quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Crônica de uma morte anunciada


 

O título deste post é uma homenagem a um dos livros de Gabriel Garcia Márquez que mais gostei de ler. Todos sabiam que o personagem principal iria morrer, menos ele.

Ontem (já passa de meia-noite) foi publicado no Diário Oficial da União (http://pesquisa.in.gov.br/imprensa/jsp/visualiza/index.jsp?jornal=1&pagina=24&data=18/12/2013) a Portaria Interministerial nº 16, que recalculou o valor mínimo por aluno do Fundeb, estabelecendo que passou a ser de R$ 2.022,51.

Pela segunda vez, faltando poucos dias pra finalizar o ano, o MEC “atualiza” a projeção de receita do fundo e, assim agindo, republica valores próximos do que será efetivado no ano. E isto sempre é feito para atender aos reclamos dos governadores e prefeitos para que o piso salarial nacional do magistério fiquei dentro de patamares “razoáveis”, pelo menos para os interesses dos gestores.

Caso a referida portaria não fosse publicada a correção do piso seria de 19%. Com a presente publicação a correção em 2014 cairá para 8,32%. Ou seja, o novo piso salarial nacional será de apenas R$ 1697,00.

Tempos atrás fiz um cálculo mostrando que para que a Meta 17 do futuro Plano Nacional de educação seja cumprida nos próximos dez anos será necessário que, pelo menos, o valor do piso do magistério seja corrigido em 5% acima da inflação todos os anos. Da forma que foi feito pelo MEC o reajuste de 2014 será apenas 2,5% acima da inflação. Assim, mesmo antes de ser aprovado o PNE, atitudes ministeriais vão o tornando letra morta.

Já vi que a CNTE, entidade representativa dos trabalhadores em educação, publicou nota repudiando tal atitude (http://www.cnte.org.br/index.php/comunicacao/noticias/12964-pelo-valor-do-piso-cnte-convoca-mobilizacao-para-inicio-do-ano-letivo.html). A possibilidade de ocorrer reações fortes contra esta manobra são concretas.

É interessante que tal decisão acontece um dia após o Senado Federal aprovar um Substitutivo medonho de Plano Nacional de Educação, que desresponsabiliza a União no financiamento da educação básica. Parece que os dois fatos guardam profunda coerência.

Ah... o governo conseguiu ser mais pessimista do que meus cálculos e jogou a estimativa de receita mais pra baixo do que meus dados haviam conseguido perceber.

Voltando ao querido Garcia Márquez, este é mais um elemento comprobatório de que a Meta 17 tem tudo para repetir a trajetória do famoso personagem Santiago Nasar.

quinta-feira, 12 de dezembro de 2013

Mal a conta gotas


Em tempos idos Maquiavel aconselhou os governantes de sua época a fazerem o mal de uma vez só e o bem deveria ser feito a conta gotas. A ideia era diminuir as resistências quando precisassem aplicar medidas impopulares e render ao máximo os efeitos de medidas positivas.

Quando sai do plenário do Senado Federal ontem a noite, após o adiamento da votação do plano Nacional de Educação para a próxima terça-feira (17 de dezembro), fiquei com a impressão de que o governo e sua base parlamentar tenta reinventar o conselho do Maquiavel, pois na tramitação do Senado o mal tem sido feito a conta gotas e o bem está difícil de encontrar pelo menos uma gotícula sequer.

É preciso explicar em primeiro lugar por que não foi votado no dia de ontem. De forma sintética e relatando um pouco dos bastidores o que aconteceu foi o seguinte:

1. Estava escrito nas estrelas que o governo usaria a sua folgada maioria para rejeitar o Substitutivo aprovado na Comissão de Educação. Para isso foi apresentada uma Emenda Substitutiva de Plenário, assinada pelo senador Vital do Rego, que retomava basicamente o texto aprovado na CCJ, recuando na supressão dos prazos e incorporando mudanças feitas na Comissão de Educação, mas que não eram vinculadas nem a aumento de recursos, nem a maior responsabilização da União no cumprimento das metas e estratégias.

2. Durante a tarde começou a ser costurado um acordo entre governo (PT/PMDB) e o PSDB. Basicamente o acordo significava um recuo do relator da CE, senador Álvaro Dias, que aceitaria os principais pontos da Emenda de Plenário e, em troca, seria o relator de plenário. Para os interesses dos que lutam por um PNE pra Valer o referido acordo era desastroso, retirando todos os pontos retomados na CE e que estavam presentes no texto aprovado na Câmara.

3. Estava claro que o interesse do governo era, essencialmente, garantir no texto a destinação de recursos públicos para o setor privado (especialmente para Pronatec, Prouni e Fies), retirar toda referência a amaldiçoada palavra "pública", retirar percentual de crescimento público na Meta 11 (ensino profissionalizante) e Meta 12 (ensino superior) e retirar a possibilidade de que a União complemente o Custo Aluno Qualidade no futuro.

4. Presenciei o diálogo do senador Álvaro Dias (PSDB/PR) e do senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP). Seu relato envergonhado do acordo firmado foi esclarecedor do texto que viria. Depois presenciei a pressão do senador do PSOL (pré-candidato a presidente) sobre o senador Aécio Neves (pré-candidato também) para que o acordo fosse desfeito. Não sei se foi isso que determinou, mas o fato é que o PSDB mudou de ideia e desfez o acordo.

5. Foi nomeado o senador Eduardo Braga (PMDB/AM), líder do governo, para relatar a matéria e como previsto, acatou a Emenda governista, introduzindo algumas pequenas modificações (para não dizer que não mudou nada). Basicamente o relator pediu pra que seja aprovado a Emenda n] 04, apresentada pelo senador Vital do Rego, cujos pontos principais já comentei anteriormente - Governa vai jogar pesado (e contra o povo),

6. O texto governista só não foi votado ontem por que havia sido marcada uma confraternização entre os senadores, promovida pelo austero Renan Calheiros e, certamente a continuidade da votação esfriaria as iguarias do referido jantar.

Na terça-feira o governo vai aprovar o que quer, vai enviar para a Câmara um texto pior do que recebeu.

O atraso de ontem tem um efeito colateral imprevisível: o PNE somente será votado na Câmara no ano que vem, lá pelos idos de fevereiro. E irá coincidir com a realização da II Conferência Nacional de Educação, evento que irá reunir centenas de delegados eleitos em encontros municipais e estaduais. Ou seja, a pressão contra as maldades governamentais irá aumentar.

Da mesma forma que para Maquiavel, o governo trata a vontade popular como um problema a ser contornado. Falta combinar este jogo com o povo.

sábado, 7 de dezembro de 2013

Governa vai jogar pesado (e contra o povo)


Na tarde do dia 11 de dezembro (quarta-feira) será votado o Plano Nacional de Educação no plenário do Senado Federal. E isso acontecerá faltando nove dias para se completar três anos de tramitação. Caso a referida votação aconteça, ainda teremos o retorno do Projeto para a Câmara dos Deputados, ou seja, PNE que é bom só ano que vem.

Acaba de ser inserido na página do Senado o Substitutivo do Governo (http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=108259) ou seja, o texto que a maioria da Casa tentará aprovar. O referido texto é assinado pelo senador Vital do Rego (PMDB), relator da matéria na CCJ.

O que o governo quer (e não houve intensa pressão social) aprovar?

1.     O texto, mais uma vez, retira qualquer referência a que o percentual de 10% do PIB de investimentos públicos seja usado exclusivamente na rede pública de ensino. A palavra pública é excomungada do PNE mais uma vez. Sai do parágrafo 3º do artigo 5º e sai do texto da Meta 20.

2.     O substitutivo garante que sejam contabilizados dentro dos 10% do PIB todos os recursos públicos repassados para o setor privado, sejam aqueles amparados pelos artigo 213 da Constituição Federal (para privadas que sejam filantrópicas, comunitárias e confessionais) e também em programas de bolsas concedidas em troca de isenções fiscais e financiamento estudantil.

3.     Suprime a destinação de 50% dos recursos arrecadados com o bônus de assinatura pagos pelas empresas nos leilões de petróleo sejam direcionados à educação. O governo considera que o dinheiro existente já é suficiente.

4.     Altera o texto sobre o Custo Aluno-Qualidade. Ao invés de estabelecer dois anos para sua implantação, o governo quer este prazo para defini-lo. Ou seja, não existe prazo legal para implantar um padrão mínimo de qualidade, ou dito de outra forma, não teremos padrão mínimo tão cedo em nosso país.

5.     Ainda sobre o CAQ, o novo texto suprime a proposta de que, ao ser implantado, caberia a união complementar financeiramente todos os estados e municípios que não tivessem recursos suficientes para efetivá-lo. É a melhor demonstração de que a intenção não é implantar um padrão de qualidade nos próximos dez anos.

6.     O Substitutivo do governo manteve uma redação que não garante a primazia da educação inclusiva. A redação confusa trata com mesmo peso o direito constitucional de ter oferta de educação inclusiva com a oferta de turmas ou escolas exclusivas.

7.     O texto também não consertou as alterações feitas na Meta 5, que no Senado foram encurtando o prazo para que a alfabetização de nossas crianças se complete, redação que provocará nocivas alterações curriculares nas escolas brasileiras.

8.     A palavra pública também foi retirada da Meta 11. Na Câmara havíamos conquistado que 50% das novas vagas de educação profissional seriam públicas. Hoje 57% são privadas. O governo retirou o termo “pública” e colocou “gratuita” no lugar.

9.     A mesma maldade foi feita na Meta 12, onde havia a garantia de que 40% das novas vagas do ensino superior seriam públicas, mas que agora não haverá nenhuma garantia, podendo perfeitamente continuarmos com 74% das matrículas nas mãos do setor privado.

 

Para não dizer que o voto do governo não avança em nada (acusação que sofrerei com certeza) o senador Vital do Rego não insistiu com a absurda interpretação de que colocar prazo para determinadas obrigações aos entes federados era inconstitucional.

A quarta-feira será tensa e marcada pela vontade do governo de aprovar um PNE que não aumente despesas (afinal o “mercado” pede tal postura todos os dias nos editoriais!) e que esvazie avanços importantes na busca por uma educação pública de qualidade.

Só sei de uma coisa: tal postura deve contar com a aguerrida e decidida oposição de todas as entidades da sociedade civil. É o mínimo que se espera!

 

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

Vapt vupt


Em declaração logo após a aprovação relâmpago do PNE na Comissão de Educação do Senado, o líder do governo declarou que usariam a sua maioria para aprovar um novo texto no plenário da Casa, usando a mesma sistemática que denunciaram, ou seja, vão derrubar o substitutivo do Senador Álvaro Dias de maneira rápida.

Para ajudar as pessoas no entendimento do processo final de decisão, resumo o que pode acontecer no dia 11 de dezembro:

1. Pelo Regimento Interno tem preferência para votação o substitutivo oriundo da Comissão de mérito, ou seja, o que irá para votação será o texto da Comissão de Educação;

2. O governo, que não concorda com o teor do referido substitutivo, tem dois caminhos regimentais:

a) apresentar um requerimento de preferência para o substitutivo aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, relatado pelo senador Vital do Rego e elaborado pelo MEC (é o que dizem nos corredores!). Ao conseguir tal intento, o texto-base para emendas passaria a ser o da CCJ; ou

b) votar contra o texto da Comissão de Educação e pedir preferência para uma emenda substitutiva a ser apresentada momentos antes da votação.

 

Tudo indica que o caminho escolhido pelo governo será a opção "b".  É mais fácil aprovar um texto novo, que faça algumas concessões aos movimentos sociais, mudando partes ruins do texto aprovado na Comissão de Educação, mesmo que retire todos os avanços reintroduzidos pelo referido substitutivo e que haviam caído justamente na CCJ. Agindo assim, o governo poderia sustentar o discurso que estava melhorando determinadas metas (a meta 5 por exemplo) e poderia diminuir a resistência ao seu verdadeiro interesse em mudar o texto.

 

O que realmente incomoda o governo no texto aprovado na Comissão de Educação não são os defeitos ali contidos (como no caso da Meta 5 e da Meta 4), mas o fato do relator ter retornado com redações aprovadas na Câmara e que o Palácio do Planalto quer derrubar.

tive informações de que o governo incorporará 48 das 101 modificações feitas pelo relator na C.E.  Mas não se alegrem com esta informação, pois é tipo negociação de greve de professores, de uma pauta de 30 itens o governo sempre anuncia que acatou 20, mas normalmente deixa de fora os 10 pontos que implicavam em impacto financeiro. Aqui a história vai ser parecida. O que o governo retirará do texto com certeza (infelizmente):

1. O dispositivo que direcionada cinquenta por cento dos bônus de assinatura definidos nos contratos de partilha de produção de petróleo e gás natural.

2. O dispositivo que ao triplicar as matrículas da educação profissional técnica de nível médio, pelo menos, 50% (cinquenta por cento) da expansão no segmento público.

3. O dispositivo que ao elevar a taxa bruta de matrícula na educação superior, esta expansão seja de, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas no segmento público.

4. O dispositivo que garante, no âmbito da União, na forma da lei, complementação de recursos financeiros aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios quando não conseguirem atingir o valor do CAQi e, posteriormente, do CAQ.

5. Corremos o risco de ser relativizado também o termo "implantar, no prazo de dois anos da vigência deste PNE, no âmbito do Ministério da Educação e em parceria com a sociedade civil, o Custo Aluno-Qualidade Inicial  (CAQi)" e volte a redação da CCJ que afirmava que neste prazo o CAQ seria apenas definido e quem sabe quando seria implantado.

6. E certamente sumirá do texto qualquer referência a investimento público em educação pública, seja ma meta 20 ou em outras partes do texto.

 

Espero que as entidades da sociedade civil que, com justiça e garra, lutam para garantir direitos fundamentais ameaçados pela redação da Meta 4 e 5, não se encantem com o canto da sereia de concessões pontuais nestes quesitos e acabem reforçando a desfiguração do principal do texto do PNE.

 

Por fim, está previsto começar a votação 14 horas e não 16 horas, como de costume.