quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crônica de uma morte anunciada


 

O título deste post é uma homenagem a um dos livros de Gabriel Garcia Márquez que mais gostei de ler. Todos sabiam que o personagem principal iria morrer, menos ele.

Ontem (já passa de meia-noite) foi publicado no Diário Oficial da União (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=24&data=18/12/2013) a Portaria Interministerial nº 16, que recalculou o valor mínimo por aluno do Fundeb, estabelecendo que passou a ser de R$ 2.022,51.

Pela segunda vez, faltando poucos dias pra finalizar o ano, o MEC “atualiza” a projeção de receita do fundo e, assim agindo, republica valores próximos do que será efetivado no ano. E isto sempre é feito para atender aos reclamos dos governadores e prefeitos para que o piso salarial nacional do magistério fiquei dentro de patamares “razoáveis”, pelo menos para os interesses dos gestores.

Caso a referida portaria não fosse publicada a correção do piso seria de 19%. Com a presente publicação a correção em 2014 cairá para 8,32%. Ou seja, o novo piso salarial nacional será de apenas R$ 1697,00.

Tempos atrás fiz um cálculo mostrando que para que a Meta 17 do futuro Plano Nacional de educação seja cumprida nos próximos dez anos será necessário que, pelo menos, o valor do piso do magistério seja corrigido em 5% acima da inflação todos os anos. Da forma que foi feito pelo MEC o reajuste de 2014 será apenas 2,5% acima da inflação. Assim, mesmo antes de ser aprovado o PNE, atitudes ministeriais vão o tornando letra morta.

Já vi que a CNTE, entidade representativa dos trabalhadores em educação, publicou nota repudiando tal atitude (http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/12964-pelo-valor-do-piso-cnte-convoca-mobilizacao-para-inicio-do-ano-letivo.html). A possibilidade de ocorrer reações fortes contra esta manobra são concretas.

É interessante que tal decisão acontece um dia após o Senado Federal aprovar um Substitutivo medonho de Plano Nacional de Educação, que desresponsabiliza a União no financiamento da educação básica. Parece que os dois fatos guardam profunda coerência.

Ah... o governo conseguiu ser mais pessimista do que meus cálculos e jogou a estimativa de receita mais pra baixo do que meus dados haviam conseguido perceber.

Voltando ao querido Garcia Márquez, este é mais um elemento comprobatório de que a Meta 17 tem tudo para repetir a trajetória do famoso personagem Santiago Nasar.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mal a conta gotas


Em tempos idos Maquiavel aconselhou os governantes de sua época a fazerem o mal de uma vez só e o bem deveria ser feito a conta gotas. A ideia era diminuir as resistências quando precisassem aplicar medidas impopulares e render ao máximo os efeitos de medidas positivas.

Quando sai do plenário do Senado Federal ontem a noite, após o adiamento da votação do plano Nacional de Educação para a próxima terça-feira (17 de dezembro), fiquei com a impressão de que o governo e sua base parlamentar tenta reinventar o conselho do Maquiavel, pois na tramitação do Senado o mal tem sido feito a conta gotas e o bem está difícil de encontrar pelo menos uma gotícula sequer.

É preciso explicar em primeiro lugar por que não foi votado no dia de ontem. De forma sintética e relatando um pouco dos bastidores o que aconteceu foi o seguinte:

1. Estava escrito nas estrelas que o governo usaria a sua folgada maioria para rejeitar o Substitutivo aprovado na Comissão de Educação. Para isso foi apresentada uma Emenda Substitutiva de Plenário, assinada pelo senador Vital do Rego, que retomava basicamente o texto aprovado na CCJ, recuando na supressão dos prazos e incorporando mudanças feitas na Comissão de Educação, mas que não eram vinculadas nem a aumento de recursos, nem a maior responsabilização da União no cumprimento das metas e estratégias.

2. Durante a tarde começou a ser costurado um acordo entre governo (PT/PMDB) e o PSDB. Basicamente o acordo significava um recuo do relator da CE, senador Álvaro Dias, que aceitaria os principais pontos da Emenda de Plenário e, em troca, seria o relator de plenário. Para os interesses dos que lutam por um PNE pra Valer o referido acordo era desastroso, retirando todos os pontos retomados na CE e que estavam presentes no texto aprovado na Câmara.

3. Estava claro que o interesse do governo era, essencialmente, garantir no texto a destinação de recursos públicos para o setor privado (especialmente para Pronatec, Prouni e Fies), retirar toda referência a amaldiçoada palavra "pública", retirar percentual de crescimento público na Meta 11 (ensino profissionalizante) e Meta 12 (ensino superior) e retirar a possibilidade de que a União complemente o Custo Aluno Qualidade no futuro.

4. Presenciei o diálogo do senador Álvaro Dias (PSDB/PR) e do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP). Seu relato envergonhado do acordo firmado foi esclarecedor do texto que viria. Depois presenciei a pressão do senador do PSOL (pré-candidato a presidente) sobre o senador Aécio Neves (pré-candidato também) para que o acordo fosse desfeito. Não sei se foi isso que determinou, mas o fato é que o PSDB mudou de ideia e desfez o acordo.

5. Foi nomeado o senador Eduardo Braga (PMDB/AM), líder do governo, para relatar a matéria e como previsto, acatou a Emenda governista, introduzindo algumas pequenas modificações (para não dizer que não mudou nada). Basicamente o relator pediu pra que seja aprovado a Emenda n] 04, apresentada pelo senador Vital do Rego, cujos pontos principais já comentei anteriormente - Governa vai jogar pesado (e contra o povo),

6. O texto governista só não foi votado ontem por que havia sido marcada uma confraternização entre os senadores, promovida pelo austero Renan Calheiros e, certamente a continuidade da votação esfriaria as iguarias do referido jantar.

Na terça-feira o governo vai aprovar o que quer, vai enviar para a Câmara um texto pior do que recebeu.

O atraso de ontem tem um efeito colateral imprevisível: o PNE somente será votado na Câmara no ano que vem, lá pelos idos de fevereiro. E irá coincidir com a realização da II Conferência Nacional de Educação, evento que irá reunir centenas de delegados eleitos em encontros municipais e estaduais. Ou seja, a pressão contra as maldades governamentais irá aumentar.

Da mesma forma que para Maquiavel, o governo trata a vontade popular como um problema a ser contornado. Falta combinar este jogo com o povo.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Governa vai jogar pesado (e contra o povo)


Na tarde do dia 11 de dezembro (quarta-feira) será votado o Plano Nacional de Educação no plenário do Senado Federal. E isso acontecerá faltando nove dias para se completar três anos de tramitação. Caso a referida votação aconteça, ainda teremos o retorno do Projeto para a Câmara dos Deputados, ou seja, PNE que é bom só ano que vem.

Acaba de ser inserido na página do Senado o Substitutivo do Governo (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=108259) ou seja, o texto que a maioria da Casa tentará aprovar. O referido texto é assinado pelo senador Vital do Rego (PMDB), relator da matéria na CCJ.

O que o governo quer (e não houve intensa pressão social) aprovar?

1.     O texto, mais uma vez, retira qualquer referência a que o percentual de 10% do PIB de investimentos públicos seja usado exclusivamente na rede pública de ensino. A palavra pública é excomungada do PNE mais uma vez. Sai do parágrafo 3º do artigo 5º e sai do texto da Meta 20.

2.     O substitutivo garante que sejam contabilizados dentro dos 10% do PIB todos os recursos públicos repassados para o setor privado, sejam aqueles amparados pelos artigo 213 da Constituição Federal (para privadas que sejam filantrópicas, comunitárias e confessionais) e também em programas de bolsas concedidas em troca de isenções fiscais e financiamento estudantil.

3.     Suprime a destinação de 50% dos recursos arrecadados com o bônus de assinatura pagos pelas empresas nos leilões de petróleo sejam direcionados à educação. O governo considera que o dinheiro existente já é suficiente.

4.     Altera o texto sobre o Custo Aluno-Qualidade. Ao invés de estabelecer dois anos para sua implantação, o governo quer este prazo para defini-lo. Ou seja, não existe prazo legal para implantar um padrão mínimo de qualidade, ou dito de outra forma, não teremos padrão mínimo tão cedo em nosso país.

5.     Ainda sobre o CAQ, o novo texto suprime a proposta de que, ao ser implantado, caberia a união complementar financeiramente todos os estados e municípios que não tivessem recursos suficientes para efetivá-lo. É a melhor demonstração de que a intenção não é implantar um padrão de qualidade nos próximos dez anos.

6.     O Substitutivo do governo manteve uma redação que não garante a primazia da educação inclusiva. A redação confusa trata com mesmo peso o direito constitucional de ter oferta de educação inclusiva com a oferta de turmas ou escolas exclusivas.

7.     O texto também não consertou as alterações feitas na Meta 5, que no Senado foram encurtando o prazo para que a alfabetização de nossas crianças se complete, redação que provocará nocivas alterações curriculares nas escolas brasileiras.

8.     A palavra pública também foi retirada da Meta 11. Na Câmara havíamos conquistado que 50% das novas vagas de educação profissional seriam públicas. Hoje 57% são privadas. O governo retirou o termo “pública” e colocou “gratuita” no lugar.

9.     A mesma maldade foi feita na Meta 12, onde havia a garantia de que 40% das novas vagas do ensino superior seriam públicas, mas que agora não haverá nenhuma garantia, podendo perfeitamente continuarmos com 74% das matrículas nas mãos do setor privado.

 

Para não dizer que o voto do governo não avança em nada (acusação que sofrerei com certeza) o senador Vital do Rego não insistiu com a absurda interpretação de que colocar prazo para determinadas obrigações aos entes federados era inconstitucional.

A quarta-feira será tensa e marcada pela vontade do governo de aprovar um PNE que não aumente despesas (afinal o “mercado” pede tal postura todos os dias nos editoriais!) e que esvazie avanços importantes na busca por uma educação pública de qualidade.

Só sei de uma coisa: tal postura deve contar com a aguerrida e decidida oposição de todas as entidades da sociedade civil. É o mínimo que se espera!

 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Vapt vupt


Em declaração logo após a aprovação relâmpago do PNE na Comissão de Educação do Senado, o líder do governo declarou que usariam a sua maioria para aprovar um novo texto no plenário da Casa, usando a mesma sistemática que denunciaram, ou seja, vão derrubar o substitutivo do Senador Álvaro Dias de maneira rápida.

Para ajudar as pessoas no entendimento do processo final de decisão, resumo o que pode acontecer no dia 11 de dezembro:

1. Pelo Regimento Interno tem preferência para votação o substitutivo oriundo da Comissão de mérito, ou seja, o que irá para votação será o texto da Comissão de Educação;

2. O governo, que não concorda com o teor do referido substitutivo, tem dois caminhos regimentais:

a) apresentar um requerimento de preferência para o substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, relatado pelo senador Vital do Rego e elaborado pelo MEC (é o que dizem nos corredores!). Ao conseguir tal intento, o texto-base para emendas passaria a ser o da CCJ; ou

b) votar contra o texto da Comissão de Educação e pedir preferência para uma emenda substitutiva a ser apresentada momentos antes da votação.

 

Tudo indica que o caminho escolhido pelo governo será a opção "b".  É mais fácil aprovar um texto novo, que faça algumas concessões aos movimentos sociais, mudando partes ruins do texto aprovado na Comissão de Educação, mesmo que retire todos os avanços reintroduzidos pelo referido substitutivo e que haviam caído justamente na CCJ. Agindo assim, o governo poderia sustentar o discurso que estava melhorando determinadas metas (a meta 5 por exemplo) e poderia diminuir a resistência ao seu verdadeiro interesse em mudar o texto.

 

O que realmente incomoda o governo no texto aprovado na Comissão de Educação não são os defeitos ali contidos (como no caso da Meta 5 e da Meta 4), mas o fato do relator ter retornado com redações aprovadas na Câmara e que o Palácio do Planalto quer derrubar.

tive informações de que o governo incorporará 48 das 101 modificações feitas pelo relator na C.E.  Mas não se alegrem com esta informação, pois é tipo negociação de greve de professores, de uma pauta de 30 itens o governo sempre anuncia que acatou 20, mas normalmente deixa de fora os 10 pontos que implicavam em impacto financeiro. Aqui a história vai ser parecida. O que o governo retirará do texto com certeza (infelizmente):

1. O dispositivo que direcionada cinquenta por cento dos bônus de assinatura definidos nos contratos de partilha de produção de petróleo e gás natural.

2. O dispositivo que ao triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público.

3. O dispositivo que ao elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior, esta expansão seja de, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas no segmento público.

4. O dispositivo que garante, no âmbito da União, na forma da lei, complementação de recursos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios quando não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.

5. Corremos o risco de ser relativizado também o termo "implantar, no prazo de dois anos da vigência deste PNE, no âmbito do Ministério da Educação e em parceria com a sociedade civil, o Custo Aluno-Qualidade Inicial  (CAQi)" e volte a redação da CCJ que afirmava que neste prazo o CAQ seria apenas definido e quem sabe quando seria implantado.

6. E certamente sumirá do texto qualquer referência a investimento público em educação pública, seja ma meta 20 ou em outras partes do texto.

 

Espero que as entidades da sociedade civil que, com justiça e garra, lutam para garantir direitos fundamentais ameaçados pela redação da Meta 4 e 5, não se encantem com o canto da sereia de concessões pontuais nestes quesitos e acabem reforçando a desfiguração do principal do texto do PNE.

 

Por fim, está previsto começar a votação 14 horas e não 16 horas, como de costume.

 

 

 

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Governo engoliu mosca ou fez corpo mole?


Em uma sessão que durou no máximo três minutos, a Comissão de Educação do Senado aprovou o Substitutivo do Senador Álvaro Dias (PSDB/PR) ao Plano Nacional de Educação - PNE. Agora, com urgência também aprovada, o texto segue para o plenário para votação, a qual deve ocorrer na semana que vem.

Depois de encerrada a sessão, o líder do governo senador Eduardo Braga e o relator na CCJ, senador Vital do Rego chegaram atrasados. Os  senadores da bancada do governo não estavam presentes.

O que realmente aconteceu é difícil de saber, mas aventuro enumerar algumas hipóteses:

1. Ontem o governo pediu tempo pra analisar o relatório com o parecer das mais de 90 emendas apresentadas, sendo esperado que sua bancada estivesse em peso na hora da votação, de preferência desde cedo. A ausência não pode ser explicada somente pela rapidez da votação, posto que era o único ponto de pauta e quem questionava o texto deveria estar presente na hora marcada.

2. A suspeita maior é que o governo tenha feito um jogo de cena, o qual funcionou mais ou menos assim: peço tempo pra pensar, penso e não concordo com o texto ,mas me abstenho de disputar o seu conteúdo na Comissão de educação, guardando minhas fichas pro plenário do Senado.

Entre um casual "comeu mosca" fico com um certo "fez corpo mole". Agindo assim o governo não se desgastou numa votação de resultado incerto e voltará à carga semana que vem no plenário.

E o que o governo quer fazer no plenário?

1. A regra do jogo é que o Substitutivo da Comissão de Educação tenha preferência para a votação no plenário, por ser a comissão de mérito (artigo 300, X, alínea b combinado com o 300, XIV).

2. Porém, pode ser aprovado requerimento de preferência (artigo 311, II do Regimento Interno). O governo vai solicitar que tenha preferência o relatório da Comissão de Constituição e Justiça, o qual contempla os seus interesses.

Resumo da ópera: a batalha do PNE no Senado foi transferida, provavelmente para a semana que vem, mas será no plenário da Casa.

como já afirmei, o governo que fez corpo mole hoje, vai atacar o Substitutivo da Comissão de Educação pelas suas virtudes e não pelos seus defeitos. Cabe a sociedade civil defender as virtudes do referido texto e tentar consertar os seus defeitos, pelo menos os mais gritantes.

Certamente aprovar um texto mais próximo do que saiu da Câmara, depois do que ocorreu no Senado, minimiza os prejuízos.

 

É hoje.


Hoje a tarde deve se encerrar mais uma etapa da via crucis do Plano Nacional de Educação em sua tramitação no Congresso Nacional. A partir de 14:30, na Comissão de Educação do Senado, será votado o Relatório do Senador Álvaro Dias (PSDB/PR).

O que realmente estará em jogo neste votação?

1. Após a aprovação do texto do PNE na Comissão Especial da Câmara dos Deputados ficou claro que tinha ocorrido uma melhoria do texto originalmente enviado pelo governo federal, especialmente no quesito financiamento da educação. No principal embate o governo perdeu, pois foi aprovada redação na Meta 20 que garantia 10% do PIB para a educação pública até o final da vigência do PNE.

2. Além da Meta 20, outros três aspectos deixaram o governo insatisfeito com o resultado na Câmara. Nas Metas 11 e 12 o Substitutivo da Câmara estabelecia percentuais de participação pública nas novas vagas a serem criadas (50% para o ensino profissional e 40% para o ensino superior) e foram introduzidas estratégias colocando o Custo Aluno-Qualidade (CAQ) como referência para a política de financiamento da educação e delegando à União a tarefa de complementar financeiramente estados e municípios que não alcançasse4m este patamar de qualidade.

3. A sociedade civil não viu inseridas no texto várias emendas direcionadas a tornar mais clara a divisão de responsabilidades entre os entes federados, situação que poderá no futuro aumentar a sobrecarga sobre os municípios e dificultar o cumprimento das metas. E haviam insatisfações em algumas metas, especialmente a Meta 4 (debate sobre inclusão dos estudantes com deficiência na rede regular de ensino).

4. A estratégia do governo no Senado foi desfigurar o projeto vindo da Câmara, retirando os avanços econômicos ali registrados. Na Comissão de Assuntos Econômicos, com a relatoria do petista José Pimentel, foram retiradas as referências ao percentual de crescimento público e mudado o critério de cálculo dos 10% do PIB, passando a ser contabilizados não só os gastos públicos na rede pública, mas também tudo que é repassado para a iniciativa privada, seja em forma de subvenção, seja por intermédio de isenções fiscais, bolsas ou subsídios. Com isso, mesmo mantendo a redação com os 10% do PIB, na prática este percentual caiu para algo em torno de 8,5%, na melhor das hipóteses.

5. Na Comissão de Constituição e Justiça, sob a relatoria do Vital do Rego (PMDB) os retrocessos foram consolidados e foram retiradas todas as referências a prazos que constavam do Projeto. Também houve piora na redação da Meta 5 (idade limite pra alfabetizar nossas crianças) e na Meta 4. A redação que permite contabilizar gastos com o setor privado foi "aperfeiçoada".

6. Na Comissão de Educação, pela primeira vez, a relatoria foi ocupada por um membro da oposição conservadora (PSDB), no caso o senador Álvaro Dias. Seu relatório possui virtudes e defeitos. Dentre as virtudes está uma clara retomada dos principais aspectos do texto da Câmara que haviam sido retirados. Destaco o retorno dos percentuais de participação pública nas metas 11 e 12 e do CAQ. Também recolocou a palavra pública no texto da Meta 20.

7. Seu relatório tentou, mas não conseguiu resolver o problema da relação entre o público e privado. Apesar de ter colocado o termo "pública" de volta, a sua nova redação do parágrafo sexto do artigo 5º manteve, mesmo que em caráter excepcional, a possibilidade de contabilizar recursos direcionados para o setor privado durante a vigência do plano. A sinalização é para priorizar o público, mas na prática autoriza repassar e contabilizar tudo que é direcionado para o setor privado.

8. Existem outros problemas, especialmente na Meta 4 e 5, mas seu relatório será atacado pelas sua virtudes e não pelos seus defeitos.

Existe uma enorme dúvida sobre os motivos do adiamento de ontem para hoje da votação. Pode ser que o governo queira negociar e o relatório saia um pouco melhor do que os textos aprovados nas comissões anteriores. pode ser que use o tempo apenas para arregimentar votos para derrotar as virtudes do texto.

Pro bem e pro mal a dúvida acaba no início da tarde.

domingo, 24 de novembro de 2013

Desafios da Conae 2014 - 1ª parte


Após quatro anos da realização da I Conferência Nacional de Educação – CONAE e finalizado o processo de escolha das delegações dos estados, cabe refletir sobre os principais desafios da próxima Conae, que se realizar no início do ano que vem.

Com este post início uma série destinada a estimular esta reflexão, tendo como foco o eixo de financiamento da educação.

E começo comentando uma das propostas que consta do Documento Referência. Abaixo reproduzo o seu teor:

Redefinir o modelo de financiamento da educação, considerando a participação adequada dos diferentes níveis de governo (federal, estaduais, distrital e municipais) conforme sua capacidade arrecadatória.

 

Desde a promulgação da Constituição de 1891 que somos formalmente uma República Federativa e desde 1988 que nossa Carta Magna reconhece três entes federados: a União, os Estados e os Municípios. Como parte das características atípicas da formação de nossa federação, o que muitos autores denominam de natureza particular de nosso federalismo, convivemos com enormes assimetrias entre regiões, dentro de cada região e entre estados e municípios.

Quanto mais assimétrica é a federação, mais relevante é o papel equalizador que deve ser desenvolvido pela União, ente federado que possui a capacidade de alocar recursos para mitigar as desigualdades provocadas por desenvolvimentos econômicos distintos.

A participação da União no fundo público nacional, ou seja, o quantitativo de recursos que são arrecadados dos cidadãos e que ficam nas mãos deste ente federado é significativo, garantindo alta capacidade de incidência na efetivação de políticas públicas, sejam elas para criar infra estrutura para o desenvolvimento econômico de dada região, seja para impulsionar programas sociais.

Por outro lado, nossa federação manteve características contraditórias no que diz respeito a distribuição de responsabilidades. De um lado, houve uma descentralização de responsabilidades, processo que levou ao reconhecimento do município como ente federado, por exemplo. De outro, a União manteve sua capacidade de regular as políticas públicas, ficando dotada de competências para legislar nacionalmente sobre regras tributárias e sobre formato das principais políticas sociais.

A educação é exemplar deste processo. É uma política pública muito descentralizada em termos de responsabilidades, mas ao mesmo tempo, a União tem poder regulador muito significativo. O exemplo mais lapidar desta característica foi a aprovação das Emendas Constitucionais nº 14 (Fundef) e nº 53 (Fundeb), textos que interferem na forma como os recursos pertencentes aos estados e municípios devem ser utilizados e que dispositivo proposto pela União regulou.

O texto da Conae expressa uma constatação: há um desequilíbrio na distribuição das responsabilidades e recursos para o provimento dos serviços educacionais. E a atual distribuição não levou em consideração a capacidade arrecadatória de cada ente, provocando uma sobrecarga de atribuições para os municípios e provocando precarização e/ou ausência da prestação dos serviços.

O último dado disponível sobre o assunto (2009) mostrava que a União contribuía com apenas 20% dos recursos alocados na educação pública, mesmo que abocanhasse 57% do fundo público. E este quadro não teve melhoras muito significativas nos últimos quatro anos.

O desafio pode ser resumido da seguinte forma: é necessário reconstruir o modelo de financiamento da educação, de maneira que as responsabilidades educacionais estejam mais consonantes com a capacidade de cada ente federado. E isto só é possível se for rediscutido o papel constitucional atribuído à União e revisto o processo de municipalização excessiva vivenciado nas décadas de 90.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Parecer retoma conquistas do PNE


Sinal dos tempos (confusos em termos ideológicos).

Amanhã será lido o parecer do senador Álvaro Dias (PSDB/PR) ao Projeto de Lei que institui o novo Plano Nacional de Educação (PNE). Será às 11 horas na Comissão de Educação do Senado. Deve ser dado vistas de uma semana e é quase certo que seja votado na terça-feira 26.11 e seguir para o plenário do Senado.

Depois da aprovação de dois relatórios que suprimiram partes importantes das conquistas arrancadas pela sociedade civil na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, o Substitutivo apresentado pelo atual relator é uma grata surpresa.

De maneira resumida, o que o Substitutivo apresenta?

1.            estabelece que os estudos de monitoramento do PNE apresentem dados desagregados por ente federado.

2.            Retoma a palavra “pública” no parágrafo 3º do artigo 5º (muito importante)

3.            Duas novas fontes de financiamento para a educação são inseridas: parcela da participação no resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e gás natural, e cinquenta por cento dos bônus de assinatura definidos nos contratos de partilha de produção de petróleo e gás natural.

4.            A Evolução dos gastos constará de relatório dos Tribunais de Contas e de mensagem anual da Presidência da República.

5.            Retoma a previsão de conferências municipais e estaduais anteriores a Conae, da forma como havia sido aprovado na Câmara

6.            Cria instância de pactuação federativa (parágrafo 6º do artigo 7º).

7.            Volta com o prazo de um ano para planos estaduais e municipais.

8.            Estabelece que a elaboração dos planos será condição para recebimento de ajuda voluntária do governo federal.

9.            Retoma prazo para envio do novo PNE pela União, quesito que havia sido suprimido pela CCJ do Senado.

10.         Retoma prazo de dois anos para lei do Sistema Nacional de Educação.

11.         Melhora na redação da meta 6, garantindo que tempo integral signifique também ampliação de conteúdos de aprendizagem.

12.         Estabelece obrigação de formulação de diretrizes pedagógicas nacionais, construídas por pactuação interfederativa.

13.         Incorporou reivindicação do pessoal do campo, permitindo desenvolvimento de modelos alternativos de atendimento escolar para a população do campo, que considerem as especificidades locais e as boas práticas nacionais e internacionais relacionadas à multisseriação e à pedagogia da alternância.

14.         Retorna com a obrigação de 50% de matriculas públicas na expansão do ensino profissionalizante.

15.         Retorna com a obrigação de 40% de matrículas públicas na expansão do ensino superior.

16.         Retoma redação mais afirmativa da formação inicial superior para o magistério.

17.         estabelece que cumprir o piso salarial do magistério passa a condicionar repasses federais aos estados e municípios.

18.         Retoma a palavra pública na meta 20, mesmo com a ressalva confusa da nova redação do parágrafo quinto e sexto.

19.         Redação interessante dando prazo de um ano da publicação deste PNE, lei que defina a participação percentual mínima da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios no incremento de verbas destinadas à educação para o alcance da meta de ampliação progressiva do investimento público em educação pública.

20.         Retoma o termo implantar para o CAQI (que havia se transformado em estabelecer).

 21.        Retoma complementação da união para o CAQI.

22.         Redação que define critérios para distribuição dos recursos adicionais dirigidos à educação ao longo do decênio, que considerem a equalização das oportunidades educacionais, a vulnerabilidade socioeconômica e o compromisso técnico e de gestão do sistema de ensino, a serem pactuados na instância prevista no § 5º do art. 7º desta Lei.

 

Nem tudo é perfeito e tenho algumas discordâncias pontuais com o texto, especialmente com a nova redação da meta sobre alfabetização e sobre a transitoriedade do financiamento do setor privado, mas a linha mestra do Substitutivo é a retomada das conquistas obtidas na Câmara. Isto é bem claro.

Iniciei este post falando de sinal dos tempos. Tendo sido um dos fundadores do PT (mesmo que de lá tenha saído em 2005), é paradoxal ter visto as conquistas da sociedade civil terem sido suprimidas no Senado pelo relator petista e retornarem no Substitutivo do PSDB. O mundo anda mesmo muito confuso nos últimos tempos...

Claramente o relator tucano quer fazer um contraponto com o governo. Porém, independentemente de suas intenções o seu parecer é um passo à frente na luta por um plano nacional de educação que incida positivamente na alteração do caos educacional.

Caso sua estratégia dê certo (o governo vai tentar derrubar seu substitutivo), o senador Álvaro Dias terá aproveitado a chance de ser lembrado na história da educação, coisa que os senadores Vital do Rego e José Pimentel e o deputado Ângelo Vanhoni desperdiçaram.

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Sociedade civil exige retratação


CARTA ABERTA AO SENADO FEDERAL
EM REPÚDIO À DECLARAÇÃO PREOCONCEITUOSA
DO SR. CLAUDIO DE MOURA CASTRO

Brasil, 28 de outubro de 2013.

As entidades e movimentos da sociedade civil que participam dos debates para construção do novo Plano Nacional de Educação (PNE), desde a I Conae (Conferência Nacional de Educação, 2010), manifestam seu repúdio e exigem retratação pública à “proposição” desrespeitosa apresentada pelo Sr. Claudio de Moura Castro, em audiência pública realizada no dia 22 de outubro de 2013, na Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado Federal.

Na ocasião, buscando reforçar seu argumento de que o PNE é inconsistente devido à participação da sociedade civil, o referido expositor sugeriu, em tom de deboche, que sua proposta ao plano seria oferecer “um bônus para as ‘caboclinhas’ de Pernambuco e do Ceará se casarem com, se conseguirem casar com os engenheiros estrangeiros, porque aí eles ficam aumenta o capital humano no Brasil, aumenta a nossa oferta de engenheiros” (sic).

Preconceituosa, a “proposição” é inadmissivelmente machista e discriminatória. Constitui-se em uma ofensa às mulheres e à educação brasileira, inclusive sugerindo a subjugação das mesmas por estrangeiros. Além disso, manifesta um preconceito regional e racial inaceitável, especialmente em uma sociedade democrática. Entendemos que a diversidade de opiniões não pode significar, de forma alguma, o desrespeito a qualquer pessoa ou grupo social.

Compreendemos ainda que tal manifestação representa um desrespeito ao próprio Senado Federal, como Casa Legislativa que deve ser dedicada ao profícuo debate democrático, pautado pela ética e pelo compromisso político, orientado pelos princípios da Constituição Federal de 1988 e de convenções internacionais sobre Direitos Humanos. A elaboração do PNE, demandado pelo Art. 214 da Carta Magna, não deve ceder à galhofa, muito menos quando preconceituosa.

Por esta razão, os signatários desta Carta esperam contar com o compromisso dos e das parlamentares em contestar esse tipo de manifestação ofensiva aos brasileiros e às brasileiras. Nesse sentido, esperamos as devidas escusas do Sr. Claudio de Moura Castro, que com seus comentários discriminatórios desrespeitou profundamente nossa democracia e a sociedade.

 

Movimentos e entidades signatárias (por ordem alfabética):

ABdC (Associação Brasileira de Currículo)

Ação Educativa - Assessoria, Pesquisa e Informação

ActionAid Brasil

Aliança pela Infância

Anfope (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação)

Anpae/DF (Associação Nacional de Política e Administração da Educação – Distrito Federal)

Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)

Assopaes (Associação de Pais de Alunos do Espírito Santo)

Auçuba Comunicação Educação

Campanha Nacional pelo Direito à Educação

CCLF-PE (Centro de Cultura Luiz Freire – Pernambuco)

Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade)

Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

Contee (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino)

Escola de Gente - Comunicação e Inclusão

Fineduca (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)

Flacso Brasil (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais)

Fojupe (Fórum das Juventudes de Pernambuco)

FOMEJA (Fórum Mineiro de Educação de Jovens e Adultos)

Fóruns de Educação de Jovens e Adultos do Brasil

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Geledés - Instituto da Mulher Negra

Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos)

IPF (Instituto Paulo Freire)

Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

Mova Brasil (Movimentos de Alfabetização de Jovens e Adultos do Brasil)

Movimento Mulheres em Luta do Ceará

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

Omep/Brasil/RS – Novo Hamburgo (Organização Mundial Para Educação Pré-Escolar)

RedEstrado (Rede Latino-americana de Estudos Sobre Trabalho Docente)

Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos

Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação).

Unipop (Instituto Universidade Popular)

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

As caboclinhas e o preconceito das elites


Normalmente nos espaços institucionais as falas de convidados e autoridades são comedidas e muitas vezes beiram a falsidade. Porém, em raros momentos, em um deslize ou um gracejo, a máscara cai.

Uma das figuras mais conservadoras do jornalismo educacional é, sem sombra de dúvida, o senhor Cláudio Moura Castro. Está sempre disposto a falar as piores diabruras contra os professores, contra os sindicatos, contra qualquer proposta inovadora.

Ontem (22.10) este senhor desferiu todo seu ódio contra o Plano Nacional de Educação m tramitação. Sua queixa é que a sociedade civil está influenciando demais o texto, o qual deveria ser redigido por um grupo de notáveis (ele incluído, obviamente), o que evitaria a incorporação no texto de concessões a estes segmentos de ideias atrasadas.

Pois bem, em determinado trecho, este senhor afirmou que apresentaria a sua proposta para aumentar o "capital humano" em nosso país. Bastaria o governo pagar um bônus para as "caboclinhas" cearenses e pernambucanas para que as mesmas casassem com os engenheiros estrangeiros que estão migrando para estes dois estados, devido a falta de mão-de-obra nacional para setores de extração do petróleo.

Quem são as caboclinhas referidas por este senhor? Todas as mulheres pobres e com baixa escolaridade que vivem no Nordeste. Elas seriam as culpadas por não termos a escolaridade europeia ou americana.

Qual a forma de resolver este problema na visão deste senhor? Importar civilização, ou seja, oferecer nossas mulheres como gueixas ou prostitutas para técnicos estrangeiros civilizados, que portadores de alta escolaridade, ficariam aqui devido a engenhosa estratégia governamental (pagamento de bônus para que as mulheres segurassem os estrangeiros em território nacional) e ajudariam a mudar a visão do povo inculto.

Qualquer semelhança com o olhar do dono do engenho (desde a Casa Grande) para seus escravos (na Senzala) não é mera coincidência. É recorrente o olhar preconceituoso da elite local perante as dificuldades do povo brasileiro.

Acho que pessoas da estirpe do Cláudio Moura Castro vivem o drama de serem elite e terem nascido em um país do terceiro mundo, periférico e cheio d pobres por todos os lados. Não tendo força pra exterminá-los, se isolam em condomínios de luxo, compram casas em Miami, mandam seus filhos estudar na Europa ou nos EUA (procedimento que vivenciamos desde o Brasil Colônia) e arrotam soluções higienizadoras contra a pobreza.

São estas elites que abominam as cotas e chamas médicas cubanas de empregadas domésticas ou de escravas.

O que reforça a permanência e o prestígio de personalidades deste tipo é a falta de reação pública e institucional nos momentos em que as mesmas são sinceras e, em tom jocoso, revelam sua verdadeira visão sobre o povo brasileiro.

Meus avós vieram do Nordeste e foram para o Norte na época do esforço de guerra e da produção da borracha. Meu avô nunca aprendeu a ler e meu pai completou os estudos no Projeto Minerva. Hoje dou aula na UnB e estou terminando o doutorado na USP e sei que o esforço e a dedicação deles me ajudaram a chegar onde cheguei. Se o Estado Brasileiro não tivesse expandido a cobertura da escola pública eu não teria chegado onde cheguei.

Não sei vocês que agora estão lendo este post, mas eu fiquei muito indignado com esta manifestação preconceituosa com os nordestinos, com as mulheres e com o povo brasileiro tão sofrido. Se quase 30 milhões de brasileiros são considerados analfabetos funcionais e se 14 milhões nunca sentaram num banco escolar, certamente a culpa é também desta elite que nos governa desde tempos idos.

Vejam a fala preconceituosa deste senhor: http://www.youtube.com/watch?v=Lvbks5tXeSU
 

sexta-feira, 18 de outubro de 2013

Alerta aos gestores da educação


No dia 7 de maio de 2013 foi publicada a Portaria Interministerial nº 4, que redefiniu os valores de repartição dos recursos do Fundeb para o corrente ano. A estimativa governamental era de que seriam depositados por estados e municípios um montante de R$ 107.127.393,50. A União, por obrigação legal deveria depositar 10% deste valor, ou seja R$ 10.712.739,35, porém 10% deste valor fica reservado para complementar o piso salarial do magistério, coisa que nunca acontece. Assim, a Portaria estipulou um repasse de R$ 9.641.465,40. Somando os dois valores o montante de recursos que deveriam circular em 0213 nos fundos estaduais seria de R$ 116.768.858,90.

Comparando com o realizado em 2012, a projeção feita pelo governo era de um crescimento de 13,8% de depósitos estaduais e municipais no fundo, ou seja, foi estimado um crescimento muito alto da arrecadação de impostos.

De lá pra cá a economia vem patinando e o governo federal vem fazendo as suas costumeiras isenções fiscais. Se cada isenção pode aliviar as finanças do segmento empresarial contemplado, ela tira dinheiro da educação e dos cofres públicos.

Analisei o recurso arrecadado e redistribuído via o Fundeb até o mês de setembro e comparei com igual período de 2012, ou seja, comparei nove meses de 2012 contra nove meses de 2013. E o que encontrei? Um crescimento de apenas 8,0%.

Faltando três meses para fechar o ano e não se vislumbrando nos indicadores econômicos surpresas positivas (retomada forte do crescimento no terceiro trimestre do ano, o que levaria a crescimento das receitas de impostos no último trimestre), tudo indica que a arrecadação projetada para o Fundeb não se realizará.

E o que isso quer dizer? Que o recurso previsto para cada estado e para cada município, que constam dos anexos da referida Portaria não se realizarão.

A redução não será igual em todos os fundos estaduais. Depende do desempenho da arrecadação de cada fundo, mas que cairá como regra isso não tenho dúvidas. Dou um exemplo para ilustrar o problema: projetando a partir dos meses realizados no fundo estadual do Amapá já podemos projetar que a receita do Fundeb de Macapá, por exemplo, não alcançará os R$ 98.032.675,57 previstos. Deve ficar em algo em torno de R$     91.626.417,05.

Alerto para que gestores estaduais e municipais não façam conta com recursos que não serão arrecadados efetivamente.

E, como já alertei anteriormente, esta queda de arrecadação terá desdobramentos no volume de recursos disponibilizados via complementação pela união e impactará negativamente o valor mínimo por aluno dos fundos que a recebem. Ou seja, o valor mínimo será menor do que o projetado.

Como a variação do piso salarial nacional é atualmente o produto da variação entre o valor mínimo por aluno dos dois anos anteriores (2013 sobre 2012), este também será afetado. Já alertei para este fato no dia 2 de outubro.

É cada vez mais evidente que o governo federal baixará uma nova portaria interministerial nos últimos dias de dezembro. E esperar para ver a publicação.

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

Homenagem ao dia do professor


PNE na reta final


A promessa do Senado Federal é que o Plano Nacional de Educação seja aprovado pelo plenário ainda no mês de novembro e volte para a Câmara dos Deputados para, quem sabe, ainda ser apreciado este ano.

No momento o PLC nº 103/2012 se encontra na Comissão de Educação, onde o relator é o senador Álvaro Dias. A referida Comissão realizou duas audiências públicas para instruir a matéria. Vale lembrar que a Comissão de educação é a de mérito e seu relatório tem preferência para votação no plenário sobre os dois anteriores (CAE e CCJ).

 

A 1ª Audiência Pública de Instrução contou a presença do professor José Marcelino de Rezende Pinto, presidente da Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da, Educação - FINEDUCA, do sociólogo Daniel Cara, coordenador-geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, do senhor Sergei Suarez Dillon Soares, chefe de Gabinete da Presidência do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada e de Priscila Cruz, diretora executiva do Movimento Todos Pela Educação.

 

A 2ª Audiência Pública de Instrução contou com a presença dos gestores do sistema educacional brasileiro. Estavam lá a professora Leuzinete Pereira da Silva, representante do Conselho Nacional de Secretários de Educação, o senhor José Henrique Paim Fernandes, secretário executivo do Ministério da Educação, o professor Luiz Dourado, conselheiro do Conselho Nacional de Educação e da professora Cleuza Rodrigues Repulho, presidente da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação.

 

Depois de dois desastrosos relatórios aprovados nas comissões anteriores, há um sentimento de que o PNE tem tudo pra sair do Senado pior do que chegou da Câmara. Nas duas audiências realizadas ficaram claras as principais polêmicas:

1º. A principal polêmica está na redação da Meta 20, pois durante a tramitação do Senado o termo "pública" foi subtraído do texto e o governo conseguiu aprovar na CAE e CCJ redações que mantém a destinação de 10% do PIB, mas aumenta a base de cálculo para incluir todos os recursos públicos repassados para a área privada, tanto os programas federais quanto estaduais e municipais. O embate é pra voltar a redação da Câmara e impedir a manutenção de parágrafo inserido no Senado que legaliza a diminuição do montante de verbas para a área pública.

2º. A segunda polêmica se localiza na retirada dos percentuais de participação pública na expansão do ensino profissionalizante e no ensino superior, medida que guarda toda a coerência com a mudança de redação da meta 20. Na verdade, a intenção do governo é privilegiar parcerias com setor privado para cumprir as metas de acesso constantes do plano.

3º. O substitutivo aprovado na CCJ, partindo de uma visão tacanha de federalismo, retirou do texto do PNE inúmeros prazos previstos no texto que veio da Câmara. Assim, ficou sem prazo a confecção dos planos estaduais e municipais de educação, a elaboração de planos de carreira, o envio do PNE pra próxima década e a implantação da gestão democrática. um retrocesso imenso.

4º. Uma fraqueza do texto da Câmara nem foi enfrentado pelo Senado. Refiro-me a falta de materialização da participação de cada ente federado nas metas e na alocação de recursos financeiros para viabilizá-las.

5º. E foi introduzida uma nova polêmica no que diz respeito a redação da Meta 4, quando durante a tramitação no Senado foi construída uma redação que faz novas concessões aos segmentos contrários a generalização de uma escola inclusiva em nosso país.

As entidades e especialistas deixaram transparente a necessidade de que o relatório de mérito da Comissão de Educação mantenha as conquistas obtidas na Câmara e aperfeiçoe o Plano Nacional de Educação.

Vamos acompanhar.

 

 

 

quarta-feira, 2 de outubro de 2013

O piso e os ajustes de final de ano


Todo ano é a mesma ansiedade. Faltando três meses para 2013 terminar e estados e municípios tendo que enviar suas propostas orçamentárias para os legislativos, vem a pergunta: qual será o percentual de correção do valor do piso salarial nacional do magistério?

Ano passado, quando o peru natalino já estava no forno, o MEC revisou os números de receita do Fundeb e puxou pra baixo o percentual de correção do piso. Seu valor ficou em R$ 1.566,64, depois de aplicada uma correção de 7,97%, um pouco acima da inflação anual, que fechou em 5,84%.

A Portaria 04/2013 revisou os números projetados de receita dos fundos estaduais e aponta para uma correção de 19% no valor do piso para janeiro do ano que vem. Caso isso se confirme o piso chegaria a  R$ 1.864,30.

Acontece que novamente os governadores estão se mobilizando (e os prefeitos também) e pressionando o MEC para mudar as regras do jogo. E quais são as propostas colocadas sobre a mesa neste momento?

1º. Os gestores estaduais e municipais e a CNTE teriam fechado um acordo ainda o ano passado para alterar a redação da Lei nº 11.738 de 2008. A nova regra passaria a ser a seguinte: reajuste baseado na inflação mais 50% do crescimento das receitas vinculadas ao Fundeb. Caso a inflação fosse 5% e o crescimento 7%, a correção do piso seria de 8,5%.

2º. A imprensa noticiou que os vinte e sete governadores entregaram proposta de mudança que seria a seguinte: reajuste baseado na inflação mais 50% do crescimento das receitas vinculadas ao Fundeb, mas descontada a inflação do índice de crescimento. Ou seja, se a inflação for 5% e o crescimento 7%, seria somados os 5% mais metade de 2% (descontada a inflação), ou seja, o reajuste seria de 6%.

3º. Há ainda a possibilidade da edição novamente de uma portaria revisando os valores de receita e os aproximando do efetivamente realizado, puxando novamente para baixo o valor.

Vamos então ver as hipóteses mais prováveis.

1. Analisei o comportamento das receitas do Fundeb até setembro e projetei o crescimento provável. A previsão atual apontava para um crescimento de 13,8% em relação a 2012 e uma variação do valor mínimo por aluno de 19%. Até agora o crescimento chegou a 7,57%, bem abaixo do percentual estimado. Tal comportamento aponta para uma queda também no valor mínimo por aluno, que em termos proporcionais chegaria a algo em torno de 10,6%.

2. A última estimativa do Banco Central para a inflação de 2013 é de 5,8%.

Com estas informações é possível construir quatro cenários prováveis de correção do piso:

a) Manutenção das portarias atualmente em vigor e reajuste de 19%. O piso passaria para R$ 1.864,30. É um cenário muito improvável, mesmo que fosse o melhor para o magistério. O ganho real seria de 13,2%.

b) Publicação de nova portaria e redução da correção para 10,6%, levando o piso para R$ 1.732,70. Isto representaria um ganho real de 4,8% percentuais, mas encontrará resistência de governadores e prefeitos;

c) Aprovação pelo Congresso Nacional de alteração na legislação, tendo por base a proposta das entidades. Com isso se somaria a inflação (5,8%) com 50% do crescimento da receita (50% de 7,57%= 3,8%) e teríamos um reajuste de 9,6% e o piso chegaria a R$ 1.717,04. Seria um ganho real de 3,8%.

d) Aprovação pelo Congresso Nacional de alteração na legislação, tendo por base a proposta dos governadores. Com isso se somaria a inflação (5,8%) com 50% do crescimento da receita, descontada a inflação (7,57% menos 5,8% = 1,8% e metade seria 0,9%) e teríamos um reajuste de 6,7% e o piso chegaria a R$ 1.671,60. Seria um ganho real de 0,9%. Obviamente que esta proposta encontrará resistência dos trabalhadores em educação.

 

A instabilidade precisa ser resolvida, mas a solução não pode descuidar da Meta do PNE em discussão, ou seja, o Brasil pretende equiparar os salários médios dos professores da educação aos salários médios recebidos por outros profissionais com igual qualificação. Hoje, os salários dos docentes representam apenas 62% do recebido pelos demais profissionais.

E, obviamente, é necessário que se estabeleça qual regime de colaboração irá garantir complementação de recursos para estados e municípios que comprovarem a impossibilidade de honrar o compromisso.

Infelizmente não tenho sentido disposição real de construir tal solução. As alternativas continuam sendo medidas paliativas no final de cada ano.

Vamos ver o que dezembro reserva para o magistério e para os gestores.

 

sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Resposta da CNTE aos meus comentários

Hoje pela manhã publiquei post refletindo sobre posicionamento da CNTE. E hoje à tarde recebi a resposta abaixo, a qual democraticamente publico neste espaço.
 
 
Fronteiras são diluídas desde o Fundeb, com posição contrária da CNTE

 

Em resposta aos comentários do companheiro de luta Luiz Araújo, veiculados em seu blog pessoal, condenando a negociação da CNTE e de entidades da sociedade com o MEC em torno das exceções à meta 20 do PNE, destacamos o seguinte para o debate público:

1.      As resoluções congressuais da CNTE tornam pública sua posição sobre a defesa do financiamento público para a escola pública, embora os mesmos documentos excetuem posições favoráveis da Entidade a programas que promovam o acesso de estudantes a níveis e modalidades de ensino com baixa capacidade de atendimento público, a exemplo do Prouni.

2.      É importante registrar, no contexto de invocações a Florestan Fernandes, que não foi a CNTE e o movimento sindical que inauguraram a flexibilização do princípio da destinação das verbas públicas para a educação pública. Não obstante a Constituição Federal prever essa condição em seu art. 213, por ocasião da aprovação do Fundeb, em 2007, a CNTE foi derrotada – inclusive com votos de parlamentares de partidos ditos mais à esquerda – em sua tentativa de não permitir que os recursos do Fundo se destinassem às creches e às escolas de educação especial conveniadas (privadas).

3.      Desde o advento do Fundeb, no entanto, a CNTE passou a atuar na perspectiva de conter ao máximo a diluição de um princípio tão caro para quem defende e trabalha na escola pública. Cientes dos limites (justos e injustos) de prefeitos e governadores que não ampliam matrículas na rede pública (creches e ensino médio, em especial técnico-profissional) mesmo com o reforço do Fundeb, bem como do largo tempo que se fará necessário para que as universidades públicas absorvam a enorme demanda de estudantes egressos do ensino médio, passamos a combinar as estratégias de expansão da rede pública com o atendimento conveniado, que deve ser temporal e estritamente demarcado.

4.      Portanto, a CNTE não abre mão de recuperar o teor das metas 11 e 12 do substitutivo de PNE aprovado na Câmara dos Deputados, embora, infelizmente, a Entidade não tenha conseguido evoluir nas negociações com o MEC sobre esses e outros pontos que retrocederam nos pareceres aprovados pelas duas comissões temáticas do Senado. Nosso foco, como dito, é não deixar que a expansão das matrículas se dê somente pelo setor privado, como quer a maioria dos Executivos, pois isso representaria tudo de pior que poderia acontecer para a nossa luta em defesa da educação pública.

5.      Neste sentido, longe de ser uma ação de ator social desavisado, a estratégia da CNTE tem como norte a consecução das metas da Emenda Constitucional 59, via ampliação das matrículas públicas ano a ano; assim como o cumprimento efetivo do piso do magistério numa estrutura de carreira próspera e não apenas economicista, como alguns municípios e estados tentam implantar e que em nada contribuirá para a valorização dos educadores e a melhoria da qualidade da educação.

6.      Todos reconhecem que a disputa do PNE no Senado está desfavorável para os movimentos sociais, e a emenda ao art. 5º, § 5º do PLC 103/12 representou uma ação para evitar a manutenção do texto aprovado na CAE-Senado, que escancarava o repasse público para a iniciativa privada de todas as matrículas dos níveis básico e superior, inclusive na forma de vouchers. A CNTE tem lado, lê a conjuntura e por isso mesmo não vende a ilusão de paraísos próximos e facilmente alcançados.

7.      A posição da CNTE em relação aos substitutivos até agora aprovados no Congresso, caso a Comissão de Educação, Cultura e Esporte do Senado não corrija os retrocessos impostos ao texto da Câmara dos Deputados, será pela manutenção da maior parte deste, com exceção dos poucos avanços promovidos pelos senadores, a exemplo da meta 16 que inseriu os funcionários da educação nas políticas de formação inicial e continuada.

8.      Ao longo de sua trajetória, independente das forças políticas que estiveram à frente da Direção Executiva, a CNTE pautou-se por deliberações democráticas da maioria de seus sindicatos filiados, e o diálogo com os parceiros sociais e com os Poderes constituídos sempre foi franco e transparente. Não autorizamos ninguém a falar por nós – e esse foi o espírito da nota pública divulgada no dia 25/9 – como também não nos sentimos no direito de falar pelos outros. Por isso, fica a critério das entidades que participaram do processo de negociação do art. 5º, § 5º do PLC 103/12, junto com o MEC, de se manifestarem ou não.

 
Saudações sindicais,

 Roberto Franklin de Leão