quinta-feira, 26 de abril de 2012

O que será servido?

Esta semana o deputado Angelo Vanhoni (PT/PR) apresentou finalmente o seu relatório final sobre o Plano Nacional de Educação. Agora será feita discussão sobre o texto e depois a votação dele e dos requerimentos de destaques para votação em separado de dezenas de emendas não assimiladas pelo relator.

Estou devendo aos assíduos leitores deste blog uma análise mais detalhada sobre o teor deste novo relatório, mas compromissos profissionais estão atrasando o cumprimento desta tarefa. Adianto que, como era previsto, o relator não fez alterações substanciais em relação ao que havia apresentado no final do ano passado (o tempo parlamentar é lento e já estamos no final de abril).

No ponto mais polêmico (financiamento do plano) ele fez uma alteração que já estava anunciada na mídia. A nova redação da Meta 20 passa a ser a seguinte:

Meta 20: Ampliar, em regime de colaboração, o investimento público em educação de forma a atingir, ao final do decênio, no mínimo, o patamar de sete e meio por cento do Produto Interno Bruto do País considerando o investimento direto e oito por cento, considerando o investimento total.

O que mudou de dezembro para cá? Quase nada. Esta redação mantém o percentual de 8% do PIB de investimento total (que contabiliza recursos públicos repassados para entidades privadas e mais uma previsão de gastos previdenciários) e acrescenta um percentual de 7,5% do PIB de investimento direto. Já expliquei dias atrás que esta conta está errada. Abstraindo o percentual de investimento total, a alteração entre o projeto originalmente enviado pelo governo (em dezembro de 2010) e a segunda versão do relatório é de 0,5% do PIB.

Ou seja, depois de mais de três mil emendas, audiências públicas nos estados e na Câmara, intervenção da sociedade civil, plebiscito defendendo 10% e outras manifestações, o relator resolveu ouvir somente os interesses da área econômica do governo. Para não dizer que nada mudou o que “pegaria mal” para um parlamentar de um partido de esquerda, ele acrescentou 0,5%.

Como diz o ditado, um otimista é aquele que diz que um copo pela metade é um copo praticamente cheio. Certamente ouviremos e leremos muitos superotimista que dirão que um copo praticamente vazio é um copo praticamente cheio.

Recebi uma informação de que antes da matéria ir a votos, como é de praxe na independente relação entre os poderes da República, o ministro Mercadante promoverá um jantar com os parlamentares da base aliada que compõe a comissão especial. E reunirá com alguns parlamentares da oposição, mas neste caso não sei se regado de iguarias ou não.

O que o Ministro quer servir neste jantar?

1. Convencer os parlamentares de que 7,5% de investimento direto em educação ao final de 2022 (dez anos após a aprovação do PNE, caso o mesmo ainda seja aprovado este ano) é uma verdadeira revolução na educação brasileira;

2. Que votar em 10% do PIB, conforme é o desejo da unanimidade da sociedade civil brasileira, é um desserviço ao governo e ao país (para quem governa sempre estas duas palavras funcionam como se fossem sinônimas);

3. Que assinar qualquer tentativa de recurso ao plenário é o mesmo que se tornar um desafeto do governo. Esta postura não seria muito sensata de ser tomada, como a experiência de relacionamento entre executivo e legislativo já comprovou;

4. Quem sabe perguntar para os parlamentares o que pode ser feito para aumentar a vontade dos parlamentares presentes em seguir o conselho descrito no item 01.

Dizem que ele vai pedir para os parlamentares da oposição (um pessoal radical que sempre está disposto a evitar que o país progrida!) não recolham 51 assinaturas e assim obriguem ao projeto seguir primeiro para votação em plenário na Câmara e só depois rumar para o Senado. Quem sabe também pergunte aos parlamentares o que diminuiria a vontade deles de coletar as assinaturas e levar a matéria ao plenário.

Infelizmente, qualquer que seja o cardápio (ou a pauta) do jantar, só tenho uma certeza: a conta será paga na forma de um Plano Nacional de Educação insuficiente, limitado e com menor investimento direto em educação na próxima década.

Tenho certeza que os eleitores dos senhores deputados (e senhoras deputadas) não serão contemplados com as iguarias do jantar e terão que se contentar apenas com as migalhas do banquete.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

A MP nº 562 e a emenda 43

Esta semana o deputado Padre João (PT/MG) apresentou o seu relatório sobre a Medida Provisória nº 562/2012, que dentre meia dúzia de temas, prorroga até 2016 a contagem dos alunos de pré-escola matriculados em instituição conveniada com o poder público.
A matéria deverá ser submetida aos votos dos membros da Comissão Especial na terça-feira (24 de abril).

O relator rejeitou a Emenda nº 43, de autoria do Senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), que propunha tomar como referência para o cômputo de matrículas o censo escolar de 2007. A argumentação textual do deputado foi de que a “extensão do prazo referente às pré-escolas para 2011 constitui reivindicação dos gestores municipais, apresentada pela Undime”.

Confesso que não fiquei surpreso pelo voto do relator, pois a sua função era manter a lógica da Medida Provisória apresentada pelo governo. Para isso que um governo se esforça para constituir maioria parlamentar. O que me surpreendeu foi o argumento utilizado por ele.

Sei que os gestores municipais defendem a prorrogação da contagem das matrículas, pois até 2011 as mesmas foram aceitas e a perda de vigência da norma legal causou prejuízos financeiros aos municípios.

Não pude assistir à audiência pública sobre o tema, por isso não sei se realmente confere a afirmação do deputado de que a entidade representativa dos gestores municipais teria defendido a necessidade de alteração do formato de contabilização das matrículas de pré-escola, ou seja, que tenha sido feita uma clara manifestação desta entidade pela mudança do prazo de contagem de 2007 para 2011.

De qualquer forma, como já demonstrei em post anterior, defender o descongelamento da contagem das matrículas de pré-escola é contraditório com a posição externada por toda a sociedade civil quando da aprovação da regulamentação do FUNDEB.

Repito: pelos dados do INEP em 2011 o texto da MP acrescenta 46.407 matrículas novas. Estas matrículas foram conveniadas quando o espírito da norma legal era promover um aumento do compromisso da oferta pública direta por parte dos gestores municipais. Estamos premiando aqueles municípios que não seguiram o caminho da transição e punindo aqueles que se esforçaram para assumir as matrículas de pré-escola.

E mais, as matrículas de creche, que não obedecem ao congelamento em 2006, demonstram que este tipo de formato legal propiciou o aprofundamento de uma distorção que todos queriam ver resolvida, pelo menos era este o discurso do governo federal e das entidades naquele tempo.

Em 2009 o conveniamento de creches em tempo integral era de 186.550 e em apenas quatro anos passou para 303.135 matrículas. A creche em tempo parcial passou de 27.765 (2009) para 39.773 (2012).

Comparando a taxa de crescimento nos últimos quatro anos entre oferta pública e oferta conveniada o resultado também é preocupante: creche integral pública cresceu 26% e a conveniada cresceu 62%. A oferta pública de creche em tempo parcial cresceu 35% e a conveniada cresceu 43%.

A sociedade civil concordou com a contagem das matrículas conveniadas como forma de não criar dificuldades aos municípios, mas professava que tal formato fosse transitório, por que a obrigação de ofertar as matrículas de educação infantil é do poder público diretamente.

Espero que o relator tenha compreendido errado o posicionamento dos gestores municipais. E que o pleno da Comissão Especial conserte o texto legal e aprove a Emenda nº 43.

quarta-feira, 18 de abril de 2012

Juiz manda matricular menores de seis anos no EF

A Justiça Federal em Pernambuco (JFPE) estendeu, na última sexta-feira (13), para instituições educacionais de todo o país, a decisão que confirma a garantia de acesso de crianças com seis anos incompletos à primeira série do ensino fundamental, desde que comprovada a capacidade intelectual através de avaliação psicopedagógica, a cargo de cada unidade educacional. A sentença foi dada pelo juiz Cláudio Kitner, da 2ª Vara da JFPE.

A decisão havia sido concedida para o estado de Pernambuco em liminar de ação civil pública, no ano passado, determinando a suspensão das Resoluções do Conselho Nacional de Educação (CNE) nº 01, de 14/01/2010 e nº 6, de 20/10/2010 e demais atos posteriores semelhantes.

Este é mais um capítulo da longa confusão sobre o tema. A expectativa é que a Resolução do Conselho Nacional de Educação fosse suficiente para resolver os imbróglios envolvendo a idade para a matrícula de crianças no primeiro ano do ensino fundamental.

A imprensa publicou trechos da decisão do Juiz Kitner e as citações merecem alguns comentários:

1. O juiz afirma que a definição de uma data de corte fere o princípio da isonomia, o qual é o sustentáculo da sociedade democrática brasileira. Bem, estabelecer uma data de corte para o ingresso nas etapas iniciais da escola não é uma coisa nova, foi vivenciada por mim, pelo juiz e por quase todos os brasileiros que tiverem acesso à educação, anos antes de ser acrescido um ano no ensino fundamental. Por que antigamente não havia questionamentos quando uma criança era impedida de ingressar com sete anos incompletos no ensino fundamental?

2. O juiz enfatizou que “a definição da faixa etária dos seis anos para o início do ensino fundamental não se encontra calcado em estudos de alta análise científica que indiquem que esta é a idade recomendada para as crianças iniciarem a alfabetização”. Há um óbvio desconhecimento sobre como se estabeleceu a extensão do ensino fundamental para nove anos. O debate não foi se seis ou sete anos seria a idade correta pra se alfabetizar, mas se seria justo ampliar a faixa de ensino obrigatória, ou seja, um ano a mais esteve mais vinculada a extensão do direito ao acesso do que vínculos com debates pedagógicos sobre alfabetização.

3. E afirma que “o estado deve munir-se de meios para avaliar as crianças, por meio de comissões interdisciplinares, que levem em conta elementos psicopedagógicos, interações sociais, fatores socioambientais, entre outros, a fim de verificar se elas reúnem condições de avançar de fase de aprendizagem”. Isso está previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, ou seja, cabe à escola verificar se uma criança fora da idade esperada para estudar determinado nível de ensino pode progredir de forma mais acelerada. Esse não é o problema. Estamos falando de milhões de crianças que ingressam todos os anos. Não é possível esperar que sejam aplicados testes em todas essas crianças. O direito ao ingresso está estabelecido pelo alcance da idade mínima.
Certamente a União irá recorrer desta decisão, mas diante de tanta controvérsia, cabe ao legislador resolver urgentemente o problema, posto que é suficiente um Juiz de uma Vara Federal para derrubar uma decisão do Conselho Nacional de Educação.

terça-feira, 17 de abril de 2012

O patrono da educação brasileira

No último dia 13 de abril foi sancionada a Lei nº 12.612, que torna Paulo Freire patrono da educação brasileira.

A palavra patrono tem vários significados, os quais podem nos levar a refletir o objetivo desta homenagem. A palavra pode significar o que luta ou defende uma causa, ou mesmo pode ser um defensor ou protetor de uma causa ou categoria. Um santo padroeiro é considerado um patrono. Até turmas escolares escolhem um patrono, uma espécie de tutor do grau que estão recebendo.

Talvez se esteja pedindo demais para Paulo Freire, pois realmente a educação brasileira tem carecido de um santo padroeiro nos últimos tempos.

Não vou relembrar a importância de Paulo Freire para o pensamento educacional do Brasil e do mundo. Isso é desnecessário. Sua vida foi marcada pela defesa da escola pública, do direito do povo brasileiro ter acesso à educação e do conhecimento produzido pelo povo ser levado em consideração na formatação do currículo escolar.
A educação popular foi o principal motor de sua produção teórica. Como todos nós, Paulo Freire não é único e nem uniforme em sua obra, tendo sido influenciado e influenciando a sociedade em que viveu.

Mais algumas das causas que ele abraçou continuam a nos inquietar e gritar por socorro. Daí talvez o mérito da homenagem que a lei faz ao educador.

A alfabetização de adultos, espaço de pesquisa e ação em que mais Paulo Freire inovou, continua sendo um problema não resolvido na educação nacional. Os últimos dados mostram que pelo menos 14 milhões de brasileiros foram privados do acesso à alfabetização e chegaram aos 15 anos sem ler os códigos elementares da escrita.

Dados divulgados pelo ministro Mercadante em recente audiência pública no Senado Federal mostram que estamos sendo pouco eficientes na alfabetização de nossas crianças. Nas regiões mais pobres uma em cada quatro crianças completam oito anos sem saber ler e escrever. Os dados do SAEB mostram que nossas crianças chegam ao quinto ano do ensino fundamental em situação muito precária no quesito leitura.

Apenas 23,6% das crianças entre zero a três anos frequentam uma unidade de educação infantil. E entre os mais pobres, os negros, os que moram nas áreas rurais os números de atendimento em creche são residuais.

Nas vésperas de ser apresentado o relatório final do deputado Ângelo Vanhoni sobre o novo plano nacional de educação parece que a escolha de Paulo Freire como patrono da educação é uma espécie de grito por socorro do inconsciente nacional. Não estamos satisfeitos com a educação que temos, não estamos contentes com as propostas apresentadas pelo governo para a próxima década, mas não assumimos nosso papel histórico e colocamos nossos destinos no nosso padroeiro.

A melhor forma de homenagear Paulo Freire é enfrentar e solucionar os graves problemas educacionais que ele já denunciava no início da década de 50 do século passado.

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Que caminho sinalizar?

Um dos debates mais importantes das políticas públicas em educação é sobre a relação público versus privado. É um debate antigo e que sempre retorna.

Já escrevi neste espaço virtual que o Projeto de Lei nº 8035/2010, que institui o Plano Nacional de Educação, possui de maneira escondida em suas entrelinhas uma opção de compartilhamento da expansão das vagas entre o público e o privado.

Na educação infantil isso está claro na estratégia 1.4, onde se pode ler:

Estratégia 1.4: Estimular a oferta de matrículas gratuitas em creches por meio da concessão de certificado de entidade beneficente de assistência social na educação.

No relatório do deputado Vanhoni esta questão não foi resolvida e a redação do seu substitutivo passou a ser a seguinte:

1.7) Articular a oferta de matrículas gratuitas em creches certificadas como entidades beneficentes de assistência social na área de educação com a expansão da oferta na rede escolar pública.

Ou seja, manteve-se um claro incentivo ao incremento do formato precarizante de prestação do serviço de educação infantil, especialmente em creche, pois é justamente nesta faixa etária que a oferta é mais reduzida (23,6% das crianças de zero a três anos estavam estudando em 2010, sendo que 36% destas vagas eram privadas).

No dia 20 de março deste ano o governo federal editou a Medida Provisória nº 562, que neste momento está em debate no Congresso Nacional. E o texto desta MP reacendeu a polêmica anunciada no inicio deste texto.

A proposta do governo é prorrogar a contabilização das matrículas conveniadas de pré-escola para efeitos redistributivos do FUNDEB. A proposta de redação do parágrafo 3º do artigo 8º da Lei nº 11494/2007 passaria a ser a seguinte:

Artigo 8º.......................................................
................................................................
§ 3º. Será admitido, até o ano de 2016, o cômputo das matrículas das pré-escolas, comunitárias, confessionais ou filantrópicas, sem fins lucrativos, conveniadas com o poder público e que atendam às crianças de quatro e cinco anos, observadas as condições previstas nos incisos I a V do § 2o, efetivadas, conforme o censo escolar mais atualizado até a data de publicação desta Lei.

Esta nova redação permite que todas as matrículas de pré-escola em instituições comunitárias, confessionais e filantrópicas, que sejam sem fins lucrativos e conveniadas com o poder público, voltem a ser contabilizadas no FUNDEB.

Em 2007 a decisão do legislador foi de um prazo de quatro anos para esta medida e que o contingente de matrículas ficasse congelado nos dados do censo de 2006. Pela Medida Provisória não somente voltarão a ser contabilizadas como serão descongeladas.
Durante esta semana fiz contatos com o INEP e FNDE, buscando conhecer os números do problema e as informações oficiais são preocupantes:

1º. O FNDE cumpriu a lei e durante quatro anos contabilizou as matrículas conveniadas de pré-escola no FUNDEB (2008 a 2011). Este valor ficou congelado em 104.160 matrículas em pré-escola em tempo integral e 58.944 em tempo parcial (dados do censo escolar de 2006).

2º. Pelos dados do INEP em 2011 foram registradas no censo escolar 284.373 matrículas conveniadas com o poder público, mas destas apenas 209.511 foram oferecidas por entidades sem fins lucrativos. Portanto, o texto da MP acrescenta 46.407 matrículas novas, pois terá como referência o censo escolar de 2011.

3º. As matrículas de creche, que não obedecem ao congelamento em 2006 pode nos ajudar a compreender o que acontecerá na vigência da redação da MP para as matrículas de pré-escola. Em 2009 o conveniamento de creches em tempo integral era de 186.550 e em apenas quatro anos passou para 303.135 matrículas. A creche em tempo parcial passou de 27.765 (2009) para 39.773 (2012).

4º. Comparando a taxa de crescimento nos últimos quatro anos entre oferta pública e oferta conveniada o resultado também é preocupante: creche integral pública cresceu 26% e a conveniada cresceu 62%. A oferta pública de creche em tempo parcial cresceu 35% e a conveniada cresceu 43%.

A sociedade civil concordou com a contagem das matrículas conveniadas como forma de não criar dificuldades aos municípios, mas professava que tal formato fosse transitório, por que a obrigação de ofertar as matrículas de educação infantil é do poder público diretamente.

A evolução das matrículas conveniadas em creche mostrou que não ocorreu transição, pelo contrário, houve um incremento no modelo precário de atendimento.
A Medida Provisória estendeu para a pré-escola o que já era regra para a creche.

Esta decisão é coerente com a ideia presente no texto do PNE, segundo a qual a oferta educacional não necessariamente precisa ser pública, podendo ser ofertada por particulares subvencionados pelo poder público.

Nada menos que 27,2% das matrículas privadas de pré-escola foram subvencionadas pelo poder público em 2011, inclusive uma boa quantidade nem se enquadra como sem fins lucrativos, o que é mais absurdo ainda.

Pressionados pelo prazo de 2016 para universalizar a oferta de pré-escola, os municípios devem enxergar com simpatia a Medida Provisória. Mas devemos nos perguntar qual será a consequência para o atendimento da educação infantil de cada uma dessas decisões. Não acho correto que sejamos cúmplices de uma estratégia de universalizar o acesso de crianças de quatro e cinco anos, mas vinculada a uma precarização do modelo de atendimento.

É uma repetição de uma prática recorrente nos momentos de expansão da oferta de vagas em nosso país. Mas parece que não aprendemos com os erros do passado, apenas o reproduzimos com novas roupagens.

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Sete é conta de mentiroso?


Câmara Cascudo (1898-1986), em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, destacou que: "As estórias mentirosas, pilhérias, anedotas, casos estupefacientes... são muito populares e constituem em gênero especial, onde a imaginação exagerada e livre se liberta dos limites da lógica...". Já ouvi falar também que sete é conta de mentiroso.

A Agência Câmara do dia de hoje publicou declaração do deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR) dando conta de que o governo federal deverá insistir na meta de investimento total de 8% do Produto Interno Bruto (PIB) no setor.

O valor é o mesmo apontado pelo próprio Vanhoni em sua proposta de substitutivo ao PNE, que trata dos objetivos da área para os próximos dez anos. A declaração foi dada após reunião fechada entre deputados ligados ao setor e o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Para o nobre deputado esse percentual corresponde a cerca de 7,5% de investimento público direto.

E, também para a Agência Câmara, o relator voltou a afirmar que os 8% de investimento total são suficientes para garantir melhorias significativas para a área: “Estou absolutamente convencido de que esse valor vai garantir uma revolução na educação, tanto em termos de inclusão, como em termos de qualidade”, teria dito.

Está aí um bom exemplo de conta de mentiroso e curiosamente envolvendo o número sete.
Publico neste espaço uma tabela que sistematiza a relação entre investimento direito e investimento total durante a última década. Os dados mostram que a diferença entre os dois oscilou entre 12% e 17%, sendo que nos últimos dois anos o percentual ficou em 12%.

Estes dados não captam os efeitos da entrada em vigor do PRONATEC, programa federal que concede bolsas para o Sistema S e para escolas privadas particulares, fator que deve alargar a diferença entre investimento direto e total novamente.

Mesmo abstraindo os efeitos do PRONATEC, a conta do Ministro divulgada pelo deputado Vanhoni não tem como fechar. Vejamos com mais detalhe:

1. Se os percentuais de investimentos educacionais (direto e total) mantiverem a mesma relação atual (12% de diferença) e se em 2020 o investimento total for de 8% do PIB, isso significará que o direto será de apenas 7,04%. Bem longe de 7,5% divulgados pelo deputado;

2. Se os percentuais de investimentos educacionais (direto e total) voltarem a se distanciar (cenário mais provável) e se em 2020 o investimento total for de 8% do PIB, isso significará que o direto será menor do que 7%, percentual originalmente proposto pelo governo e, obviamente, mais distante de 7,5%.

Estamos diante de três possibilidades:

1ª. O deputado Vanhoni não ouviu direito o que o Ministro Mantega falou ou interpretou errado o seu raciocínio, pois de um ministro da Fazenda se espera que domine bem a matemática e não erraria em uma conta tão básica;

2º. O deputado Vanhoni está usando de má fé e está tentando ajustar a sua proposta de 7,5% ao percentual acordado com o ministério da Fazenda (8% do investimento total);

3º. O deputado Vanhoni tem dificuldades com a matemática.

Bem, cada um escolhe a hipótese que achar mais próxima da realidade.

Mais do mesmo

O competente jornalista Luciano Máximo, do Valor, cunhou uma expressão que concordo inteiramente acerca da reunião do Ministro Mantega com 22 deputados federais que compõem a Comissão Especial do Plano Nacional de Educação (PNE) na tarde de ontem. Ele disse que foi “mais do mesmo”.

Dentre outras preciosidades ditas pelo ministro estaria que é cedo para projetar gastos tendo por base os lucros oriundos do pré-sal. E que é impossível gastar mais do que 7,5% do PIB em educação.

A matéria apresenta duas visões diferenciadas do saldo da reunião. De um lado o deputado Lelo Coimbra (PMDB), presidente da Comissão Especial e aliado do governo. Do outro, o deputado Ivan Valente (PSOL), antigo militante de mais verbas para a educação pública.

Para Coimbra, a reunião foi satisfatória e produtiva e espera que, a partir de agora, os parlamentares possam avançar na aprovação do plano decenal. E mais, afirmou que a reunião acabou com a tensão entre a Câmara e a área econômica do governo.

Já para o deputado Ivan Valente (PSOL-SP), a reunião demonstrou a "falta de visão estratégica do governo e visão conformista do Ministério da Educação" em relação à área econômica. "Primeiro, a reunião ocorreu a portas fechadas na sala do Conselho Monetário Nacional. É decepcionante discutir educação onde costumam sair decisões que favorecem banqueiros e elevam juros. Depois, o Mantega não tem nenhuma visão de que o PNE é um plano para três governos, estratégico, e que o Brasil precisa aumentar maciçamente os recursos em educação se quiser dar um salto de qualidade, inclusive no crescimento da economia. Ou seja, a área econômica tem uma visão de ajuste fiscal no tratamento da educação", criticou Valente.

Interessante é que, pelos cálculos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, para que fossem aplicados 10% do PIB até o final da década, deveriam ser acrescidos um pouco mais de 160 bilhões de reais no orçamento educacional (da União, Estados e Municípios).

E esta semana o mesmo ministro Mantega anunciou um generoso pacote de incentivos à indústria nacional. Este pacote beneficia quinze setores e custará 60 bilhões de reais.

Realmente é “mais do mesmo”, ou seja, o governo federal não se dispõe a mudar as suas prioridades, com isso a primazia dos gastos é o ajuste fiscal, economizar para pagar os juros e amortização da dívida pública e, de vez em quando e a depender do agravamento da crise econômica mundial, abrir mão de impostos em favor de seleto grupo empresarial.

O que mais me revolta é que, com honrosas exceções, a postura dos deputados federais presentes se assemelha a fala atribuída ao presidente da Comissão, quando afirma que diminuiu a tensão com a área econômica. Ou dito de outra forma, depois que o governo Dilma resolveu a “crise” da base aliada, por meio de liberação de emendas parlamentares, não existe mais motivos para criar problemas aos interesses do governo.

Colusão

Segundo o Dicionário Aurélio o título deste post é um substantivo feminino que significa “ajuste secreto e fraudulento entre duas ou mais partes, com prejuízo para terceiros; conluio”.

Não encontrei palavra mais apropriada para sintetizar a minha indignação (e de milhares e educadores brasileiros) com o resultado da reunião entre o Ministro da Fazenda e os deputados da Comissão Especial que analisa o Plano Nacional de Educação na Câmara dos Deputados.

Não que considere que todos os deputados que estavam presentes concordem com este jogo de cena, mas certamente uma parte significativa deles, especialmente o relator da matéria, pode ser colocada neste balaio.

Primeiro ato:

Os deputados decidem não mais convocar (ou mesmo convidar) o ministro. Depois aceitam realizar uma reunião restrita, fechada, no gabinete do ministro.

Segundo ato:

O ministro Mantega garante 7,5% do PIB em educação. Segundo relato do presidente da Comissão (deputado Lelo Coimbra -PMDB/ES) o ministro teria afirmado que é possível investir 7,5% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação.

Coincidentemente este valor é o mesmo anunciado pelo deputado Ângelo Vanhoni em reunião da Comissão dias atrás. E, obviamente, o relator teria declarado que está “absolutamente convencido” de que investir 7,5% do PIB nos próximos dez anos “fará uma verdadeira revolução na educação”.

Terceiro ato:

A bancada governista, convencida pelos argumentos da área econômica de que é impossível “conceder” mais recursos para a educação, fará pronunciamentos afirmando que 7,5% do PIB representa um grande avanço, que esse percentual transformará a educação brasileira na próxima década e coisas do gênero.

Quarto ato:

Estando tudo dominado o relatório do deputado Vanhoni será votado.

A pergunta que me faço é se a sociedade civil aceitará ser coadjuvante nesta peça teatral de quinta categoria. Li na reportagem do Valor Econômico que algumas entidades aceitaram comparecer na reunião reservada. Acho que foi um grande erro, pois o espaço de pressão sobre a área econômica certamente não é em reuniões secretas no gabinete do Ministro da Fazenda. Comparecendo ao primeiro ato as entidades deram legitimidade ao roteiro traçado pelo governo, pelo presidente da Comissão e pelo relator. Registro minha alegria ao saber que a Campanha Nacional pelo direto à Educação não compareceu.

Sei que alguns parlamentares não concordam com este enredo. Destaco o deputado Ivan Valente (PSOL/SP) e Paulo Rubens (PDT/PE) que lutam por 10% do PIB para a educação pública. E sei que outros deputados também defendem o percentual, mesmo que sofram sessões governamentais para mudar de opinião.

Está na hora de presenciarmos uma postura mais ousada das entidades. Sem mobilização social não se elevará os percentuais de verbas para a educação e o PNE se tornará uma coisa amorfa, tímida e sem incidência real nos destinos educacionais. O final da peça depende de todos nós.

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Reunião restrita e a sociedade civil

Reproduzo neste espaço virtual a manifestação concreta de parcela significativa da sociedade civil educacional acerca da reunião restrita que parlamentares da Comissão Especial que analisa o PNE terão com o Ministro Mantega.

CARTA À SOCIEDADE BRASILEIRA

SOBRE A REUNIÃO RESTRITA DA COMISSÃO ESPECIAL DO PNE COM O MINISTÉRIO DA FAZENDA

Brasil, 9 de abril de 2012.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede que articula mais de 200 entidades e organizações distribuídas por todo o país e que tem incidido na construção do novo PNE (Plano Nacional de Educação), considera fundamental o envolvimento – ainda que tardio – da área econômica do Governo Federal no debate sobre o novo plano educacional.

No entanto, considera preocupante o fato de os parlamentares integrantes da Comissão Especial do PL 8035/2010 (PNE) irem nesta terça-feira, 10/4, até o gabinete do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, para discutir o financiamento da educação (meta 20 da proposta do PNE), em vez de recebê-lo em Audiência Pública, aberta a toda a sociedade.

Demandado pelo artigo 214 da Constituição Federal de 1988, o PNE tramita no âmbito do Congresso Nacional, sendo esse o espaço deliberativo do novo Plano. É também o Legislativo, por dever e natureza, o poder mais afeito à participação social, devendo, inclusive, promovê-la.

Nesse sentido, após inúmeras audiências públicas e reuniões técnicas, tanto na Câmara dos Deputados, quanto em quase todas as Assembleias Legislativas do país e em diversas Câmaras de Vereadores, tornou-se consenso de que o Brasil precisa de um patamar de investimento público equivalente a 10% do PIB na educação pública. Especialistas em financiamento da educação, movimentos sociais, entidades educacionais, trabalhadores, gestores municipais e estaduais têm clareza dessa necessidade.

O mesmo consenso é verificado entre os deputados da Comissão Especial. Tanto é assim que, em um universo de 3364 emendas ao PL 8035/2010 - 2915 ao texto original e 446 à primeira proposta de substitutivo do relator, deputado Ângelo Vanhoni (PT-PR) - apenas uma propõe um patamar inferior aos 10% do PIB. No entanto, a reunião restrita com Mantega, nas dependências do Ministério da Fazenda, impossibilita a defesa pública do consenso, que está fortemente embasado por estudos técnicos. Um deles é o Comunicado 124 do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) de 14 de dezembro de 2011, intitulado “Financiamento da educação: necessidades e possibilidades”.

Como exemplo positivo, na época da tramitação do Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação), o então Ministro da Fazenda, Antonio Palocci, discordava da inclusão das creches naquele que se tornaria o fundo de financiamento de toda a educação básica e dizia ser inviável a participação financeira da União no mecanismo contábil. Contudo, em uma Audiência Pública na Câmara dos Deputados, diante dos bons argumentos dos parlamentares e da pressão da sociedade civil, Palocci começou a se sensibilizar e a mudar de opinião. Como resultado, as creches hoje compõem o Fundeb e a União colabora com mais de R$ 9,4 bilhões com o conjunto do fundo.

É com base nesse exemplo que a Campanha considera imprescindível que a Comissão Especial do PNE leve Mantega para debater a matéria publicamente, inclusive como um sinal republicano de respeito do Poder Executivo perante o Poder Legislativo e a sociedade civil brasileira.

A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, de acordo com o disposto no artigo 214 da Constituição Federal, acredita que o novo PNE é a ferramenta capaz de planificar a educação brasileira de modo que o país comece a recuperar, nesta década, parte do tempo perdido. Os prejuízos causados pelos vetos empreendidos pelo presidente Fernando Henrique Cardoso ao PNE anterior (2001-2010), que, infelizmente, não foram derrubados pelo Congresso Nacional no curso dos dois mandatos do presidente Lula, ainda ecoam na fragilidade da educação pública. Viabilizar o patamar de investimento equivalente a 10% do PIB em educação pública é um importante e urgente primeiro passo. E, para concretizá-lo, é imprescindível assegurar que a discussão em torno do tema continue acontecendo no âmbito do Congresso Nacional, de portas abertas, de forma democrática e participativa. Que a Comissão Especial não deixe de levar Mantega à Câmara dos Deputados e que Mantega compreenda a importância de sua participação no debate.

Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

Ação Educativa
ActionAid
CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)
Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)
CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)
Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)
Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)
Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)

terça-feira, 3 de abril de 2012

Maomé, o ministro e a verdadeira montanha

Conta-se que, tendo os árabes pedido a Maomé (profeta e fundador do Islamismo) a realização de um milagre como prova do que ensinava, o profeta ordenou que o monte Safa viesse até ele. Como este não se deslocou, Maomé elogiou a misericórdia de Deus, porque assim a montanha não os tinha esmagado a todos, acrescentando: “Irei à montanha para agradecer a Deus por ter poupado uma geração de obstinados”.

Inicio este post aproveitando a lembrança que Daniel Cara (coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação) teve desta passagem histórica ao saber que a Comissão Especial da Câmara dos Deputados, que discutia desde ano passado a convocação do Ministro da Fazenda para debater o percentual de investimento em educação no novo PNE, acordou não mais convocá-lo e sim aceitar um convite para que os deputados compareçam no Ministério e lá reunirão com o ministro.

A reunião ficou confirmada para a próxima terça-feira (10), às 16 horas, no Ministério da Fazenda. Antes disso, pela manhã, os deputados deverão reunir-se entre si, para traçar os detalhes da conversa com o ministro.

Bem, é mais fácil ir à montanha do que movê-la, mas neste caso a decisão é um grave erro político. Explico esta afirmação:

1. A matéria tramita no parlamento, que segundo nossa Constituição é um poder independente. Este órgão pode convocar ou convidar ministros. Como agentes públicos, cabe aos ministros atender a tais solicitações e no espaço do parlamento fornecer as informações necessárias a tramitação da matéria;

2. Em 2006, o então todo-poderoso ministro Antonio Palocci compareceu durante oito horas na Câmara para debater a Emenda Constitucional nº 53, que criou o FUNDEB. A influência dentro do governo do ex-ministro era muito maior do que do atual titular da pasta. Ele estava no meio de uma crise política e tinha muito mais motivos pra não ter comparecido. Fica difícil de entender a dificuldade da ida do senhor Mantega;

3. No mês passado o Ministro da Fazenda compareceu duas vezes no parlamento (uma no Senado e outra na Câmara). Ele foi explicar os efeitos da crise mundial na economia brasileira e explicar medidas governamentais. Por que o PNE está sendo considerado um assunto menos importante que não justifique o comparecimento de um ministro para debater o principal impasse (percentual de investimento em educação em relação ao PIB) com os parlamentares;

4. A visita dos parlamentares da Comissão não é uma audiência pública, ou seja, os cidadãos que pagam seus impostos e que elegeram os referidos deputados não terão acesso aos argumentos ministeriais contrários a ideia de elevar o investimento em educação para 10% do PIB. Talvez essa seja uma boa explicação para a dificuldade que o governo tem colocado para que o ministro compareça na Comissão Especial.

O que me causa revolta não é a negativa do ministro (pelos argumentos listados acima), mas a aceitação de tal negativa pelos parlamentares da Comissão. Essa decisão representa um retrocesso com as experiências anteriores, as quais mostraram que sem publicização das posições e pressão da sociedade civil nada se conquista de relevante nesta queda de braço com a área econômica.

A montanha que precisa ser movida não é a ida do ministro, mas a intransigência do governo, que prioriza o pagamento dos juros e encargos da dívida, prioriza fazer concessões ao empresariado, mas que não pretende se mover para aumentar os recursos educacionais.

Neste caso, talvez fosse bom contrariar a passagem histórica. Os que pediram para mover a montanha acreditaram na desculpa de Maomé para não ter conseguido movê-la. Será que as entidades do movimento social aceitarão as desculpas dos parlamentares por não terem conseguido mover a montanha governamental também?