sexta-feira, 28 de outubro de 2011

8,29% e as escolhas

Matérias da imprensa anunciam que o relator do PNE, deputado Ângelo Vanhoni, deve inserir no seu relatório um percentual intermediário entre os 7% defendidos pelo governo e os 10%, defendidos pela sociedade civil.

Antigamente o movimento social não se contentava com pouco antes de medir todas as suas forças. Hoje em dia muitas lideranças já entram na luta (numa greve, por exemplo) sonhando com algum aceno do governo para não precisar manter o conflito. Tempos novos nem sempre com lideranças novas...

Não tive acesso ao relatório do deputado, mas minha interpretação da notícia é a seguinte:

1. Se o relator e quisesse apresentar uma proposta intermediária, no caso 8,29% do PIB, mas estivesse sendo muito pressionado pelo governo ( afinal faz parte da base de sustentação), seria interessante repassar pra imprensa a notícia e constranger o governo a exigir um recuo. Por isso, acho que quem antecipou o percentual foi o próprio relator.

2. Caso minha avaliação esteja certa é sinal de que o governo não gostou do relatório que circula nos bastidores (infelizmente não tenho acesso a estes bastidores, mas que eles existem, existem!) e forçou o adiamento para retirar do texto tudo que não concorda (alguém ainda lembra de uma coisa chamada independência entre os poderes da República?), dentre outras coisas o percentual maior de gasto pra educação.

Bem, está na hora do deputado Vanhoni mostrar de que barro ele é feito. Se ceder diante das pressões do governo se colocará distante dos interesses do movimento social. Se resistir, será penalizado pelo governo.

A vida é feita de escolhas...

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

A marcha da CNTE e o adiamento do Relatório do PNE


Na manhã de hoje milhares de professores de todos os cantos do Brasil marcharam em Brasília. A reivindicação principal deles é o cumprimento do piso salarial nacional e a aplicação de 10% do PIB na educação pública.

Participei de quase toda a marcha e presenciei a insatisfação dos professores estaduais e municipais com a postura da maioria dos governos, que se recusam a pagar o piso.

Os pronunciamentos das entidades espelharam um misto de indignação com a desvalorização do magistério e chamados a mobilização maior em defesa das reivindicações.

Sinceramente, a minha expectativa era de uma marcha maior, mas sei que as inúmeras greves que ocorreram e que ainda ocorrem devem ter dificultado a presença de mais gente em Brasília.

E achei o clima da marcha muito morno, com pouco entusiasmo dos participantes. É difícil aferir coisas deste tipo, mas talvez seja uma mistura de cansaço diante do sucessivo descaso dos governos e, quem sabe, certa frustração com a postura do governo federal que, nos discursos, coloca a educação pública como prioridade, mas na prática enviou um projeto de lei do PNE muito tímido e com muitos elementos privatistas.

De qualquer forma a marcha cumpre um objetivo importante. Nesta semana estava prevista a apresentação do Relatório do Deputado Ângelo Vanhoni sobre o PNE. Pela segunda vez (era pra ter sido apresentado dia 19) a apresentação foi adiada. Nos bastidores o que corre é que o governo está pressionando pra que o relator retire determinadas mudanças do texto.

Bem, nem eu nem os educadores sabem do teor do Relatório, mas considero uma péssima sinalização o adiamento. Se não foi apresentado agora por pressão do Planalto boa coisa não virá na semana que vem. O governo não seguraria o Relatório pra melhorá-lo, pelo contrário.

quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Governo não precisa de ajuda federal

No dia 30 de agosto deste ano o governo do estado do Pará enviou oficio ao FNDE solicitando ajuda federal para pagar o piso salarial nacional para o magistério paraense. Alguns dias depois a categoria entrou em greve, movimento deflagrado logo após o anúncio feito pelo governo de que não pagaria o valor integral do piso de R$ 1187,00.

Somente em outubro o documento enviado ao FNDE veio a público. E isso só foi possível por pedido feito ao MEC pela Senadora Marinor Brito (PSOL-PA). Tal dificuldade de acesso, por si só, já levanta certa dúvida sobre a seriedade da solicitação do governo Jatene.

Atendendo um pedido do Sindicato dos Trabalhadores em Educação do Estado do Pará eu fiz um estudo acerca do teor do documento. Também acessei os dados de receita referentes a 2011, todos eles declarados pelo governo do Estado no Projeto de Lei Orçamentária para 2012, que tramita no momento na Assembléia Legislativa do Pará.
O governo do estado tem o direito de solicitar ajuda financeira federal? Sim, a lei n° 11738 de 2008 estabeleceu que 10% da complementação da União ao Fundeb poderá ser usada para apoiar financeiramente estados e municípios que comprovarem a impossibilidade de pagamento do piso salarial nacional do magistério. A Portaria n° 213 de 2011 estabeleceu os critérios para que entes federados realizassem a solicitação. Somente estados e municípios localizados nos estados que recebem complementação da União podem fazer o pedido. O Pará se enquadra neste critério. Porém, o principal quesito para a concessão é a comprovação de que realmente aquela unidade federada não possui condições financeiras de cumprir a lei do piso.

O governo do Pará afirma no ofício enviado ao FNDE que:

1. Com a implantação do piso salarial a folha anual do magistério em 2011 seria de R$ 1.030.672.784,89 e esse valor representaria 109% dos recursos recebidos via o FUNDEB.

2. A folha dos demais funcionários comprometeria 18,64% dos recursos do FUNDEB.

3. O estado prevê um déficit financeiro de R$ 267.150.488,48 ao final do ano, dos quais R$ 65.172.460,12 motivados pelo pagamento do piso do magistério.

4. Solicita, ao final do ofício, ajuda financeira de R$ 195.517.380,35, sendo que parte (R$ 130.344.920,33) seria para pagar o retroativo do piso e o restante para complementar a folha de setembro a dezembro de 2011.

Analisei as planilhas enviadas pelo governo estadual e as estimativas de receita, tanto do FUNDEB quanto dos demais impostos e transferências. A minha conclusão é de que a situação de comprometimento da folha da educação (não somente do magistério) em relação ao total dos recursos vinculados a manutenção e desenvolvimento do ensino não justifica o pedido de ajuda federal. Explico o porquê desta conclusão:

1°. No documento enviado ao governo federal é apresentada uma estimativa de receita com o FUNDEB menor do que a prevista pela portaria Interministerial deste ano. Segundo os documentos oficiais do governo federal (acessíveis na página do FNDE) o governo do estado deverá receber em 2011 pelo menos R$ 1.330.135.716,30. Deste valor, até setembro, o governo já havia recebido R$ 1.051.883.910,96. Ou seja, a previsão de que o Pará receberá apenas R$ 1.189.914.947,75. Um dos motivos para esta diferença é que o governo estadual não considerou como receita para seu cálculo a parcela de 15% da complementação da União que é depositada em janeiro. O meu acompanhamento da execução do FUNDEB aponta para um repasse maior do que o previsto, mas utilizei nos meus cálculos o valor previsto.

2°. É totalmente errado fazer o cálculo do impacto do piso considerando apenas os recursos do FUNDEB, simplesmente por que esse não é o único recurso disponível para a educação paraense. Além do dinheiro do FUNDEB o governo estadual deve aplicar 5% dos recursos arrecadados com Fundo de Participação do Estado (FPE), ICMS, IPVA, ITCMD, IPI Exportação, IOF, Compensação da Lei Kandir e ainda 25% do Imposto de Renda Retido na Fonte. Analisando a previsão atualizada de receita para 2011 (declarada pelo governo estadual) o montante de recursos destas fontes será de R$ 430.045.098,03.

3°. Assim, o total de recursos obrigatórios para aplicação em educação no estado do Pará em 2011 será de R$ 1.760.180.814,33, ou seja, R$ 570.265.866,58 a mais do que o valor que o governo usou como parâmetro para justificar seu pedido.

4°. Considerando verdadeiros os cálculos de impacto na folha do magistério apresentados no ofício acima referido, calculei o impacto anual da folha do magistério com o piso sobre a receita obrigatória total. Não levei em consideração o fato de que nos demais meses a folha possa ter sido menor do que a de agosto. A folha de agosto com o piso (R$ 103.736.887,55, conforme documento do governo) multiplicada por 12 meses, mais 13° salário e mais um terço de férias importaria em R$ 1.382.812.711,04.

5°. O comprometimento da receita total com a folha do magistério é de 78,6%. É alto, mas não desesperador. Somando com a folha dos demais servidores o comprometimento chegaria a 94,6% do total das receitas. Ou seja, caberia ao governo garantir o custeio com os recursos restantes e o dinheiro do salário-educação, que em 2011 será de R$ 146.589.221,00.

Conclusão: o governo do estado, caso queria priorizar a educação, tem condições de pagar o piso para o magistério!

Um dia intenso

Ontem passei o dia na região sul e sudeste do Pará. Foi um dia intenso, cansativo e muito produtivo.

Pela manhã me desloquei de cidade de marabá até o campus rural do Instituto Federal de educação Tecnológica do Pará (IFPA). O prédio federal ainda está em construção (a obra está atrasada e segundo os professores a fiscalização da direção do instituto é falha) e está situado próximo de um dos mais importantes assentamentos do MST na região.

No IFPA realizei um debate sobre o ensino profissional no novo PNE e os impactos da aprovação do Pronatec. A plenária contou com a presença de professores e estudantes do instituto. Os estudantes, em sua grande maioria, são filhos de trabalhadores rurais de assentamentos da região.

Fiquei muito bem impressionado com o nível das perguntas, com a forma crítica que os estudantes enxergam a realidade e com a disposição de todos em contribuir na luta pela aprovação de 10% do PIB para a educação pública.

Almocei com os estudantes e me desloquei para a cidade de Parauapebas (2 horas de carro e muitos buracos!). Durante a tarde reuni com os professores estaduais em greve e com estudantes que participam do movimento que reivindica a inclusão daquela cidade no escopo da futura Universidade do Sul e Sudeste do Pará. Ajudei na reflexão sobre a importância do piso, da hora-atividade e do plano de carreira e testemunhei depoimentos sobre a pressão que o governo do estado tem feito para impedir o sucesso da greve dos docentes.

De volta à estrada. Durante a noite, já em Marabá, participei da assembléia geral dos professores estaduais deste município. Discuti com eles os números apresentados pelo governo do estado e destaquei a importância do movimento atual para o sucesso da lei do piso em nosso país, alertando para a falácia do discurso do governo estadual no que diz respeito à impossibilidade de honrar com o pagamento do piso.

É sempre bom não perder o contato com a realidade que se esconde nos números e indicadores educacionais. Ouvi relatos de escola cujo teto desabou, de escola que aparece como construída nos balancete do governo estadual e não foi terminada, de pessoas na área rural que não conseguem ter acesso ao ensino fundamental, dentre outras carências. Presenciei também muita disposição de luta por mudanças. O próprio prédio do Campus Rural do IFPA é fruto desta persistente luta por ampliação dos direitos sociais em nosso país.

Terminei o dia sentindo o cansaço da jornada, mas certamente volto da viagem muito mais disposto a contribuir com a luta por melhores dias para a educação do meu estado e do Brasil.

Privado 1 X Público 0

No dia de ontem o plenário do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei que institui o PRONATEC. Votou contra a proposta apenas a bancada do PSOL. Já comentei o teor deste projeto anteriormente, mas resumo novamente os seus principais aspectos:

1ª. Estabelece a possibilidade de o governo federal repassar recursos para a iniciativa privada em troca de oferta de vagas gratuitas, ou seja, o projeto permite a compra de vagas em instituições particulares, com destaque para as pertencentes ao sistema S.

2ª. Cria a figura da “bolsa-formação estudante” como instrumento viabilizador do repasse de recursos, os quais poderão também ser destinados a instituições públicas. Neste caso, o pagamento de professores para ministrar aulas nos cursos profissionalizantes não se enquadrará como salário e sim como bolsa, não incorporando tal remuneração na carreira dos docentes. E, provavelmente, o valor da hora-aula será inferior ao praticado nas instituições federais atualmente.

3ª. Transforma o FIES em programa de financiamento também para o ensino profissional, ou seja, permite que estudantes acessem crédito para cursar esta modalidade de ensino.

4ª. Estabelece uma modalidade de “bolsa-formação trabalhador”, a qual será financiada pela empresa. Da mesma forma as empresas poderão acessar o crédito do FIES para seus funcionários.

5°. Condiciona o recebimento do seguro-desemprego a comprovação de freqüência em curso de qualificação profissional pelo trabalhador.

A previsão do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação que tramita na Câmara dos Deputados é de que na próxima década se ofereça um milhão de vagas a mais no ensino profissionalizante. Pela planilha apresentada pelo MEC 48% destas vagas serão privadas.

Com a aprovação do Pronatec estas vagas, pelo menos parte delas, serão financiadas com recursos públicos, procedimento que impulsionará e viabilizará a expansão do setor privado no país, a exemplo do que o FIES e o PROUNI vem fazendo no ensino superior.

Resumo da ópera: o governo conseguiu aprovar uma lei que estimula o crescimento privado no ensino profissionalizante via subsidio público e indução de endividamento das famílias.

A aprovação do Pronatec representa uma vitória muito importante do setor privado em nosso país. De certa forma guarda coerência com a aprovação de privatização de parte dos serviços dos Correios e de concessão dos aeroportos. E, logicamente, parte do pressuposto de que a educação não é um direito público que deve ser garantido pela prestação de serviço público. A concepção embutida no projeto é de que a educação é um serviço que pode ser prestado tanto pelo poder público quanto pelo setor privado, desde que devidamente remunerado pelo poder público.

Qualquer semelhança com o modelo chileno não é mera coincidência. E isto acontece quando este modelo afunda em profunda crise, com as famílias chilenas endividadas e os estudantes nas ruas querendo mudanças.

A educação pública perdeu mais uma. Agora é esperar o relatório do PNE pra ver se o setor privado ampliará sua vantagem ou conseguiremos pelo menos empatar este jogo.

segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Dia seguinte

No dia 13 de outubro estive participando do Congresso do Sindicato dos docentes do Espírito Santo. Compartilhei uma mesa sobre financiamento com a sindicalista Marta Vaneli.

Quase no final do debate uma professora fez uma pergunta que gostaria de comentar neste espaço virtual. A docente queria saber o que aconteceria no dia seguinte a aprovação do PNE, especialmente estava preocupada com as possíveis mudanças práticas, concretas, da destinação de 10% do PPIB para a educação pública.

Em primeiro lugar, a pergunta trouxe uma preocupação que deve ser de todos aqueles que estão empenhados em melhorar o plano nacional de educação. Não queremos que a lei aprovada seja apenas mais uma lei a não ser cumprida pelos gestores públicos. Há uma saudável expectativa de que o novo PNE pode ajudar a alterar a situação concreta de nossas escolas, de nossos docentes e de nossos alunos.

Em segundo lugar, cabe um esclarecimento muito importante: a definição de um percentual de gasto público com educação deve ser considerada uma meta síntese das demais metas do plano. O que isso quer dizer? Que só vamos aplicar 7% ou 10% do PIB se as demais metas obrigarem o poder público, nas mais diversas esferas, a aumentarem os gastos com educação.

Em terceiro lugar, mais não menos importante, a pergunta trouxe uma preocupação muito relevante com a efetiva aplicação dos recursos públicos com a educação. Há uma desconfiança fundada em evidências concretas de que parte do que se declara como gasto educacional ou não foi efetivamente feito ou então foi feito em outras atividades públicas não caracterizáveis como educação. Aperfeiçoar o controle social é fundamental para que o novo PNE não seja uma carta de intenção.

O relator da matéria na Câmara dos Deputados, deputado federal Ângelo Vanhoni, pode dar uma importante contribuição para que as preocupações da referida professora sejam observadas. Enumero algumas sugestões para o seu relatório:

1º. Acolher toda emenda que vise precisar a participação de cada ente federado em cada meta, por exemplo, explicitar o quanto de vagas públicas serão criadas e que ente federado será responsável pela tarefa.

2º. Oferecer mecanismos que obriguem a destinação de recursos nos orçamentos públicos correspondentes e estabelecer punição para os gestores que não cumprirem as metas estipuladas.

3º. Estabelecer formas de controle social da execução do PNE, favorecendo a transparência e vigilância cidadã.

4º. Escrever claramente no PNE o percentual de destinação de recursos e, ao mesmo tempo, esclarecer quem vai pagar a conta, ou seja, qual o tamanho do esforço que União, Estados e Municípios terão que fazer pra cumprir a exigência.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Contagem regressiva

Faltando 67 dias para completar um ano de tramitação parece que finalmente será apresentado o Relatório do deputado Angelo Vanhoni (PT/PR) na Comissão Especial que analisa o PL nº 8035, que cria o novo Plano Nacional de Educação. A previsão é que este Relatório seja divulgado no próximo dia 19 de outubro.

A expectativa é grande por vários motivos:

1º. Houve neste ano forte mobilização da sociedade civil para influenciar no texto do deputado relator. O número grande de emendas apresentadas ao Projeto é reflexo direto desta mobilização social;

2º. Foram realizadas inúmeras audiências públicas para debater o novo PNE. Tanto nas audiências realizadas nos estados quanto aquelas realizadas na Câmara dos Deputados, a quase unanimidade de especialistas e entidades foi de que o projeto precisa de grandes alterações para se tornar um plano digno do nome;

3º. Dentre os aspectos que se tornaram o centro do debate destaco a questão da definição do percentual de destinação de recursos públicos para a educação, colocando em lados opostos o governo federal (defensor de uma elevação de 5% para 7% na próxima década) e o conjunto da sociedade civil (que propõe 10% do PIB para a educação pública);

4º. Um segundo aspecto ganhou relevância nos debates do PNE e diz respeito à necessidade de uma redefinição do papel da União no financiamento educacional. Ou seja, não basta definição de metas audaciosas, é necessário dizer claramente como cada ente federado irá contribuir para a sua realização;

5º. E, tão importante quanto às duas questões citadas acima, a necessidade de o novo plano ter na oferta pública a sua principal âncora é de fundamental importância para definir o caráter do futuro PNE.

Bem, ser relator de uma matéria de tamanha relevância certamente é cobiçado por todo parlamentar. Um bom relatório e a demonstração de alta capacidade para incorporar as reivindicações dos diversos grupos sociais fortalecem o parlamentar como interlocutor dos movimentos sociais. Um relatório muito afinado com as restrições orçamentárias governamentais e com as diretrizes do MEC pode transformar o prêmio da relatoria num calvário perante as entidades representativas da sociedade civil.

Na vida sempre estamos fazendo escolhas e como diz a Bíblia não é possível adorar a dois senhores. Talvez a maior expectativa seja para ver como um deputado da base do governo e de um partido com forte inserção nos movimentos sociais vai responder a este desafio.

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O Círio de Nazaré, as diretas e Tancredo

A história sempre é contada sob a ótica dos vencedores. Esta frase não é original, mas resume muito bem o meu sentimento ao ler no dia de ontem o artigo do senador Aécio Neves na FSP intitulado “Círio de Nazaré”.

O Círio de Nazaré é a maior manifestação religiosa do país e acontece todos os anos no segundo domingo de outubro. Este ano reuniu mais de dois milhões de devotos. O artigo inicia elogiando essa demonstração de fé e relata a experiência vivida pelo atual senador no ano de 1984, quando acompanhou o seu avô Tancredo Neves na referida procissão.

Por coincidência eu também estava lá neste dia, mas o meu olhar sobre os fatos históricos são bastante distintos do político tucano.

Nas vésperas do Círio a cidade de Belém protagonizou uma das últimas tentativas de manter viva a chama por eleições diretas em nosso país. Estávamos em outubro e em abril a emenda Dante de Oliveira havia sido derrotada, mas a população continuava se mobilizando por diretas já. Acontece que as elites costuravam um grande acordo político que viabilizaria a eleição de Tancredo Neves no Colégio Eleitoral.

Com a viabilização da transição da ditadura para a democracia de forma controlada pela elite, restava controlar o povo. Assim, no segundo semestre as lideranças conservadoras do movimento pelas diretas começaram a proibir e coibir a presença da esquerda nas manifestações, chegando a proibir a presença de bandeiras vermelhas nos comícios da campanha, tudo isso para tornar o movimento cívico num instrumento de pressão para a vitória de Tancredo no Colégio Eleitoral.
No sábado antes do Círio de 1984 os movimentos de resistência a ditadura decidiram contrariar a orientação que impedia bandeiras vermelhas. Todos os militantes que tentaram hastear suas bandeiras foram reprimidos.

No dia seguinte Tancredo Neves assistiria o Círio de Nazaré em um prédio público municipal. Na noite de sábado decidimos protestar contra a repressão e a prisão de inúmeros militantes pela Polícia Militar comandada pelo ex-governador Jader Barbalho. Para não ofender a religiosidade de nosso povo foi confeccionada uma grande faixa para ser erguida em frente ao palanque oficial onde estaria o futuro presidente indireto do país.
Tive a honra de levantar esta f
aixa e nela estava escrita a seguinte citação bíblica: Por que me persegues? Foi um protesto que durou alguns segundos e simbolizou claramente que a correlação de forças de um movimento tão bonito como o das diretas já havia mudado.

Não me recordo de ter visto Aécio Neves no palanque, mas éramos bens jovens (eu com 21 anos e ele com 24 anos) e o meu olhar era para Jáder Barbalho e Tancredo Neves.

Realmente o Círio de Nazaré é uma manifestação religiosa marcante para o povo do Pará e do Brasil, mas certamente nossos olhares sobre a história são bens diferentes.