quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Diário do IV SEB – segunda parte


Escolher que debate participar em um evento rico de discussão é sempre angustiante. Na tarde do primeiro dia decidi contribuir com o debate sobre federalismo, desigualdade e financiamento da educação. Ao final do dia fiquei satisfeito com a escolha.

O debate sobre este tem foi feito por três pesquisadores, cada um expondo caminhos e facetas distintas do problema.

O professor chileno Sebástian Donoso buscou problematizar a formulação de políticas públicas descentralizantes em matéria de financiamento educacional. Apresentou alguns temas chaves para a constituição de um sistema educacional. Para ele é preciso discutir a sustentabilidade social, financeira e política, a governabilidade de demandas de equidade e o papel do território.

Donoso destacou que a educação deve ser uma ferramenta de equidade, ou seja, a prestação deste serviço deve incidir sobre as desigualdades sociais existentes.

É preciso também que fiquem claros os pressupostos para a constituição de um modelo de financiamento. Este modelo deve estar ancorado na factibilidade da construção de um pacto social, em uma governabilidade em médio prazo, na existência de instrumentos de financiamento que representem o fenômeno em sua complexidade e, por fim, a presença de soluções viáveis e resultados concretos a curto, médio e longo prazo.

Destacado de sua fala a afirmação de que há países centralizados e há países descentralizados com bons resultados educacionais. E que, portanto, seria simplismo reduzir o debate sobre financiamento e desigualdade apenas a esta questão.

A segunda apresentação coube a professora Marta Arretche, que apresentou trabalho de pesquisa que está construindo indicadores que permitam avaliar o desempenho das políticas públicas de saúde e educação.

Para ela a grande pergunta é qual é a desigualdade existente e o quanto tem de dimensões territoriais. Parte da certeza de que os atuais indicadores são insuficientes e concentrados em uma apenas dimensão. Defende que uma avaliação seja abrangente em termos de resultados.

Apresentou o Índice de desempenho da saúde e educação, composto de dez indicadores para cada política pública. Os indicadores pré-existentes utilizados são convertidos em escala que varia de zero a um. Não há parâmetro externo e sim relação entre o pior e melhor dentro do universo, ou seja, compara os municípios entre si.

A conclusão preliminar da expositora é que, por um lado, houve melhorias em termos de desigualdade entre os municípios no decorrer da última década. Mas, por outro lado, a educação conseguiu menos progressos do que a saúde. Parece que a educação continua vinculada a desigualdade de renda dos municípios e a saúde se tornou mais equalizada.

Assim, ela conclui que a saúde é menos desigual que a educação, mesmo que ao final d década tenha havido uma melhora nos indicadores educacionais.

Seu trabalho permite inúmeras reflexões. A primeira é sobre a necessidade de profundo questionamento acerca dos limites dos atuais indicadores educacionais, parciais e centrados em poucas variáveis da realidade. A segunda diz respeito ao fato de que precisamos verificar por que a educação não tem sido eficaz na redução das desigualdades territoriais.

O último expositor foi Jorge Abrahão, pesquisador da área do financiamento, que sistematizou os grandes desafios colocados no debate do Plano Nacional de educação, mostrando dados sobre desigualdades territoriais e também entre os estratos sociais.

E trouxe uma inovadora reflexão sobre a necessidade de medidas práticas para viabilizar recursos para que o gasto educacional chegue ao final da década a 10% do PIB.

Do conjunto das exposições ficou clara a necessidade de que os educadores se debrucem sobre a temática da desigualdade territorial e sua influência no processo de constituição de um novo plano nacional da educação.

Diário do IV SEB – primeira parte

No dia de ontem (20 de fevereiro), no Centro de Convenções da UNICAMP, teve início o IV Seminário de Educação Brasileira, evento educacional promovido pelo CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade).


Este evento é um espaço qualificado de debate das políticas educacionais e tem este ano como temática o Plano Nacional de Educação com foco na política de responsabilização, regime de colaboração e sistema nacional de educação.

A conferência de abertura foi proferida pelo economista Márcio Pochmann, ex-presidente do IPEA. A sua fala trouxe para a área educacional dois elementos bastante instigantes.

O primeiro elemento é que vivemos uma fase de transição do padrão de sociedade, pois estaríamos transitando para sociedade pós-industrial ou do conhecimento. Márcio apresentou cinco referências desta nova sociedade:

a. Profunda alteração demográfica, inclusive superando demanda enorme de atendimento de crianças e jovens. Fase de redução relativa e absoluta do número de crianças e jovens no total da população. Falta expertise para tratar o envelhecimento populacional;

b. Alteração da expectativa de vida, a qual deverá chegar a 100 anos;

c. Alteração de gênero, separando o sexo para a reprodução;

d. Alteração na vida com o trabalho, devido ao predomínio do material imaterial. Viver e trabalhar simultaneamente. Hoje 70% são trabalhos no setor terciário em nosso país.

e. Alteração da relação com o trabalho e educação. O atual modelo está esgotado, pois era só para o segmento mais jovem. Nova sociedade exige estudar a vida toda.

Vários aspectos deste elemento incidem diretamente no papel da educação, inclusive no que diz respeito à demanda de vagas e na exigência de formação educacional.

O segundo elemento colocado foi que continuamos vivendo uma crise do modo de produção capitalista, que deve ser de longa duração, e que as crises são importantes para países como o Brasil por que abrem oportunidades, basta ver a história do país.

Haveria um esgotamento da fase liberal do capitalismo. Cada vez temos limitação das liberdades individuais. Vivenciamos o desaparecimento da liberdade de iniciativa e competição. Temos 500 grandes corporações que dominam o mercado mundial e definem os rumos e respondem por 50% do PIB Mundial e 50% do comércio mundial, feito entre cadeias de valor agregado e não tendo mais como referência os países. Estas corporações respondem por 70% da pesquisa.

Este quadro afeta diretamente a democracia, pois as corporações interferem diretamente nos pleitos. As empresas transformam os Estados nacionais em aparato funcional aos seus interesses.

Estaríamos diante de limites ao crescimento da produção e ao consumo quando discutimos a sustentabilidade ambiental. A universalização do padrão americano se mostrou inviável.

Por fim, o capitalismo, como regra, valoriza o capital por meio da escassez. Vivemos um quadro do excesso de produção, mesmo que exista um problema crônico de distribuição e tenhamos gente morrendo de fome. Mas o problema não seria a falta de produção.

Os dois elementos colocariam a educação nesta nova sociedade em um papel central.

Primeiro por que conhecimento pressupõe capacidade de sistematizar informações. Cada vez está sendo superado o universo de especialistas e aparece a demanda por um novo profissional.

Segundo, por que a universidade passará a ser o piso e não o teto, pois hoje ela seria para 5% da população e não será mais. Haverá postergação no ingresso no mercado de trabalho. Os ricos já fazem isso. Há resistência ao ver o mundo desta forma. Gastamos 5% em toda a educação, e as corporações gastaram 1% só na formação dos seus trabalhadores.

Terceiro, teremos que tratar a educação na inatividade, ou seja, o que oferecer com cidadãos até 24 anos e depois dos 70 anos.

O quarto desafio é enxergar a centralidade do trabalho imaterial. O nosso tempo de trabalho foi intensificado e o trabalho não tem mais um local determinado. A riqueza que está sendo produzida não é disputada nem tributada.

E por fim, nosso país tem grande responsabilidade no cenário de crise mundial. Precisamos realizar reformas clássicas que não foram feitas.

É sempre bom ter a oportunidade de assistir um debate que apresente novas temáticas e novos desafios.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A tabela sumiu

Dizem que só notamos a importância de algumas coisas quando elas deixam de existir. Isso se aplica também para pessoas que nos cercam.


Hoje gostaria de falar de uma tabela que desapareceu e que sua falta será sentida no debate sobre o Plano Nacional de Educação no Senado Federal.

Na página do Inep é possível obter informações atualizadas acerca do percentual de investimento direto ou total em educação feito pelo Brasil. Os dados estão sistematizados desde 2000 e permitem avaliar o desempenho da última década e tais informações têm servido de base para o debate sobre os parâmetros aceitáveis para o próximo plano.

Até recentemente uma das tabelas publicadas era denominada “Estimativa do Percentual do Investimento Direto em Educação por Esfera de Governo em relação ao Produto Interno Bruto (PIB)”. Os seus dados permitiam verificar a contribuição de cada ente federado na composição do investimento público em educação, ou seja, apresentava o quanto foi o esforço da união, dos Estados e dos Municípios para manter a rede pública educacional.

Sem explicação esta tabela foi excluída dos dados disponibilizados pela referida autarquia federal. Em um primeiro momento, quando da atualização com informações relativas a 2010 simplesmente a tabela não foi atualizada. Agora a tabela deixou de existir.

Não houve explicação técnica sobre o seu desaparecimento. Apenas uma ocorrência registrada no meu blog, mas por não ser uma delegacia de polícia, nenhuma resposta governamental mereceu a referida observação.

A explicação para o sumiço da tabela pode ser remetida ao próprio conteúdo que a mesma apresentava, ou seja, a pista para a identificação do culpado do seu desaparecimento deve ser procurada no conteúdo de suas informações.

Como afirmei, a última atualização de dados chega até 2009. Naquele ano a participação financeira da União no montante diretamente em educação representava apenas 20%. Em que pese ser o ente federado com maior capacidade de tributação e que mais recurso movimenta, a sua participação na constituição do fundo público aplicado em educação era totalmente desproporcional ao seu potencial.

O sumiço desta informação do portal oficial da autarquia durante a tramitação do PNE e no momento em que se debate a elevação do percentual de investimento público para 10% é sintomático. O problema não é apenas inscrever na nova lei o percentual maior a ser alcançado em dez anos, é discutir claramente qual será o esforço financeiro que cada ente federado fará para cumprir a Meta. E este debate precisa ser fundamentado em bases estatísticas, dentre as quais o percentual de participação de cada ente tendo como referência o PIB é essencial.

Se a nova lei não deixar claro o tamanho do esforço de cada ente federado o parlamento poderá estar, mesmo que indiretamente, aprovando uma sobrecarga de esforço para entes federados com menor condição de suportá-la, levando ao descumprimento das normas aprovadas e ao fracasso anunciado do novo plano.

Poderíamos lançar uma campanha, destas que a TV brasileira tão bem sabe fazer, para que a referida tabela seja localizada. Poderia ser estabelecida inclusive uma recompensa, obviamente que neste caso a gratificação não será em espécie, mas em possibilidades de se ter um plano educacional pra valer.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Personalidade da educação

A Revista Nova Escola realizou nas duas últimas semanas de janeiro uma enquete dedicada a escolher a personalidade que mais colaborou com a educação em 2012. Não representou uma pesquisa amostral e pelo perfil da Revista o público alcançado é justamente composto de educadores e estudantes.


Mais de 14 mil pessoas atenderam o chamado e escolheram uma das dez personalidades indicadas pela Revista.

O resultado da votação, que se encerrou no dia 1º de fevereiro, foi o seguinte:

1º lugar - Daniel Cara - Coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com 4969 votos (34, 25%).

2º lugar - Isadora Faber, estudante autora do Diário de Classe, ficou em segundo lugar com 4352 votos (29,99%).

3º lugar - Dagmar Rivieri (educadora paulista conhecida como Tia Dag), ocupou a terceira colocação, com 4196 (28,92%).

Depois destes três primeiros colocados há uma sensível queda no número de votantes. A educadora Cybele Amado ficou com 2,59% dos votos, a ativista e estudante paquistanesa Malala Yousafzai conseguiu1,83%, o ex-ministro da educação e atual prefeito de São Paulo Fernando Haddad foi votado por apenas 0,82% dos internautas, o ministro da Educação Aloizio Mercadante ficou com 0,57% dos votantes.

Os três últimos colocados foram o educador estadunidense Salman Khan (0,48%), a secretaria de educação do Rio de Janeiro Cláudia Costin (0,34%) e o especialista em educação Gustavo Ioschpe (0,22%).

O resultado é, ao mesmo tempo, surpreendente e instigante.

A vitória de Daniel Cara é o reconhecimento público do trabalho realizado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Esta rede de entidades da sociedade civil coordena o movimento “PNE pra Valer!”, que teve grande incidência para a aprovação, na Câmara dos Deputados, do patamar de investimento equivalente a 10% do PIB em educação pública como meta do novo PNE (Plano Nacional de Educação). A Campanha conquistou, ainda, a derrubada do Recurso 162/2012, que tentava adiar a ida do PNE para o Senado Federal. O recurso caiu no dia 4 de setembro, após intensa mobilização junto a deputados da Câmara, além de uma bem-sucedida petição virtual pelo Avaaz, que contabilizou mais de 6 mil assinaturas.

O resultado mostra que há vida inteligente no movimento social brasileiro, que anda tão atrelado aos interesses dos governos de plantão. E mostra que um bom trabalho sempre é percebido e reconhecido.

A surpresa também está nos dois últimos colocados. A atual secretária de educação do Rio andou sendo cotada para ocupar a estrutura do MEC e é bastante badalada em círculos de intelectuais liberais, mas parece que seu prestígio não alcançou a rede municipal que dirige e muito menos mostrou trânsito entre os educadores. Ainda bem que ela “recusou” o convite. E o “global” Gustavo Ioschpe, que recentemente teve o direito de ancorar um quadro sobre qualidade no ensino no Fantástico, o que explicaria o seu fraco desempenho? Pode ser que contar com o apoio dos seres humanos normais, aqueles que estão no chão da escola, que ralam com baixos salários e clamam por melhoria nas condições de trabalho, não seja realmente a praia deste moço.

Bem, parabéns ao Daniel Cara. Certamente foi uma escolha feliz da maioria dos que participaram da enquete.

Retorno ao batente

Depois de praticamente um mês sem postar nada neste espaço retorno ao trabalho.
Aproveitei este tempo de "férias" para dar os últimos retoques no texto de minha qualificação no Doutorado em Educação da USP.
Com o retorno do funcionamento do Congresso Nacional (na verdade só formalmente o legislativo voltou a trabalhar, pois tudo começa mesmo depois do Carnaval!) volto a monitorar a tramitação do Plano Nacional de Educação e comentar os principais assuntos educacionais.