quarta-feira, 29 de maio de 2013

Pimentel, o sincero.


Ontem (28.06.13) foi aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado o substitutivo do relator Pimentel (PT/CE) ao projeto de PNE aprovado na Câmara dos Deputados.

O relator pode ser acusado de muitas coisas (e tem várias das quais poderíamos citar!), mas nunca de faltar com a sinceridade em seu relatório. O texto é precioso para verificar as verdadeiras intenções e motivações das propostas modificativas apresentadas pelo relator a mando do MEC.

Cito um caso no dia de hoje. Já comentei neste espaço que o senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP) apresentou uma proposta de novas fontes de recursos para a educação. De forma resumida o referido senador propõe que:

                                                            a)      Todo os recursos (100%) dos royalties e de participação especial, de todos os contratos (antigos e futuros) e de todos os formatos de exploração (concessão e partilha ou cessão onerosa) sejam destinados imediatamente à educação.

                                                            b)      Que 50% dos recursos depositados no Fundo Soberano sejam destinados à educação.

                                                             c)      E que 50% dos dividendos obtidos pela União das nossas estatais (Petrobrás, Eletrobrás, Caixa, Banco do Brasil, BNDES, etc.) sejam direcionados para a educação. Em 2011 foram 28 bilhões destinados exclusivamente para pagar a dívida pública.

Pois bem, em plenário o senador afirmou que havia acatado parcialmente a referida emenda, mas isso só foi um pequeno jogo de cena (tão comum no parlamento brasileiro, infelizmente!). A emenda foi rejeitada no conteúdo principal e no texto denominado Complemento de Voto (disponível na página do senado) o relator explica a motivação da rejeição. Transcrevo o conteúdo abaixo:

Sobre destinar 100% dos royalties de todos os contratos o relator afirma:

Não obstante, em nome da segurança jurídica, optamos por delimitar sua incidência apenas sobre os contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, até porque a matéria encontra-se sub judice no Supremo Tribunal Federal.

Sobre destinar 50% dos recursos do Fundo Social e não somente os dividendos:

 Quanto à destinação dos recursos do Fundo Social, a fórmula proposta implicaria risco à própria viabilidade da consecução de seus objetivos, com potencial prejuízo às demais áreas por ele contempladas, que são a cultura, o esporte, a saúde pública, a ciência e tecnologia, o meio ambiente e a mitigação e adaptação às mudanças climáticas.

Sobre a destinação de 50% dos recursos dos dividendos das estatais o relator foi claro:


Já no que diz respeito às receitas decorrentes de participações e dividendos mencionadas, entendemos que tal medida teria os sérios inconvenientes de aumentar a dívida pública, ao passo que a manutenção do disposto no art. 1º, I, da Lei nº 9.530, de 10 de dezembro de 1997, que garante a aplicação desses recursos na amortização da dívida pública federal, constitui relevante salvaguarda para as finanças públicas.

 
Mais claro do que isso é impossível. A prioridade do governo (e do relator) é o pagamento da dívida pública. Interessante que o relator não comentou no seu texto o “inconveniente” cometido pelo governo federal que sacou mais de 12 bilhões do Fundo Social para pagar a dívida pública, deixando claro para que finalidade este fundo vai servir.

E, obviamente, para o relator o fato do governo federal utilizar metade do seu orçamento apenas para pagar amortização e juros da dívida não representa nenhum inconveniente ao futuro do país.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Retrocesso no PNE aprovado na CAE do Senado


Apesar de várias tentativas de mudar o relatório do Senador Pimentel (PT/CE), a Comissão de Assuntos Econômicos do Senado aprovou por unanimidade o texto com pequenas alterações. O PLC 103 de 2012 segue agora para a Comissão de Constituição e Justiça e depois para a Comissão de Educação. Após esta tramitação irá para o plenário do Senado.

Por que afirmo que foi um retrocesso?

1º. As mudanças mais importantes feitas pelo relator foram direcionadas a reverter a principal derrota que o governo sofreu na Câmara dos Deputados. Por pressão da sociedade civil foram incluídas obrigações de participação pública nas metas de crescimento da educação profissional e do ensino superior. A consequência foi o aumento das responsabilidades federais. E também foi garantido a destinação de 10% do PIB para a educação pública.

2º. A postura do MEC nas negociações e do seu relator foi de manter o que era principal e ceder apenas em coisas adicionais. Alguns exemplos:

a.       O relator recolocou a meta intermediária de 7% no texto da Meta 20, mas manteve a redução do percentual da meta por via da retirada do termo pública da redação. Ou seja, 7% não vale o mesmo que valia antes.

b.      Não mexeu nem na Meta 11, nem na Meta 12 e manteve a troca do termo pública por “gratuidade”.

c.       Não garantiu a implantação do CAQi nos próximos dois anos e deixou o termo “definir”, ou seja, daqui a dois anos encerra o prazo para o governo definir o que é o CAQi e só depois é que começará a contar o prazo (não estabelecido) para implantá-lo. Quem sabe pro próximo plano 2021-2030?

d.      Não garantiu que os recursos atualmente distribuídos via royalties fossem destinados à educação, mantendo redação semelhante ao teor do projeto do governo.

3º. É verdade que o relator retirou a necessidade de laudo médico para atendimento diferenciado para portadores de deficiência e alguns outros reparos, mas nem mesmo reintroduzir a meta intermediária altera o principal: o governo conseguiu reduzir a conta que teria que pagar e, de quebra, conseguiu inserir o pressuposto de que o crescimento da oferta escolar se dará em parceria (palavra bonita!) com a iniciativa privada.

 

Bastidores não são suficientes.

 

Uma das lições que a sociedade civil deve tirar desta primeira fase de tramitação do PNE no Senado é que somente articulações de bastidores, por mais bem intencionadas que sejam, não serão suficientes para reverter os retrocessos implementados pela bancada governista.

Sem mobilização social efetiva os retrocessos tendem a se aprofundar. E quero propor que todos os setores populares utilizem os espaços das conferências municipais de educação, primeira etapa da CONAE para desmascarar o que está acontecendo no Senado Federal.

E, obviamente, para as próximas etapas de tramitação, não sou contra que se continue com as reuniões nos bastidores, por que isso força os relatores e o governo a escutarem a sociedade civil. Mas, de maneira combinada, será essencial reproduzir a mobilização que já foi feita quando do debate do FUNDEB e na tramitação na Câmara. Para isso é necessário escolher os temas e as emendas que todos trabalharão para aprovar e priorizar reverter os retrocessos que hoje foram aprovados.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Votação do PNE é adiada e ministro defende relatório


Na manhã de hoje, devido à forte pressão da sociedade civil organizada, o relator do Projeto de PNE aceitou adiar a votação na Comissão de Assuntos Educacionais do Senado. O presidente da CAE, senador Lindbergh afirmou que havia recebido o mesmo pedido do ministro Mercadante.

Semana passada ocorreu o 14º Fórum Nacional dos Dirigentes Municipais da Educação, espaço que reúne os gestores municipais de todo o país. Não estive presente, mas acabei de receber um boletim informativo e nele encontrei a transcrição da fala do ministro Mercadante no evento.

Destaco o trecho em que ele fez uma enfática defesa do teor do relatório do senador Pimentel, justamente em um dos pontos mais polêmicos:

“Com todo o crescimento que nós fizemos na rede federal, o setor privado tem um papel importante de expansão. Quando a gente faz uma bolsa de estudo gratuita com isenção fiscal, temos que considerá-la como investimento público na educação. Já falei com o Fórum da Educação e vamos construir um acordo sobre o que poderá conter este conceito, definindo que tem que conter políticas públicas que gerem inclusão social e que garantam a gratuidade no ensino”, afirma o ministro.

Vários aspectos podem ser extraídos deste breve trecho.

1º. O ministro reforça a visão do relator de que o cumprimento do PNE depende da participação do setor privado, pelo menos no que diz respeito ao ensino superior, citado pelos dois.

2º. O ministro defendeu que as bolsas em troca de isenção fiscal sejam contabilizadas como investimento público na educação.

3º. Disse que sua atuação na negociação não será para retirar do texto o que a sociedade civil considerou um retrocesso, mas para circunscrever em que situações os repasses para o setor privado serão considerados investimento público e o interlocutor que ele valorizará será o Fórum da Educação, grupo de entidades governamentais e não-governamentais criado para organizar a CONAE.

Pelo teor desta intervenção o jogo vai ser pesado e ficou evidente que:

1.     Quando a sociedade civil faz valer a sua voz ela consegue ser ouvida e sem a gritaria que ocorreu o relatório já teria sido aprovado na manhã de hoje;

2.     O governo está totalmente antenado com o teor do relatório e vai resistir às mudanças que são necessárias.

Está na hora de aumentar a pressão.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

A Emenda Randolfe: nova fonte pra educação


Acabo de conversar com o senador Randolfe Rodrigues (PSOL/AP), parlamentar comprometido com um PNE pra Valer, e ele me adiantou que amanhã pela manhã apresentará na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado uma emenda aditiva prevendo uma nova fonte de recursos para a educação.

Além de melhorar o formato da destinação dos recursos dos royalties, que ele propõe que seja 100% de todos os recursos da produção, sejam de contratos antigos ou novos, do pós-sal ou pré-sal, ele está defendendo que 50% dos recursos oriundos de dividendos pagos pelas empresas estatais a União sejam direcionados a educação.

Recordo que durante a tramitação do Projeto de PNE na Câmara dos Deputados foram apresentadas inúmeras alternativas de novas fontes para financiar a elevação do percentual de aplicação dos recursos em educação. Este resgate é importante para que se combata a simplificação e o falseamento do problema que vem fazendo o relator da matéria na CAE do Senado e o próprio governo, que vendem a ilusão de que a destinação dos royalties seria suficiente, ainda mais no formato tímido proposto.

Pois bem, uma das fontes apresentadas ao debate foi a vinculação de um percentual do lucro líquido de nossas estatais para a educação. A redação da emenda propunha a criação de um “Fundo de Investimentos na Infraestrutura Escolar da Educação Básica Pública” a partir da “destinação de 5% do lucro líquido das empresas estatais federais’, sendo que tal recurso seria gerido pela União e adicionado as “transferências obrigatórias e voluntárias”.

Segundo o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão existem 111 empresas estatais federais no Brasil. Este número, na verdade, é um pouco menor, por que no caso da Petrobrás são contabilizadas 12 empresas e o Banco do Brasil são 10 empresas. De qualquer forma as cinco empresas principais são a Petrobrás, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, O BNDES e a Eletrobrás.

Dados sistematizados pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação demonstravam que o lucro líquido destas cinco principais empresas havia sido R$ 62,8 bilhões em 2010, ou seja, caso seja aprovada e efetivada a proposta de emenda, a educação teria um complemento de R$ 3,14 bilhões anuais.

Acho mais apropriado a utilização do conceito de dividendo, pois a utilização do lucro líquido é uma atribuição do Conselho Deliberativo de cada estatal. No caso de estatais em que o setor é o único acionista os lucros são destinados ao Estado ou são reinvestidos. No caso das sociedades de economia mista, além do reinvestimento, os demais acionistas também recebem dividendos.

Por essa característica parece mais apropriado que se trabalhe não com a formulação genérica de “lucro líquido das estatais federais”, mas com os “dividendos auferidos pelo governo federal das empresas em que é acionista”.

Acontece que a Lei nº 9.530 de 1997 (pelo FHC), estabeleceu no seu inciso I do artigo 1º que todo dividendo auferido pelo governo federal devesse ser utilizado na amortização da dívida pública federal. Um verdadeiro absurdo, que não foi enfrentado pelo governo Lula e que o governo Dilma considera acertado.

Em seu discurso do dia 1º de maio a presidenta Dilma anunciou que a educação seria prioridade em seu governo. Pois então, alterar a destinação dos dividendos auferidos devido a lucratividade de nossas empresas estatais é um bom caminho para testar a veracidade das palavras presidenciais.

A proposta que o senador Randolfe Rodrigues (PSOL) está fazendo é mais radical e impactante do que a emenda que tramitou na Câmara.

Dados coletados no SIGA Brasil demonstram que a União recebeu em 2012 de dividendos o valor de R$ 28 bilhões de reais. A arrecadação seria, em números de 2010, R$ 14 bilhões de reais, portanto maior do que o que está sendo proposto pelo Projeto de Lei nº. 5500/2013 (comentado neste espaço anteriormente). E significaria realmente uma contribuição federal, tornando um pouquinho mais equilibrada a participação deste ente federado na manutenção e desenvolvimento do ensino.

E mais, a aprovação de uma destinação de parte dos dividendos auferidos pelo governo federal de suas estatais seria uma forma de redirecionar os recursos do fundo público para ações que sejam mais eficientes no combate à desigualdade social em nosso país. Vale recordar estudo feito pelo IPEA (http://migre.me/eDNAg) que mostra o quanto é mais virtuoso para nossa economia o gasto com educação do que a amortização da dívida pública.

Quem poderia ser contra uma propostas destas, além dos nossos credores, é claro?

 

 

A luta pelos 10% e a busca de novas fontes pra educação


Uma das grandes vitórias dos educadores brasileiros foi ter conseguido inserir a Constituição Federal um percentual de vinculação de impostos para a educação. Sem esta vinculação não teríamos a cobertura escolar que temos hoje.

Os investimentos públicos em educação são fracos em nosso país. Especialmente pelos desafios de acesso, permanência e sucesso que ainda temos pela frente. Em 2011, oficialmente, este investimento girou em torno de 5,3% do PIB.

Comparar os gastos educacionais ao PIB é um indicador, mas tais investimentos precisam ter fontes seguras (como a vinculação constitucional e o salário-educação) e se materializa em cada orçamento de cada ente federado. Sem esta clareza o percentual do PIB não se concretiza, vira uma simbologia.

Os educadores lutam por 10% do PIB para a educação pública. O governo apresentou 7%, depois autorizou o relator na Câmara a apresentar 8%, tentou incluir os gastos com o setor privado e na votação teve que engolir a vitória dos setores populares com a decisão de 10% do PIB para a rede pública.

Agora novamente o governo, por meio do seu fiel escudeiro senador Pimentel (PT/CE) tenta novamente reduzir este percentual, mudando o indicador para incluir gastos com bolsas e subvenções e assim reduzir para algo em torno de 8,5% do PIB o investimento direto na rede pública.

Para além desta polêmica há a necessidade de se estabelecer de onde virá o dinheiro para complementar os atuais patamares de gastos. Quanto mais claro estiver esta fonte, mais garantia teremos de cumprir a meta e crescermos os investimentos.

Depois de ser uma bandeira apenas do movimento social, o governo decidiu assumir a destinação dos royalties como fonte complementar a educação. Acontece que essa fonte não é suficiente e no formato proposto pelo governo muito menos impactante será.

Vamos esclarecer bem esta questão:

1.       Em 2011 os royalties repassados para os entes federados foi de 12,9 bilhões de reais. Também foram repassados a título de participação especial um montante de 12,6 bilhões de reais.

2.       Os recursos arrecadados na área do pré-sal e devidos ao Estado Brasileiro vão na sua totalidade para o Fundo Soberano. Segundo o relatório de gestão teríamos depositados neste fundo algo em torno de 15 bilhões. Isto sem levar em consideração que no final de 2012 o governo assaltou este saldo e retirou 12,8 bilhões para amortizar a dívida pública.

3.       Acabaram de ser licitadas novas áreas de extração de petróleo e gás, as quais passarão a produzir daqui a alguns anos (cinco anos mais ou menos) e que devem aumentar a produção nacional.

O que o governo está propondo:

1.       Que não vá para a educação NADA dos royalties e participação especial de contratos antigos (valores descritos no ítem 01 acima);

2.       Que 100% dos royalties dos contratos novos, que começarão a produzir na metade da vigência do PNE sejam destinados à educação.

3.       Que 50% dos dividendos do dinheiro do Fundo Soberano seja destinado a educação.

Quanto isso representa e qual o impacto nas necessidades do PNE?

Bem, não é fácil fazer esta conta, principalmente por que não há informação oficial de quanto é a estimativa de royalties das áreas novas, mas extraoficialmente fala-se em potencial para representar metade do que hoje se produz, ou seja, de gerar 50% dos atuais royalties.

Dados do relatório de gestão do Fundo Soberano de 2011 mostram que os dividendos dos recursos depositados pela Petrobrás (quem extrai na área do pré-sal) foram de apenas 444,8 milhões de reais, mas devem crescer no próximo período.

Somando tudo teríamos algo em torno de 13,8 bilhões de recursos novos para educação por ano.

O PIB de 2012 foi de 4,3 trilhões de reais. Não existem dados do investimento em educação realizados, mas caso tenha se repetido o desempenho de 2011, isto significaria que a educação aplicou algo em torno de 233 bilhões ou 5,3% do PIB, faltando portanto 206 bilhões para chegar aos 10%.

É verdade que este valor, segundo a Meta 20, deva ser alcançado ao final de dez anos, mas fica evidente que formato proposto pelo governo é muito insuficiente.

Caso prevaleça a proposta da sociedade civil, ou seja, que TODOS os recursos oriundos de royalties e participação especial, seja em terra ou no mar, seja no pós sal, seja no pré-sal, sejam direcionados a educação, aí sim estes recursos se tornariam mais significativos, mesmo que não suficientes para resolver todo o problema. Neste formato mais abrangente teríamos hoje algo em torno de 53 bilhões, em números atualizados para 2012.

Então, lutar para que os recursos dos royalties e participação especial sejam direcionados para a educação é importante, mas precisa ser ao mesmo tempo coerente e não cair nas armadilhas da proposta do governo.

Dizer não a discussão é perder recursos novos para a educação e transformar a luta por 10% em bandeira apenas de propaganda, para ser realizada quem sabe somente no socialismo. Dizer somente sim a proposta do governo é criar ilusões de soluções parciais e tornar mais incerta a possibilidade de termos 10% do PIB pras educação pública.

É preciso exigir mais e com mais clareza. É preciso lutar pelos 10% e brigar para que sejam estabelecidas novas fontes de financiamento estáveis para a educação. Dentre elas (mas não a única) está a destinação de 100% dos royalties e participação especial para a educação. De forma abrangente e sem restrições, envolvendo os recursos de todos os entes federados.

 

quarta-feira, 15 de maio de 2013

MP da Geladeira


Acaba de sair do forno mais uma Medida Provisória do governo federal. Trata-se da MP nº. 614. Aparentemente a mesma teria sido editada para corrigir os "erros" constante da Lei nº. 12772, aprovada no ano passado e que trata da reestruturação do plano de carreira. Já tratei este tema neste espaço virtual, mas vamos recordar quais eram as polêmicas que envolviam o assunto.

1º. A Lei citada estabeleceu que o "ingresso na Carreira de Magistério Superior ocorrerá sempre no primeiro nível da Classe de Professor Auxiliar, mediante aprovação em concurso público de provas e títulos". E que no "concurso público de que trata o caput, será exigido o diploma de curso superior em nível de graduação". A exigência de apenas graduação mereceu destaque na mídia e pronta resposta do MEC dizendo que havia ocorrido um erro. Porém, pouco destaque teve para o caput do artigo, ou seja, para o fato de que exigir graduação estava diretamente vinculado a enquadrar os novos professores na classe de Professor Auxiliar.

2º. As universidades estabelecem, por meio de sua autonomia constitucional, as exigências de seus concursos. Como regra a exigência tem sido doutorado, por isso que nas instituições públicas federais temos já 48% de professores doutores. Mas existem exceções, motivadas por especificidade de áreas do conhecimento ou por dificuldades em determinadas regiões do país.

3º. Hoje, ao exigir titulação de doutor, a universidade garante que o novo professor seja enquadrado como professor adjunto, ou seja, que perceba vencimento equivalente a sua qualificação. Este dispositivo foi alterado pela referida lei.

A Medida Provisória nº. 614, publicada no dia de hoje não resolveu o problema. O que o governo está propondo?

1º. Manteve o dispositivo de que o professor iniciará sua carreira no primeiro nível da Classe de Professor Auxiliar;

2º. Corrigiu o problema da exigência para ingresso, estabelecendo como regra o título de doutor, mas prevendo exceção a ser decidida pelo colegiado de direção das instituições de ensino; e

3º. Criou uma espécie de sub-classe dentro da Classe A (a do Professor Auxiliar). Assim, dentro desta Classe teremos três tipos de professores: Professor Auxiliar, Professor Assistente A e Professor Adjunto A, com salários diferentes e menores do que os seus equivalente com igual qualificação em outras classes da carreira.

O que isto quer dizer?

1º. Que o erro do governo somente aconteceu no caso da exigência, mas que a intenção era prender os novos professores em nível mais baixo da carreira durante um tempo, pressionando os gastos com salário para baixo.

2º. Que agora, corrigindo o pequeno erro, o governo está criando uma geladeira onde serão colocados os novos professores que, mesmo formalmente recebendo pela qualificação exigida no certame seletivo, ganharão salários menores que os seus semelhantes.

Exemplo: um professor adjunto (Classe C, Nível 1), que possui doutorado, em 2013 recebe de vencimento em 40 horas a fortuna de R$ 4.015,41. Mas um novo professor com doutorado, selecionado pós a edição da Medida Provisória, será classificado como Professor Adjunto A e seu vencimento em 40 horas será de R$ 3.677,52. Receberá durante parte de sua vida profissional 8,4% menos do que os que possuem a mesma qualificação.

A MP não resolve o problema, mantém uma interferência na autonomia universitária e cria uma absurda e inaceitável geladeira para os professores ingressantes.

Como afirmei acima, a criatividade não tem limite.

 

terça-feira, 14 de maio de 2013

Vendendo ilusões


Depois da aprovação do texto do PNE na Câmara muita água rolou debaixo da ponte acerca do debate sobre a destinação dos royalties para a educação.

Relembro que o texto do PLC nº. 103 de 2012, em sua estratégia 20.3 era dito proposto a destinação, na forma da lei, de 50% (cinqüenta por cento) dos recursos da União resultantes do Fundo Social do Pré-Sal, royalties e participações especiais, referentes ao petróleo e à produção mineral, à manutenção e desenvolvimento do ensino público.

Ou seja, o texto somente tratava dos recursos da União, estabelecendo que 50% de todos os royalties, participação especial e do Fundo Social do Pré-Sal seriam destinados à educação. Não havia estabelecimento de data de contratos e a expressão “resultante do Fundo Social do Pré-Sal” mesmo que dúbia, não tratava de uso de dividendos e sim do total dos recursos do referido fundo.

Neste intervalo tivemos o veto da presidente Dilma a Lei nº. 12734 de 2012 e o envio da Medida Provisória nº. 592, que além de preencher as lacunas deixadas pelo veto, introduziu outro nível do debate sobre royalties e educação. Na referida medida era estabelecido que 100% dos royalties dos estados e municípios dos contratos firmados após 03 de dezembro de 2012 seriam destinados à educação. Além disso, estabeleceu que cinqüenta por cento dos recursos resultantes do retorno sobre o capital do Fundo Social, ou seja, dos dividendos da aplicação dos recursos alocados no referido fundo.

A derrubada do veto tornou ineficaz a MP e obrigou o governo a enviar o Projeto de Lei nº. 5500/2013, o qual trouxe redação praticamente similar ao teor da referida Medida.

No relatório atual do Senador Pimentel o teor do referido Projeto de Lei foi incorporado ao Plano Nacional de Educação, procedimento que pode acelerar sua tramitação, caso o governo priorize a aprovação do plano.

O teor constante do PNE, caso aprovado o relatório, passaria a ser a seguinte:

Art. 14.  Para fins de cumprimento da Meta 20 integrante do Anexo a esta Lei e amparada no inciso VI do caput do art. 214 da Constituição, serão destinados exclusivamente a manutenção e desenvolvimento do ensino, na forma do regulamento, os seguintes recursos:

I – as receitas da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, provenientes dos royalties e da participação especial relativas aos contratos celebrados a partir de 3 de dezembro de 2012, sob os regimes de concessão e de partilha de produção, de que tratam respectivamente as Leis nº. 9.478, de 6 de agosto de 1997, e nº. 12.351, de 22 de dezembro de 2010;

II – cinqüenta por cento dos recursos resultantes do retorno sobre o capital do Fundo Social previsto no art. 47 da Lei nº. 12.351, de 2010.

Parágrafo único. Os recursos destinados a manutenção e desenvolvimento do ensino na forma do caput serão aplicados em acréscimo ao mínimo obrigatório previsto no art. 212 da Constituição.

Art. 15.  Serão integralmente destinados ao Fundo Social previsto no art. 47 da Lei nº. 12.351, de 22 de dezembro de 2010:

I – os recursos dos royalties e da participação especial destinados à União, provenientes dos contratos celebrados até 2 de dezembro de 2012 sob regime de concessão de que trata a Lei nº. 9.478, de 1997, quando oriundos da produção realizada no horizonte geológico denominado pré-sal, em campos localizados na área definida no inciso IV do caput do art. 2º da Lei no 12.351, de 2010;

II – os recursos dos royalties destinados à União, provenientes dos contratos celebrados sob o regime de cessão onerosa de que trata a Lei nº. 12.276, de 30 de junho de 2010.

Destaco a importância de que estes novos recursos, mesmo que insuficientes para arcar com as tarefas constantes nas metas do PNE, não sejam contabilizados dentro do percentual obrigatória constitucional.

Foi mantido no relatório a estratégia 20.3, que mesmo mantendo parte contraditória no que se refere a citação do pré-sal, introduz novas fontes de recursos ao citar resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de recursos minerais. Esta é a nova redação:

20.3) destinar a manutenção e desenvolvimento do ensino público, na forma da lei, recursos da União resultantes do Fundo Social do Pré-Sal e a totalidade das compensações financeiras pelo resultado da exploração de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de recursos minerais e dos royalties e participações especiais pela exploração de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos;

Agora, é importante entender a intenção do relator.

Em primeiro lugar, ele diminui a destinação de investimentos diretos à educação para algo em torno de 8,5%, retira a meta intermediária e desobriga a União de qualquer compromisso mais sólido com ensino profissionalizante e ensino superior.

Em segundo, ele usa os royalties como salvação da pátria, os quais seriam suficientes para garantir o cumprimento do PNE, o que não é verdadeiro. Em 2011 os royalties representaram. segundo informações do Anuário divulgado pela ANP, 12,9 bilhões de reais, estando aí incluídos os atuais contratos, que não fazem parte do texto incorporado pelo relator. Ou seja, somente quando as áreas que estão sendo licitadas começarem a produzir é que entrará dinheiro novo para a educação. Talvez no meio da vigência do plano. Considerando as informações divulgadas pela imprensa sobre o potencial produtivo dos novos poços (7 milhões de barris contra 15 bilhões atuais). Isto significa que na melhor das hipóteses teremos daqui a cinco anos metade dos royalties atualmente distribuídos, algo em torno de 6,5 bilhões anuais, ou o equivalente a 32,5 bilhões durante a vigência do PNE. Muito pouco pras necessidades. O próprio relator afirma que serão necessários 248 bilhões a mais em 10 anos.

Em terceiro, como o relator mantém a destinação de 50% dos dividendos da aplicação financeira do pré-sal é difícil calcular o quanto isso representará, mas juros no mercado internacional não passam de 2%.

Mesmo que entre este dinheiro novo, vale anotar que a lógica do relatório é direcionar parte para viabilizar os subsídios ao setor privado, julgado indispensável para o cumprimento do plano.

É mais um capítulo desta batalha por mais recursos para o setor público. Não é a última, com certeza.

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O texto precisa ser aprimorado, não desconstruído.


Após 143 dias, o relator do Plano Nacional de Educação na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal, Senador José Pimentel (PT-CE), apresentou seu novo relatório sobre a matéria. De 17 de dezembro de 2012 a 09 de maio de 2013, a educação pública brasileira aguardou ansiosamente pelo parecer, na esperança de ver serem mantidas conquistas importantes no texto aprovado na Câmara dos Deputados. Adicionalmente, ansiava por aperfeiçoamentos no texto das Metas 4, 7 e 19, e suas respectivas estratégias.

No entanto, embora o relatório do Senador Pimentel tenha melhorado na forma, em aspectos conceituais e práticos retrocede.

A nova redação da Meta 4, que trata, principalmente, da inclusão das pessoas com deficiência na rede regular de ensino, traz retrocesso conceitual. Ao ressalvar a inclusão em “casos específicos atestados por laudo médico competente, validado pelos sistemas de ensino”, se equivoca em dois aspectos: em primeiro lugar, o direito à educação é um direito humano e constitucional, não pode ser ressalvado em quaisquer hipóteses. Em segundo lugar, retoma um paradigma superado em todo mundo: aquele que trata a deficiência como doença, correndo-se o risco de medicalização da educação.

Diferente de todas as demais metas e tópicos do PNE, a melhor redação da Meta 4 foi aquela proposta pelo Ministério da Educação, no texto original do plano, encaminhado em dezembro de 2010 ao Congresso Nacional. Tanto é assim, que as redações tanto da Meta, como das estratégias, não receberam propostas de alteração por parte da sociedade civil. Portanto, e somente nesse caso, é preciso retomar o texto original.

Na Meta 5, diferente do correto texto da Câmara dos Deputados, que serviu de referência ao PNAIC (Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa), a proposta de Pimentel é trabalhar com a idade das crianças e não com o ano letivo correspondente ao ciclo de alfabetização. O ideal é congregar ambos. A lei do PNAIC, bastante recente, determina a alfabetização de todas as crianças até os 8 anos de idade e ao final do 3º ano do ensino fundamental. É um tema polêmico, mas que vem sendo debatido desde 2003 no Brasil.

A menção ao 3º ano é necessária, pois a gestão dos sistemas de ensino não se orienta pela idade dos alunos e sim pelos anos letivos contados dentro de um ciclo ou etapa da educação básica. Ademais, diferente daquilo que já foi estabelecido pelo recente programa do Governo Federal e negociado com os demais entes federados, trabalhadores da educação e pedagogos, Pimentel propôs uma nova meta: que, ao final do PNE, todas as crianças até os 6 anos de idade estejam alfabetizadas.

Sem retomar importantes questões pedagógicas e cognitivas, adiantar desse modo uma meta intensamente negociada, provavelmente, não terá significado prático. É melhor garantir a alfabetização plena aos 8 anos de idade e ao final do 3º ano do ensino fundamental, tal como já foi estudado e estabelecido pelo PNAIC, do que alfabetizar rápido e mal todas as crianças até o 6o ano de idade, inclusive correndo-se o risco de se escolarizar a educação infantil.

Na Meta 11, das mais de 2,2 milhões de matrículas de educação profissional a serem criadas, segundo projeções do deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), relator do PNE na Câmara dos Deputados, foi determinado que metade delas, cerca de 1,1 milhão, fosse de responsabilidade do Poder Público. Já na Meta 12, também pelo texto da Câmara dos Deputados e, novamente, conforme as estimativas do deputado paranaense, das quase 6 milhões de matrículas a serem criadas no ensino superior, 40% deveriam ser públicas (2,4 milhões).

Em nota, conforme informa matéria publicada hoje no jornal “O Estado de S. Paulo”, o Ministério da Educação afirma que com as medidas, o relatório de Pimentel protege “programas vitais, que promovem a inclusão, como o Ciência sem Fronteiras, o Programa Universidade Para Todos (ProUni), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES)”.

Na letra fria do texto, não é disso que se trata. Em ambas as metas, 11 e 12, o texto do relator na CAE do Senado Federal substitui a expansão de vagas públicas (ainda que em número menor) por vagas gratuitas. Ou seja, não apenas amplia iniciativas como o ProUni e Pronatec, programas importantes, mas com características emergenciais e transitórias, mas compreende que toda a expansão de vagas se dará por eles, ou por iniciativas similares de parcerias público-privadas ainda não discutidas, o que é ainda mais preocupante e temerário, haja vista que o PNE é um instrumento do Estado brasileiro, com abrangência superior e anterior aos mandatos dos governos.

Em outras palavras, especialmente o governo federal, mas também os governos subnacionais, serão desresponsabilizados de expandir a educação profissional e o ensino superior em estabelecimentos próprios, marcadamente aqueles que apresentam melhor qualidade e que tem sido centrais ao desenvolvimento do país. Ao contrário, poderão ser promovidos programas de bolsas de estudo em estabelecimentos bem menos qualificados, o que é muito menos custoso, mas nada estratégico em termos econômicos. Em resumo, o Brasil precisa superar sua tradição de apenas expandir matrículas. É preciso incluir os jovens em cursos de educação profissional e superior que ofereçam educação de qualidade.

A desresponsabilização do Poder Público nas Metas 11 e 12 acarretou consequências ao texto da Meta 20. Nesse caso específico, a redação da Câmara dos Deputados respeitava, corretamente, o princípio do financiamento público para a educação pública, a partir das projeções discorridas acima e outras, relativas à educação básica. Por lógica, o conjunto do Estado brasileiro só pode e deve projetar demanda de custos sobre os estabelecimentos de sua responsabilidade, ou sobre programas formalmente constituídos. Mas há outros problemas no que tange a sustentação financeira e de gestão do PNE, relativo ao mecanismo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), como será visto mais a frente.

Antes e em primeiro lugar, no texto proposto pelo relator na CAE do Senado Federal, foi extraída a meta intermediária que determinava que o investimento público em educação pública deveria alcançar um patamar equivalente a 7% do PIB até o 5º ano de vigência do PNE. Qualquer plano sério exige metas intermediárias, mas isso foi ignorado. Ademais, com essa mudança, a presidenta Dilma Rousseff ou qualquer outro/a candidato/a que vença o pleito em 2014, ficará desreponsabilizado de ampliar o financiamento da educação pública, deixando todo dispêndio de recursos para seu sucessor. Ou seja, a Meta mais debatida e estratégica do PNE, se for mantido o texto proposto por Pimentel, tende a ficar inviável.

Seguindo a sequência do texto, para fazer jus às perigosas mudanças nas Metas 11 e 12, o investimento público de 10% do PIB menciona apenas o termo “educação”, permitindo a transferência de recursos públicos para estabelecimentos privados, sem qualquer delimitação sobre os programas a serem beneficiados, nem os necessários critérios de transitoriedade. Com isso, se prevalecer o texto de Pimentel, fica aberta uma porta de saída de recursos públicos, que ao invés de fortalecer as escolas e universidades públicas, pode ser determinante para seu enfraquecimento.

Ainda no tocante à Meta 20, o relator desobrigou o Poder Público, especialmente a União, de implementar o mecanismo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial). O texto da Câmara dos Deputados exigia a implementação do CAQi após 2 anos de vigência do PNE. Já na redação de Pimentel, o texto apenas obriga o Ministério da Educação a “definir” o CAQi no mesmo prazo.

Não se trata de uma mudança pequena. Ao contrário, é muito grave. O CAQi é a principal referência para se garantir a boa gestão dos recursos do PNE. Criado em 2007 pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, este mecanismo determina quanto deve ser aplicado, por aluno ao ano, para as escolas públicas garantirem, ao menos, um padrão mínimo de qualidade, conforme critérios determinados pela LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e considerando valores diferenciados para cada etapa da educação básica.

É um instrumento tão sério e reconhecido pela comunidade educacional, que além de ser aprovado pelos delegados e delegadas da Conae/2010 (Conferência Nacional de Educação) e constar do Documento Referência da Conae/2014, foi incorporado e normatizado pela CEB (Câmara de Educação Básica) do CNE (Conselho Nacional de Educação).

No entanto, infelizmente, o parecer e a proposta de resolução que normatizam o CAQi, por ora codificado como parecer CEB/CNE 8/2010, aguarda homologação do MEC (Ministério da Educação) desde maio de 2010; ou seja, se encontra congelado no Ministério há 3 anos. Em outras palavras, gravemente, o texto de Pimentel, ao ignorar a séria falta de homologação por parte do MEC, concede ainda mais 2 anos para a pasta desconsiderar o trabalho realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o voto dos milhões de participantes da Conae/2010, além da própria deliberação da Câmara dos Deputados, onde o mecanismo foi amplamente debatido e apoiado. E o pior: não define qualquer prazo para a implementação desse importante instrumento. Mais uma vez, o Poder Público fica desresponsabilizado.

E é daí que decorre um grave erro de lógica, pois a Estratégia 20.8 diz que a União deverá complementar recursos aos Estados e Municípios que não alcançarem o valor o CAQi. No entanto, não é possível haver complementação de recursos por meio de um mecanismo que sequer tem prazo para implementação. Assim, segundo o próprio texto do relator, a União ficará mais uma vez desresponsabilizada de cumprir com sua obrigação constitucional, determinada pelo Art. 211 da CF/88, de colaborar técnica e financeiramente com os demais entes federados, de forma supletiva.

Para piorar o quadro, infelizmente, diferente do ocorrido em outras Metas e Estratégias, não há no relatório qualquer justificativa para as alterações nos tópicos que tratam do mecanismo do CAQi.

A rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação espera que os senadores e senadoras – especialmente, o próprio relator da matéria na CAE, Senador José Pimentel – aprovem um texto de PNE capaz de confirmar e aperfeiçoar as conquistas estabelecidas na Câmara dos Deputados.

É preciso que o texto do Senado Federal amplie as conquistas, com celeridade. E isso não será possível aprovando-se um texto incapaz de responsabilizar seriamente o Estado brasileiro por meio de mecanismos concretos e objetivos de fortalecimento da educação pública, que é a educação de todos e todas, para todos e todas.

O Brasil precisa de um “PNE pra Valer!”. E nós, rede da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, vamos trabalhar incansavelmente por esse objetivo, cumprindo com nosso papel mobilizador, articulador, analítico e propositivo, certos de que teremos uma boa interlocução com todos os senadores e todas as senadoras.

E um “PNE pra Valer!” é um PNE que respeite as deliberações da Conae/2010.

Assina: Comitê Diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.

Ação Educativa

ActionAid Brasil

CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)

Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

Fundação Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente

Mieib (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

Uncme (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)

Undime (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)

Público ou gratuito?


O relatório do Senador Pimentel (PT/CE) ao PLC 103 de 2012, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação, reacendeu um debate conceitual acerca da forma de prestação de serviço educacional em nosso país. Este debate conceitual está por trás das principais polêmicas quando da elaboração das LDBs e dos Capítulos de educação desde que o mundo é mundo.

A Constituição de 1988 estabeleceu no seu artigo 205 que a educação é um direito de todos, um dever do Estado e da família. Ao mesmo tempo em que a CF estabeleceu este status para a educação, abriu enormes brechas para que o serviço fosse também oferecido pela iniciativa privada. No inciso III do artigo 206 está garantida a “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. E no artigo 213 afirmou que “os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”.

Tenho concordância com a definição de que a “escola pública é aquela financiada com recursos públicos, provenientes da receita de impostos, mantidas e administradas pelas diferentes instâncias do Poder Público (VIEIRA, 2008, pag. 79). O direito à educação só será para todos se houver a prestação estatal da oferta de educação. Caso contrário, a renda e outros fatores serão determinantes ao acesso ao direito, tornando de direito de todos a direitos para alguns, especialmente no Brasil onde a desigualdade social é tão profunda.

O debate sobre público e gratuito que o relator reacendeu está vinculado a prevalência de um modelo de expansão dos serviços educacionais que Fernando Henrique teorizou e radicalizou, que Lula manteve e aprofundou e que Dilma dá continuidade abrindo novas frentes de atuação. E nesta ação eles não são nada criativos, apenas atualizam a política defendida pelos neoliberais. Para estes três gestores públicos o serviço educacional não precisa ser prestado diretamente pelo poder público para cumprir a Constituição, pode perfeitamente ser prestado por particulares, desde que seja preservada a gratuidade para o cidadão.

E como é que se garante a gratuidade? Por meio de subsídios, convênios ou renúncias fiscais, ou dito de outra forma, por intermédio do repasse de recursos do fundo público para o setor privado.

Há uma reedição da batalha entre público e privado, a qual vire e mexe está no fundo das principais políticas públicas. Às vésperas de aprovarmos mais um plano nacional de educação e estabelecermos metas de crescimento da oferta educacional, cabe definir quem bancará esta expansão.

As palavras do relator são elucidativas e, ao mesmo tempo, representativas do pensamento hegemônico no governo federal e na oposição conservadora: ao se referir ao setor privado, o relator diz que a atuação deveria ser supletiva à do Estado, mas que a mesma acabou por se firmar como indispensável, em especial na educação superior.

O governo federal vem aprofundando um modelo compartilhado de crescimento da oferta no ensino superior e agora também no ensino profissionalizante. Ao mesmo tempo que mantém algum crescimento da rede pública, há um investimento maior no subsídio e na geração das condições econômicas para que o setor privado continue crescendo. No ensino superior isso acontece via renúncia fiscal no Prouni e pelo aumento da linha de crédito do FIES. No ensino profissionalizante começou a ser implementando o Pronatec, que nada mais é do que a concessão de bolsas para incentivar a oferta gratuita de vagas pelo setor privado, especialmente pelo Sistema S.

Esta é uma reedição de uma importante discussão que os segmentos sociais comprometidos com a defesa da escola pública travaram na constituinte. Naquela oportunidade queríamos que os recursos públicos fossem direcionados exclusivamente para financiar a rede pública, esta entendida no conceito transcrito de Sofia Lerche Vieira mais acima.

Perdemos esta batalha e os privatistas conseguiram transformar o que seria a presença de uma rede privada devido ao “direito de escolha” da elite em colocar seus filhos separados dos pobres, para se tornar um negócio subsidiado pelo poder público. Aliás, nada mais brasileiro do que este tipo de empreendimento capitalista, sem riscos de concorrência e garantido por generosas transferências estatais.

Agora, depois de termos conseguido preservar uma presença estatal significativa na educação básica, corremos o risco de ver surgir por vias transversas, um modelo hibrido, uma reelaboração do que o Chile experimentou durante o governo Pinochet e que não foi desmontado pelos governos eleitos democraticamente naquele país.

O que mais me angustia é a postura contraditória que presencio em boa parte das representações do movimento social. Antes estávamos todos empunhando a bandeira de verbas públicas somente para escolas públicas. Agora vejo muitos movimentos, em especial o estudantil (pelo menos de forma majoritária) aceitar o subsídio ao setor privado como algo progressista e inovador. É um rebaixamento de perspectiva e uma negação de nosso passado recente.

A retirada da palavra “pública” da metas 11 e 12 é tão relevante quanto a transformação do indicador que irá mensurar o investimento público na próxima década. Aliás, as modificações guardam profunda coerência e devem ser combatidas de conjunto, caso contrário o movimento social estará sendo profundamente contraditório e sua ação totalmente ineficaz.

 

 

sábado, 11 de maio de 2013

Conseguiu piorar


Na sexta-feira (10 de maio) finalmente foi divulgado a nova versão do Relatório do Senador Pimentel (PT/CE) para o PLC nº. 103/2012, que trata do Plano Nacional de Educação. E não consegui frase que pudesse resumir melhor o meu sentimento após a leitura de suas 116 páginas. A primeira versão já representava um retrocesso em vários e importantes aspectos do texto aprovado na Câmara, mas o atual relatório conseguiu ser ainda pior.

Em termos de redação o texto ficou bem mais elaborado e a leitura de sua primeira parte deixa o leitor convencido de que a aprovação do PNE é apenas uma mera formalidade, por que tudo que é possível ser feito pela educação nacional já está de forma competente sendo realizado pelo MEC. Não há problemas não enfrentados, não há também esforços dignos de anotação dos outros entes federados.

Para não ser injusto com o relator, o seu texto resgata a importância decisiva de outro ator social: o setor privado, que segundo ele está tendo uma atuação que superou o caráter supletivo a ação estatal e se firmou como “indispensável, em especial na educação superior”. Não sei de que Carta Magna ele tirou esta definição de que o papel do setor privado seria supletivo ao trabalho do Estado, mas fica evidente nele (e no governo) um encantamento com a “ajuda” que o setor privado pode oferecer para o cumprimento das metas do novo PNE.

Os principais ataques feitos pelo relator aos pequenos avanços conquistados pela sociedade civil na Câmara dos Deputados podem ser resumidos da seguinte forma:

1.       Muda o indicador de mensuração dos investimentos educacionais em relação ao PIB, retirando a palavra “pública” ou “direto” e introduzindo o conceito de “investimento total”. De forma mais clara o autor justifica que a participação privada é indispensável e que os repasses públicos para este setor devem ser contabilizados nos cálculos, ou seja, ao invés de partimos de 5,3% do PIB (investimento direto) deveríamos utilizar 6,1% (investimento total). Ele cita aonde esse dinheiro está sendo utilizado (bolsas do Prouni em troca de renúncia fiscal, bolsas do Pronatec, especialmente para o Sistema S e convênios com entidades comunitárias nos municípios). Esta mudança altera, na prática, a principal vitória da tramitação na Câmara, caindo de 10% de investimento direto para algo em torno de 8,5%, no máximo, ainda a depender do crescimento da destinação de recursos para o setor privado na próxima década. O relator também retirou a meta intermediária, dificultando ainda mais o monitoramento do cumprimento da mais importante meta do PNE.

2.       Na meta 11, que estabelece a triplicação do atendimento no ensino profissionalizante, o relator troca a expressão que garantia que 50% da expansão fosse pública por uma obrigatoriedade que este percentual seja gratuito. Por trás (ou pela frente) está estampada a intenção que o crescimento desta modalidade se dê ancorado no repasse de recursos para o setor privado, especialmente para o Sistema S.

3.       Na meta 12, coerente com os elogios ao setor privado, também é retirado do texto a obrigação de que o crescimento registrado na próxima década no ensino superior fosse pelo menos 40% público, substituindo por crescimento gratuito. A intenção é a mesma descrita no item anterior. Hoje 73% das matrículas são privadas e com esta modificação chegaremos ao final da década em situação semelhante ou ainda mais grave de participação privada sobre a pública.

4.       Um dos avanços conquistados na Câmara foi a incorporação do conceito do Custo Aluno Qualidade. O relator enfraquece enormemente esta conquista. Na estratégia 20.6 o governo teria dois anos para implantar e agora terá este tempo ainda para definir, mesmo que durma na gaveta do MEC uma definição elaborada pelo Conselho Nacional de Educação e que o governo se recusa a homologar.

Há um aspecto que merece destaque no texto, pois muita água rolou debaixo da ponte após a aprovação do texto na Câmara. É o debate sobre a aplicação de royalties para a educação. O atual relatório incorpora todo o teor do Projeto de Lei nº. 5500/2013, enviado pelo Executivo em substituição a Medida Provisória 592, que foi prejudicada no seu conteúdo pela derrubado do veto sobre redistribuição dos royalties entre estados e municípios. O relator, coerente com o discurso oficial, vende esta medida como suficiente para complementar os recursos faltantes para chegarmos aos 10% do PIB (agora não mais diretos para a rede pública!), o que não é verdade.

E mais, não corrige as duas grandes distorções do Projeto citado. Não garante que os royalties dos contratos atuais sejam destinados à educação e não altera o formato indecente de destinar apenas o dividendo da aplicação dos recursos do pré-sal, os quais todos engordarão o Fundo Social e serão aplicados no mercado financeiro internacional, ajudando a estabilizar a economia dos países ricos.

Existem outros aspectos preocupantes em algumas metas e estratégias, como uma mudança de redação da meta que estabelecia que todos os professores deveriam chegar ao final da década com nível superior e a prorrogação da vigência do FUNDEB por meio de uma lei ordinária, quando o mesmo é um artigo constitucional, mas diante dos itens acima relacionados, priorizar nossas críticas para resolver estes outros problemas seria aceitar que o relator coloque um “bode na sala”.

É hora de mobilização. A Comissão de Assuntos Econômicos deveria se concentrar nos aspectos econômicos do PNE e é justamente neles que encontramos as piores alterações. Depois da CAE ainda teremos o crivo da CCJ e da Comissão de Educação (comissão de mérito), mas cada recuo vai tornando o novo PNE uma peça de propaganda da política oficial e menos eficiente para enfrentar os desafios requeridos pela educação nacional.

Portanto, mobilização é fundamental!

 

quinta-feira, 9 de maio de 2013

Temporários demais


O Portal UOL publicou esta semana, tendo por base os microdados do censo escolar de 2012, um perfil do descumprimento da Constituição Federal por estados e municípios brasileiros.

O artigo 37 da Carta Magna afirma que “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração”. Ou seja, para ser professor da rede federal, estadual ou municipal é necessário que o cidadão tenha feito concurso público de provas ou de provas e títulos.

Acontece que dos 1.888.234 docentes encontrados no censo escolar de 2012 nada menos que 27% são temporários. As redes estaduais são as que mais descumprem a norma constitucional, possuindo 31,3% de temporários, enquanto que as redes municipais este número chega a 25%.

Os estados com situação mais vergonhosa são o Espírito Santo (71%), Mato Grosso (66,1%), Acre (62,9%), Ceará (60,2%), Mato Grosso do Sul (60,1%), Santa Catarina (59,8%) e a Paraíba (51,9%).

Recordo que na ocasião do debate sobre as diretrizes nacionais para elaboração de planos de carreira, documento discutido e aprovado pela Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, esta foi uma das polêmicas. E vejam, a proposta em discussão era estabelecer um percentual máximo de tolerância de contratos temporários, algo que girava em torno de 10%. Não foi incorporado pelo pleno da referida Câmara.

Assim, dia após dia vamos tornando letra mortas um dos artigos que coibia o patrimonialismo e o clientelismo na máquina pública. As consequências deste descumprimento são claras:

1.       Precarização das relações de trabalho, pois temporários não possuem os mesmos direitos que os efetivos e custam mais barato para estados e municípios;

2.       Reforço do patrimonialismo e do clientelismo, pois são variadas as formas de ingresso vivenciadas nos estados e municípios, permitindo indicações de vereadores, deputados e reforçando a dependência política dos professores aos seus padrinhos;

3.       Descontinuidade pedagógica e desperdício de recursos utilizados na formação continuada de milhares de professores contratados provisoriamente;

4.       Enfraquecimento do sentido de pertencimento da categoria, diminuindo o poder de pressão das entidades de classe.

Em tempos de luta pelo cumprimento da lei do piso salarial nacional e de pressão por uma maior uniformização das carreiras do magistério, os dados publicados deixam claro que ainda estamos bem distantes da propalada valorização do magistério.

Em tempos de baixa atratividade da profissão, com estudantes preferindo trilhar outros caminhos profissionais e muitas regiões convivendo com falta de mão-de-obra, esta precarização das relações de trabalho afasta ainda mais pessoas do magistério.

Com a palavra os órgãos fiscalizadores de nossa Constituição.