presidente Lula enviará ao Congresso Nacional um projeto de emenda constitucional que aumenta a escolarização obrigatória dos quatro aos 17 anos de idade.
Segundo o portal do Ministério a professora Pilar afirmou que o objetivo dessa iniciativa do governo federal é abrir espaço para que crianças de baixa renda tenham garantido o direito de estudar. “É um desafio de incluir, de efetivo acesso à educação infantil.”
Os últimos dados disponíveis mostram que continuamos sem enfrentar de forma decidida dois gargalos de nossa educação básica.
O primeiro diz respeito a cobertura de atendimento da educação infantil. É verdade que recentemente alterou-se a legislação e se deu um prazo até 2010 para que o ensino fundamental obrigatório alcançasse as crianças de seis anos de idade. Mas também é verdade que ainda temos milhões de crianças fora da escola na educação infantil, a maioria na faiza de zero a três anos de idade, mas ainda muitas na faixa de quatro a cinco anos.
O segundo desafio é relacionado a incorporação dos nossos jovens no ensino médio. Apesar de dados da PNAD apontarem para mais de 80% de jovens entre 14 a 17 anos estudando, na verdade a metade continua presa no ensino fundamental.
Sou totalmente favorável a extensão da obrigatoriedade do ensino para a pré-escola. Defendo que educação é um direito universal e dever do Estado.
Mas o que precisa ser respondido é o seguinte: que mudanças o MEC apresentará para apoiar os municípios para que assumam esta tarefa de maneira obrigatória. Por isso eu pergunto:
1º. Será firmado um compromisso de que os recursos destinados a recuperação e construção de escolas não serão contingenciados, inclusive aqueles oriundos das emendas parlamentares?
2º. Será firmado um acordo para remunerar de forma mais próxima do custo real as matrículas de educação infantil dentro do Fundeb?
3º. Que recursos adicionais serão destinados a programas de melhoria da qualidade do ensino? Obviamente que não estamos falando em incremento do caráter meramente regulador do Estado, com mais provas nacionais.
Sem pelo menos essas respostas a proposta só irá tansferir para os municípios mais responsabilidades sem a devida ajuda do ente federado com mais poder financeiro de alterar a situação.

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

Um bom retrato do FSM

Tomo a liberdade de reproduzir o artigo que Gilberto Maringoni preparou para o Carta Maior. Resume bem os desafios e as expectativas que o FSM realizado em Belém representa.


O Fórum como ele é

Por Gilberto Maringoni




O Fórum Social Mundial são dois. Um deles - o principal - é o processo cotidiano de enfrentamento teórico e prático empreendido pelas correntes de opinião contrárias ao modelo neoliberal. Se tivermos uma métrica elástica, podemos dizer que o plebiscito do último fim de semana na Bolívia integra-se ao mesmo curso das orientações pelas quais se bate a maioria dos ativistas de Belém.

Tanto é verdade, que Evo Morales, Rafael Correa, Hugo Chávez, Fernando Lugo e Lula devem ser as principais atrações deste encontro no norte do Brasil. De certa maneira, todos compartilham algumas das bandeiras discutidas à exaustão há oito anos.

Há Fórum onde há luta. O espírito geral dos seus participantes parece ser o mesmo externado por Tom Joad, personagem central de “As vinhas da ira”, de John Steinbeck, publicado há exatas sete décadas. Protagonista de uma epopéia social, que levou centenas de milhares de camponeses pobres a migrarem do sul dos Estados Unidos para a Califórnia, por conta da Grande Depressão e de uma seca inédita, Joad torna-se, ao término da narrativa, um ativista foragido. Era acusado de assassinato e de fazer agitação social. Sua fala, ao se despedir para sempre da mãe, é um dos momentos luminosos da literatura do século XX:

“Eu estarei nos cantos escuros. Estarei em todo lugar. Onde quer que olhe. Onde houver uma luta para que os famintos possam comer, eu estarei lá. Onde houver um policial surrando um sujeito, eu estarei lá. Estarei onde os homens gritam quando estão enlouquecidos. Estarei onde as crianças riem quando estão com fome e sabem que o jantar está pronto. E, quando as pessoas estiverem comendo o que plantaram e vivendo nas casas que construíram, eu também estarei lá.”

Pode-se adaptar a fala. Onde existir injustiça, lá estarão as consignas do Fórum, onde houver intolerância, é lá que ele se multiplica. “Here, there and everywhere”, como na canção dos Beatles.

Festa e celebração

Mas o Fórum também é evento, é festa, é celebração, é reunião, é planejamento e é coisa concreta. É bagunça e organização. O Fórum são 60 mil marchando sob a chuva, nas ruas de Belém, cidade em que “Quando não chove todo dia, chove o dia todo”, segundo seus moradores bem humorados. O Fórum é um evento alicerçado no esforço prévio de muitos, que emprega gente, lota hotéis, bares e restaurantes, ativa a economia local e serve de divulgação internacional para as cidades que o sediam. É grife, com logotipos estampados em bolsas, camisetas e sandálias. É vitrine para quem quer se mostrar e se fazer ouvir.

O Fórum concreto acontece em meio a um ostensivo policiamento da Guarda Nacional para evitar situações de violência nas quais as grandes cidades latinoamericanas são pródigas. Sua abertura ocorre com a presença pouco sutil da tropa de choque da Polícia Militar em frente à sede de um dos maiores jornais do Pará. O Fórum é a deixa para delegados da Polícia Civil entrarem em greve, reivindicando melhores salários, esperando repercutir suas demandas para além das divisas do Estado. É também palco para que professores cobrem a convocação do aprovados em um concurso. É a deixa para que participantes e não participantes falem bem e mal do governo que o patrocina. É também o jeito para que camelôs e ambulantes ganhem em uma semana o que não tiram em um mês.

Em suma, para conseguir realizar suas reuniões, palestras, assembléias, oficinas e encontros nas quais se busca outro mundo possível, o Fórum tem de se materializar no mundo como ele é. O Fórum existe no mundo das mercadorias e das palavras de ordem.

A aparente disjuntiva entre evento e processo só se resolve de uma maneira: quando o Fórum adentra na seara da política, quando se fundem pensamento, ação e disputa pelo poder.

É bem possível que passasse coisa assim pela cabeça de Tom Joad…