quinta-feira, 28 de outubro de 2010

A quem reclamar?

O professor da rede municipal de Ananindeua (PA) Jair Pena, educador comprometido com a transparência administrativa e zeloso pelo bom uso dos recursos educacionais, postou no meu blog o seguinte comentário:

Caro Luiz aqui na escola municipal onde trabalho em Ananindeua. Constituímos uma comissão para fiscalizar a aplicação dos recursos do PDDE e detectamos que nas 3 contas da APAM existem irregularidades graves e esta situação pode se estender as outras escolas. A diretora se utilizou de uma líder comunitária para presidir a APAM e um aluno semi alfabetizado e produziu notas fiscais de produtos e serviços que sequer foram adquiridos. O relatório já foi entregue a secretária de educação, mas ate agora não tomou nenhuma providencia. A maioria das compras e pagamentos foi executada pela diretora. A presidente e tesoureiro só eram chamados para assinar os cheques e mais nada. A quem devemos denunciar com este relatório? MEC, MPF? Qual o canal que devemos procurar?
Profº Jair Pena


Mais do que um simples comentário o professor Jair formulou uma séria denúncia de desvio de recursos do Programa Dinheiro Direto na Escola.

Este programa foi criado em 1995 e tem por finalidade “prestar assistência financeira, em caráter suplementar, às escolas públicas da educação básica das redes estaduais, municipais e do Distrito Federal e às escolas privadas de educação especial mantidas por entidades sem fins lucrativos, registradas no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) como beneficentes de assistência social, ou outras similares de atendimento direto e gratuito ao público”.

O programa engloba várias ações e objetiva a melhora da infraestrutura física e pedagógica das escolas e o reforço da autogestão escolar nos planos financeiro, administrativo e didático.

Os recursos são transferidos independentemente da celebração de convênio ou instrumento congênere, de acordo com o número de alunos extraído do Censo Escolar do ano anterior ao do repasse.

Em 2009, com o atendimento de toda a educação básica, o investimento em 2009 deu um salto expressivo. O FNDE transferiu R$ 1,1 bilhão em benefício de 134,1 mil escolas com 43,9 milhões de alunos. O orçamento previsto para 2010 é de R$ 1,4 bilhão.

É um recurso significativo e deve ser bem utilizado e bem fiscalizado.

No Programa cada um tem as suas obrigações. Reproduzo as atribuições em relação à prestação de contas, visando responder os questionamentos feitos pelo professor de Ananindeua.

No portal do FNDE constam as seguintes competências:

FNDE - responsável pelo financiamento, normatização, coordenação, acompanhamento, fiscalização, cooperação técnica e avaliação da efetividade da aplicação dos recursos financeiros.

Unidades executoras (UEx) - responsáveis pelo recebimento, execução e prestação de contas dos recursos financeiros destinados às escolas públicas com mais de 50 alunos ou com menos de 50 alunos que tenham constituído UEx.

Secretarias de Educação dos estados e do Distrito Federal - responsáveis pelo recebimento, execução e prestação de contas dos recursos financeiros destinados às escolas públicas integrantes de suas redes de ensino que não possuem UEx e pelo acompanhamento, fiscalização e auxílio técnico e financeiro julgado necessário para a regular execução dos recursos pelas escolas que possuem UEx.

E em relação ao trâmite da prestação de contas o próprio FNDE descreve os passos a serem seguidos:

1) As unidades executoras das escolas públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal encaminham a prestação de contas dos recursos recebidos às prefeituras ou secretarias de Educação até 31 de dezembro do ano do repasse.

2) De posse das prestações de contas das UEx, as prefeituras e secretarias de Educação devem:

a. analisar as prestações de contas e arquivar toda essa documentação;

b. consolidar e emitir parecer conclusivo sobre as prestações de contas encaminhadas pelas unidades executoras das escolas de sua rede de ensino;

c. prestar contas ao FNDE dos recursos transferidos para atendimento às escolas que não possuem unidades executoras;

d. encaminhar a documentação até 28 de fevereiro do ano subseqüente ao ano do repasse ao FNDE.

A competência primeira para averiguar irregularidades é da própria secretaria municipal de educação. Como são recursos públicos cabe denúncia ao Ministério Público e como os recursos são federais cabe também provocar o Ministério público Federal, a Controladoria Geral da União e o Tribunal de contas da União. E, obviamente, o FNDE.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Herodes paulista


A Folha de São Paulo publicou hoje uma notícia muito preocupante. A Prefeitura de São Paulo, cidade mais rica do país, decidiu fechar vagas em creche para acelerar inclusão de crianças na pré-escola, preparando-se para cumprir a Emenda Constitucional 59, que torna obrigatório o atendimento de quatro a dezessete anos até 2016.

A medida já valerá em 2011 e vai criar um efeito cascata. Lei federal prevê a obrigatoriedade de vagas em escolas para crianças a partir de quatro anos -- hoje é aos seis.

O Estado de São Paulo possuía em 2009 184 mil crianças de quatro e cinco anos fora da escola. No Brasil este número chega a 1.420.000.

Caso este péssimo exemplo prolifere como praga em nosso país, presenciaremos um fenomenal retrocesso. Nos quatro primeiros anos do Fundeb conseguimos elevar em 47% a cobertura pública em creche (zero a três anos). Se as prefeituras seguirem o caminho de São Paulo teremos uma diminuição do já baixo índice de cobertura (menos de 19% das crianças estão em creches em nosso país).

O espírito da Emenda Constitucional 59 não é esse. Não se pretende substituir o atendimento de creche pelo de pré-escola e sim universalizar o que falta nos próximos seis anos e, certamente, estabelecer nova meta de cobertura para o atendimento em creche. Lembro que o atual plano Nacional de Educação prevê que este atendimento deveria chegar a 50% no final de 2010.

O Brasil não cumpriu a meta do PNE em relação ao atendimento de creche e ficará ainda mais longe se esta atitude continuar sendo feita em São Paulo e se alastrar para outras cidades.

Um detalhe muito importante: a rede pública atende em 2010 apenas 1.348.194 crianças em creche. E a cidade de São Paulo quer incentivar mais exclusão!

Dúvidas persistem

No dia de ontem estive no Centro de Convenções de Recife, participando de evento promovido pela Undime – União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação. O evento, que conta com mais de 400 participantes, oriundos de nove estados brasileiros, principalmente da região Nordeste, discutiu no dia de ontem o financiamento da educação básica.

Chamou minha atenção a preocupação dos dirigentes municipais presentes com o procedimento de “desconto” de valores repassados pela União à título de complementação ao Fundeb.

De que se trata?

A legislação do Fundeb estabelece que ao final do exercício financeiro seja declarado pelos fundos estaduais o valor efetivamente arrecadado. Com estes dados em mãos cabe ao Tesouro Nacional verificar se as previsões de arrecadação se concretizaram refazer os cálculos de distribuição dos recursos relativos à complementação e realizar os ajustes devidos, podendo determinado fundo estadual merecer receber mais recursos e, conseqüentemente, outro fundo precisar devolver recursos. Essa regra atinge os nove estados beneficiados pela complementação da União.

O ano de 2009 foi totalmente atípico em relação ao funcionamento da sistemática do Fundeb. Primeiro, no mês de março, foi publicada a portaria estabelecendo os valores projetados e arrecadação, a distribuição dos recursos entre os entes federados e os valores a serem repassados pela União. Quando chegou em agosto, com o agravamento da crise econômica, foi editada nova portaria recalculando a estimativa de receita, obviamente inferior a que havia sido feita no início do ano. Só isso já gerou uma confusão generalizada, principalmente por que as secretarias de educação haviam projetado seus gastos confiando nos valores anunciados em março.

Quando as contas foram fechadas os números ficaram distantes das previsões e provocaram a necessidade dos ajustes explicados acima. Alguns fundos estaduais haviam recebido mais recursos do que mereciam e foi feito o desconto. E alguns outros receberam a mais.

O ano de 2010 não corre este risco, pelo menos na proporção do acontecido com 2009. Primeiro por que a crise passou (pelo menos os efeitos mais imediatos) e os números federais mostram uma retomada da arrecadação, situação que se repete na maior parte dos estados. Segundo, por que a União destinou 6,8 bilhões para a complementação e guardou um pouco mais de 700 milhões para socorrer estados e municípios que não conseguissem pagar o piso do magistério. Até o momento ninguém recebeu nada destes recursos e, continuando assim o mesmo deverá ser redistribuído para os fundos dos nove estados beneficiados pela complementação.

De qualquer forma um aprendizado ficou da convivência do Fundeb com a crise econômica: deve-se acompanhar a execução financeira do Fundo e não apenas acreditar na estimativa feita das receitas. Para o bem ou para o mal.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Oficina de formação


Nos dias 21 e 22 de outubro estive na cidade de Castro (Paraná) ministrando uma oficina de formação para diretores de escola, professores e membros do Conselho de Acompanhamento do Fundeb e Conselho Municipal de Educação.

Durante dois dias oitenta educadores discutiram o financiamento educacional e noções básicas de orçamento público. Foi uma oficina destinada a aumentar a capacidade destas pessoas na tarefa de gerir escolas e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos direcionados a educação.

No tema financiamento foram discutidos os pressupostos básicos da distribuição dos recursos e das responsabilidades, discutidos os mecanismos redistributivos do Fundeb e identificados os recursos obrigatórios para aplicação em manutenção e desenvolvimento do ensino.

No tema orçamento público foram discutidos os conceitos básicos de orçamento, as etapas de execução orçamentária e realizada uma reflexão acerca do que constitui gasto educacional.

Tanto num tema quanto os participantes realizaram atividades práticas, a partir de estudos de caso, nas quais foram provocados a identificar fontes de recursos, analisar e projetar metas de atendimento educacional, determinar gastos relativos à manutenção e desenvolvimento do ensino, dentre outras atividades.

Um dos desafios maiores da educação é garantir que a sociedade efetivamente fiscalize e controle a aplicação dos recursos. Durante a tramitação da regulamentação do Fundeb não foi possível por fim a dispersão de atribuições e instâncias fiscalizadoras. Continuaram existindo os conselhos de acompanhamento do novo fundo, mas pelo menos foi aberta a possibilidade de se criar uma câmara de acompanhamento dentro do Conselho Municipal de Educação. Infelizmente esta alternativa ainda é residual.

Também ficou claro durante a oficina que, além de unificar a fiscalização num único conselho, é necessário garantir que as instâncias de controle social fiscalizem a totalidade dos recursos educacionais e não apenas os recursos provenientes do fundo.

O investimento feito pela Secretaria Municipal de educação de Castro é elogiável.

Além de realizar uma boa gestão dos recursos, aumentar a cobertura escolar e elevar a qualidade do ensino, certamente uma secretaria educacional precisa investir na capacitação dos professores e técnicos da rede. Os dirigentes municipais são transitórios, ficando no cargo quatro ou oito anos como regra, mas o investimento na melhoria técnica da secretaria é muito mais durável. É uma forma de garantir maior capacidade de planejamento e tornar a secretaria menos dependente de ajuda externa.

É um bom exemplo a ser seguido.

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Ainda o corte etário

O Diário Oficial da União do último dia 18 de outubro publicou a homologação pelo Ministro Fernando Haddad da Resolução nº 06 de 2010 da Câmara de Educação Básica do CNE, que define Diretrizes Operacionais para a matrícula no Ensino Fundamental e na Educação Infantil.

Esta Resolução pretende orientar os gestores estaduais e municipais e privados sobre como proceder à matrícula das crianças na educação infantil e no ensino fundamental. Tal providência se justifica pelas confusões generalizadas que foram criadas com a decisão de muitos sistemas de ensino e escolas em matricular crianças de cinco anos no ensino fundamental.

No parecer que fundamentou a referida Resolução é enumerada uma longa lista de problemas que exigem orientação. Dentre eles destaco:

a) matrícula de crianças com 6 (seis) anos de idade no Ensino Fundamental de 8 (oito) anos de duração;

b) matrícula de crianças de 5 (cinco) anos de idade no Ensino Fundamental de 9 (nove) anos de duração;

c) matrícula de crianças na Pré-Escola com meses de aniversário os mais diversos, o que pode comprometer o direito à educação.

Abaixo transcrevo a íntegra da Resolução do CNE.

Art. 1º Os entes federados, as escolas e as famílias devem garantir o atendimento do direito público subjetivo das crianças com 6 (seis) anos de idade, matriculando-as e mantendo-as em escolas de Ensino Fundamental, nos termos da Lei nº 11.274/2006.

Art. 2º Para o ingresso na Pré-Escola, a criança deverá ter idade de 4 (quatro) anos completos até o dia 31 de março do ano que ocorrer a matrícula.

Art. 3º Para o ingresso no primeiro ano do Ensino Fundamental, a criança deverá ter idade de 6 (seis) anos completos até o dia 31 de março do ano em que ocorrer a matrícula.

Art. 4º As crianças que completarem 6 (seis) anos de idade após a data definida no artigo 3º deverão ser matriculadas na Pré-Escola.

Art. 5º Os sistemas de ensino definirão providências complementares para o Ensino Fundamental de 8 (oito) anos e/ou de 9 (nove) anos, conforme definido nos Pareceres CEB/CNE nº 18/2005, nº 5/2007 e nº 7/2007, e na Lei nº 11.274/2006, devendo, a partir do ano de 2011, matricular as crianças, para o ingresso no primeiro ano, somente no Ensino Fundamental de 9 (nove) anos.

§ 1º As escolas de Ensino Fundamental e seus respectivos sistemas de ensino que matricularam crianças, para ingressarem no primeiro ano, e que completaram 6 (seis) anos de idade após o dia 31 de março, devem, em caráter excepcional, dar prosseguimento ao percurso educacional dessas crianças, adotando medidas especiais de acompanhamento e avaliação do seu desenvolvimento global.

§ 2º Os sistemas de ensino poderão, em caráter excepcional, no ano de 2011, dar prosseguimento para o Ensino Fundamental de 9 (nove) anos às crianças de 5 (cinco) anos de idade, independentemente do mês do seu aniversário de 6 (seis) anos, que no seu percurso educacional estiveram matriculadas e freqüentaram, até o final de 2010, por 2 (dois) anos ou mais a Pré-Escola.

§ 3º Esta excepcionalidade deverá ser regulamentada pelos Conselhos de Educação dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, garantindo medidas especiais de acompanhamento e avaliação do desenvolvimento global da criança para decisão sobre a pertinência do acesso ao inicio do 1º ano do Ensino Fundamental.

Art. 6º Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Enem e eleições


Definitivamente a educação entrou no debate eleitoral, mesmo que de maneira torta e confusa.

Em evento eleitoral realizado no dia do professor, o candidato José Serra (PSDB) criticou o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e afirmou que a prova precisa ser reformulada. “O Enem tem que ser refeito. A utilização política e propagandista acabou arruinando o Enem. Além disso, acabou virando um problema para os jovens”, afirmou o candidato.

Em entrevista ao Portal IG, a coordenadora do Programa Educacional do candidato Maria Helena Castro afirmou que o programa de governo do candidato tucano prevê a revisão da matriz de referência para o exame, com as habilidades e competência exigidas dos estudantes. Segundo a professora, o novo Enem passou a adotar matriz do Encceja, mais enxuta que a anterior, e ainda recebeu sugestões de conteúdos de universidades. “Ficou muito pesado. O Enem tem que ser um sinalizador do ensino médio. Na nossa avaliação, precisa ser aprimorado.”

O Ministério da Educação repudiou as declarações do candidato tucano em nota oficial. No texto o MEC “lamenta profundamente que a 20 dias da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que movimentará sonhos e aspirações de 4,6 milhões de estudantes em todo o país, o assunto seja tratado de forma leviana pelo candidato à Presidência da República José Serra”.

O ministério fez questão de lembrar que a rede federal de ensino superior “decidiu abandonar o vestibular tradicional em proveito de um sistema democrático de acesso à educação superior pública de qualidade”. E que neste ano, a rede oferecerá mais de 83 mil vagas, preenchidas exclusivamente pelo Enem.

O ENEM foi criado no governo tucano. Seus criadores sonhavam com três tarefas grandiosas para a prova: ser uma certificação de ingresso no mundo do trabalho, servir para avaliar o ensino médio e ser utilizada para ingresso no ensino superior. As duas primeiras nunca aconteceram, pois o mercado de trabalho não aderiu as idéia e a prova não possuía formato capaz de avaliar o ensino médio brasileiro.

A participação no Enem só teve aumento significativo de inscritos quando a administração do então Ministro Paulo Renato trabalhou pra convencer instituições privadas de ensino superior a utilizá-lo como parte da nota de ingresso.

É uma injustiça dos tucanos a acusação de que o governo atual deformou o Enem. Considero que a proposta de Novo Enem apenas consolidou a tendência histórica de utilidade da prova. E no portal do INEP o governo atual deixa claro o novo caráter ao dizer:

“A proposta tem como principais objetivos democratizar as oportunidades de acesso às vagas federais de ensino superior, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a reestruturação dos currículos do ensino médio”.

A evolução da participação no Enem acompanha ações voltadas para o perfil de ingresso nas instituições de ensino superior.

Em 2001º número de participantes quadriplica com a utilização de suas notas por instituições privadas.

De 2001 a 2004 houve certa estabilidade no número de inscritos.

No segundo semestre de 2004 é editada a Medida Provisória 213, que criou o Prouni. E em 2005 as inscrições saltam para quase 3 milhões (contra 1,5 milhão do ano anterior).

Em 2010 mais de 4,6 milhões estão inscritos para o Enem, um aumento de quase 500 mil inscrições em relação ao ano anterior.

Não há debate verdadeiro sobre o que fazer par aumentar a presença de jovens, especialmente os mais pobres no ensino superior. Não há comentários sobre o desafio de incluir 1,5 milhão de jovens no ensino médio até 2016.

A educação aparece apenas como parte da disputa eleitoral, de preferência entre uma citação bíblica e uma acusação de aborto ou corrupção.
Infelizmente.

Inquisição


No dia 13 de outubro o jornalista Leonardo Sakamoto postou em seu blog o texto que transcrevo. Ele é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo. Concordo integralmente com suas preocupações.

Com a ajuda de Protestantes, a Santa Inquisição voltou

No dia 10 de maio de 1933, montanhas de livros foram criadas nas praças de diversas cidades da Alemanha. O regime nazista queria fazer uma limpeza da literatura e de todos os escritos que desviassem dos padrões impostos. Centenas de milhares queimaram até as cinzas.

Einstein, Mann, Freud, entre outros, foram perseguidos por ousarem pensar diferente da maioria. A Alemanha “purificou pelo fogo” as idéias imundas deles, da mesma forma que, durante a Contra-Reforma, a Santa Inquisição purificou com fogo a carne, o sangue e os ossos daqueles que ousaram não concordar com suas idéias. A opinião pública e parte dos intelectuais alemães se acovardaram ou acharam pertinente o fogaréu nazista, levado a cabo por estudantes que apoiavam o regime. Deu no que deu.

Hoje, colegas da imprensa me contam histórias de membros de igrejas e templos do interior pedindo a seus fiéis que destruam livros que tratem de direitos humanos – agindo, provavelmente, sem o aval das cúpulas de suas denominações. Que se livrem de tudo o que não tenha a ver com a visão violenta e, portanto, errada que eles têm do amor. Demorou, mas veio. O pessoal que sente saudades da Idade Média saiu do armário.
Será que, no afã de contestar propostas presentes no III Programa Nacional de Direitos Humanos, parte da imprensa conseguiu finalmente cristalizar a imagem idiota que “direitos humanos” é coisa de defender bandido, matar crianças e proibir as pessoas de terem fé?

Direitos humanos diz respeito exatamente ao contrário. Considerando que todas as pessoas nasçam iguais e livres, por todas compartilharem da raça humana, elas merecem ser tratadas com dignidade e respeito. Se pegarem todos os Programas Nacionais dos Direitos Humanos, de FHC a Lula, verão que eles tratam de liberdade religiosa e de associação, do direito à saude, à educação, à cultura, a ter uma identidade, a andar livremente, de falar e defender posições sem ser agredido, de não ter medo de passar fome ou de viver na miséria, de poder participar do processo político, de eleger e ser eleito, do direito a não ser expulso de sua casa, do direito à segurança, à integridade do seu corpo, a um julgamento justo, de não ser tratado como animal. De encontrar no outro um semelhante e tratá-lo como tal.

Não importa em quem você vote, não importa quem você queira no poder. Mas não deixe os mesmos ventos que sopraram em 1933 se espalharem pelo Brasil do início do século 21. Estratégias eleitorais acordaram um monstro - algumas pessoas das próprias campanhas já perceberam a besteira que fizeram, mas a espiral negativa agora gira por si e só uma ação combinada dos dois lados faria ela parar. Esse monstro, a Intolerância, continua sendo alimentado a cada dia, pelo ódio, pelo irracional.

Argumentos já não fazem efeito. O problema é que ele não vai parar no dia 31 de outubro, e quando tiver devorado o pouco de dignidade que conseguimos garantir às minorias, virá atrás das míseras liberdades individuais de todos, que não corresponderem à fé professada por alguns. Nós, como jornalistas, temos um dever de evitar alimentá-lo, sob o risco de sermos, ao final, cúmplices de tudo isso.
Estamos vivendo algo que não tem cara de eleições e sim de Contra-Reforma, agora com a participação de setores Protestantes e de grupos Católicos que foram perseguidos e torturados séculos atrás. Quem diria.

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

Carta-compromisso da educação será entregue aos presidenciáveis

No dia de hoje, dia 15 de outubro de 2010, por ocasião do “Dia do Professor”, as 27 organizações proponentes da “Carta-compromisso pela garantia do direito à educação de qualidade” entregarão o documento aos candidatos à Presidência da República, Dilma Roussef (PT - Coligação “Para o Brasil seguir mudando”) e José Serra (PSDB - Coligação “O Brasil pode mais”).

Segundo os signatários, o “objetivo é assegurar o compromisso de ambas as candidaturas com políticas educacionais capazes de consagrar o direito à educação de qualidade para todos os brasileiros e todas as brasileiras”.

O documento denominado de “Carta-compromisso pela garantia do direito à educação de qualidade” foi lançada em 31 de agosto de 2010, na sede do Conselho Nacional de Educação. Redigida por 25 entidades e movimentos nacionais e 2 organismos internacionais.

A Carta enumera sete desafios educacionais prioritários que devem ser superados com urgência, assevera a necessidade de constituição do Sistema Nacional de Educação (esfera citada no Art. 214 da Constituição Federal de 1988) e propõe quatro grandes compromissos de macro- políticas públicas a serem implementadas:

1. Ampliação adequada do financiamento da Educação pública.
2. Implementação de ações concretas para a valorização dos p
rofissionais da Educação.

3. Promoção da gestão democrática.

4. Aperfeiçoamento das políticas de avaliação e regulação.

A candidata Dilma Roussef receberá a “Carta-compromisso pela garantia do direito à educação de qualidade” no Palácio do Trabalhador, em São Paulo - SP, às 14 horas. José Serra receberá o documento no Hotel Boulevard, em Londrina - PR, às 17:30 horas.

Para ler a íntegra do documento basta acessar:
http://www.campanhaeducacao.org.br/?idn=99

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Quinhentas postagens

Com a postagem anterior este blog alcançou a marca de quinmhentas mensagens enviadas e socializadas.
É gratificante receber de muitos pesquisadores, estudantes e gestores educacionais declarações sobre a utilidade pedagógica deste espaço.
Espero ter tempo e fõlego para conseguir postar as próximas 500.

Cada um lê o que interessa

O portal do INEP destacou esta semana a publicação pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) do documento Education at a Glance 2010, que faz um balanço do desenvolvimento da educação nos países membros desta organização (Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, República Tcheca, Dinamarca, Finlândia, França, Alemanha, Grécia, Hungria, Islândia, Irlanda, Itália, Japão, Coréia, Luxemburgo, México, Holanda, Nova Zelândia, Noruega, Polônia, Portugal, República Eslovaca, Espanha, Suécia, Suíça, Turquia, Reino Unido e Estados Unidos) e de países denominados de parceiros (Brasil, Federação Russa, Estônia, Eslovênia, Israel, China, Índia e Indonésia).

A OCDE produziu também uma Nota Técnica que compara os dados alcançados pelos países membros e o Brasil.

A referida Nota foi destaque no portal do Instituto, que destacou a informação de que no “período de 2000 a 2007, o Brasil aumentou em 66% o percentual de gastos em educação em todos os níveis de ensino combinados, enquanto o aumento na média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico) foi de 26%”.

E também destacou que enquanto “na maioria dos países da OCDE a renda do estudante aumenta cerca de 50% com a conclusão do nível superior”, no Brasil estes ganhos “excedem os 100% para os que conseguem um diploma de graduação”.

Por curiosidade li atentamente a íntegra da Nota Técnica.

O Portal do INEP não mentiu, mas apenas destacou aquilo que interessava ao governo. Faltou refletir sobre os demais indicadores apresentados no documento. Destaco alguns:

1. Na maioria dos países da OCDE, 60% ou mais dos adultos de 25 a 64 anos concluíram a educação secundária. Em nosso país a situação está invertida, com mais de 60% da população de 25 a 64 anos não concluiu a educação secundária.

2. O investimento médio por estudante na educação primária dos países da OCDE é de USD 6.756. No Brasil este valor em 2007, segundo os cálculos da OCDE, era de USD 1862.

3. Na educação secundária, a média da OCDE para gasto por aluno é de USD 8.153. No Brasil este gasto seria de USD 1750.

4. Na educação terciária o investimento médio é de USD 16.625. No Brasil este gasto seria de USD 10.950.

5. Na última década, na maioria dos países da OCDE, os alunos tiveram acesso a, pelo menos, 12 anos de educação formal. No Brasil assim como na Turquia, o período de tempo em que 90% dos alunos estão matriculados é de 9 e 7 anos, respectivamente.

6. Em média, nos países da OCDE, as instituições públicas detêm 67% dos alunos de educação tecnológica e 78% dos alunos dos cursos tipo A e pós-graduação. No Brasil a situação está invertida, com as instituições privadas detendo 85% dos alunos de educação tecnológica e 72% dos alunos dos cursos tipo A e pós-graduação.

7. No Brasil o tamanho médio das turmas de educação primária é de aproximadamente 25 estudantes por professor, o que coloca o país entre os que têm as turmas mais numerosas nesse nível educacional.

É verdade que às vésperas do segundo turno presidencial é difícil não filtrar apenas os dados mais positivos (e teriam alguns outros positivos no texto). Porém, também estamos às vésperas do envio pelo Executivo de sua proposta de Plano Nacional de Educação para a próxima década. E os dados publicados pela OCDE merecem reflexão.

Obviamente que devemos sempre analisar os dados à luz da realidade de cada país, medindo o esforço já realizado, o tempo que o processo de universalização do acesso se consolidou, assim por diante. Exemplo deste cuidado deve ser praticado ao analisarmos o gasto público com educação. Um país que conseguiu garantir o acesso a maioria de sua população e, inclusive, tenha criado um padrão mínimo de qualidade no atendimento, certamente precisará de menor volume de recursos do que outro país que está ainda correndo atrás destas metas.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Novo PNE – 1ª parte

Há um misto de curiosidade e expectativa pelo anúncio da proposta governamental de novo plano nacional de educação.

Como todos são sabedores o atual plano termina sua existência no dia 31 de dezembro deste ano. Aprovado em momento de hegemonia da visão neoliberal, amputado de toda sua parte financeira, o atual plano não conseguiu se impor como principal agenda do debate educacional e findará não realizando nem a metade de suas metas.
Após a realização de uma Conferência Nacional de Educação, que aprovou inú
me
ras e audaciosas propostas de diretrizes e metas para o futuro PNE, a expectativa é se o Ministério da Educação incorporará em sua proposta os principais pontos deste fórum. Dentre eles, sem sombra de dúvida, o item que provocará maior resistência interna ao governo é aquele que eleva para 10% a meta de aplicação de recursos públicos com a educação.

Como é sabido ser impossível alcançar tal patamar sem que a União participe de maneira mais efetiva no financiamento educacional, esta proposta encontrará forte resistência nos ministérios econômicos.

É verdade que muitas propostas importantes da CONAE não são exatamente parte do plano, mas constituem a criação das condições para a sua execução. Assim, considero incoerente aprovar no PNE a elevação da meta de aplicação de recursos educacionais sem que seja, em paralelo, reformada a Constituição e aumentado o percentual de vinculação para a área, nos percentuais aprovados pela Conferência (25% para União e 30% para estados e municípios).

Da mesma forma, poderá parecer mero jogo de cena governamental, se o plano estabelecer metas audaciosas para serem cumpridas por estados e municípios e não forem ditas as formas que o governo federal irá apoiar os demais entes federados.
Nos bastidores era dito que esta semana o Ministro apresentaria a coordenação da CONAE uma primeira versão da proposta governamental. O adiamento deste anúncio pode ter sido provocado pelo calendário eleitoral, mas merecia ser explicitado.

Também tenho curiosidade de saber como será feita a tramitação do projeto de lei em momento de renovação parlamentar, pois um relator escolhido agora não necessariamente conseguirá continuar no cargo após a recomposição das comissões em fevereiro.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

Um pouco mais de rigor


A noticia mais badalada pela imprensa em termos educacionais (excluindo a polêmica se o recém eleito deputado federal Tiririca sabe ler ou não) foi a de que o MEC estabeleceu de regras mais rígidas para a transformação de centros universitários em universidade.

Vale recordar que os Centros universitários, por si só, fazem parte de um “jeitinho” dado no governo de Fernando Henrique Cardoso para dar mais liberdade ao setor privado, estabelecendo um andar intermediário entre as faculdades isoladas e as universidades. Este instrumento guardava intima coerência com a linha de estimular o crescimento da cobertura escolar superior via desregulamentação da iniciativa privada.

O anuncio feito pelo MEC operacionaliza resolução da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação, que regulamentou o artigo 52 da LDB e tornou mais rígido o processo de elevação de um centro universitário para o status de universidade. De forma resumida os novos critérios são:

1. Ter nove anos de existência como Centro Universitário ou doze anos como faculdade, com “trajetória diferenciada” e “excelente padrão de qualidade”;

2. Contar com um terço dos professores mestres ou doutores;

3. Contar com um terço dos professores em regime de tempo integral;

4. Ter pelo menos quatro programas de mestrado e dois de doutorado reconhecidos pela CAPES;

5. Ter obtido Conceito Institucional (CI) igual ou superior a 4;

6. Ter obtido nota igual ou superior a 4 no Índice Geral de Cursos (IGC);

7. Comprovar existência de programa de extensão e de iniciação científica;

8. Oferta regular de, no mínimo, 60% dos cursos de graduação reconhecidos ou em processo de reconhecimento;

9. Oferta regular de, pelo menos, quatro cursos de mestrado e dois de doutorado reconhecidos pelo MEC;

10. Compatibilidade do plano de desenvolvimento institucional (PDI) e do estatuto com a categoria de universidade; e

11. Ter plano de carreira para seu corpo técnico-administrativo e docente.

Sou totalmente favorável ao aumento do rigor, seja no reconhecimento de cursos, seja no credenciamento de instituições. Todo brasileiro possui direito a um padrão mínimo de qualidade nas instituições educacionais, sejam elas públicas ou privadas.

No caso do ensino superior estamos falando essencialmente de instituições privadas. Pelo Censo do Ensino Superior de 2008, tínhamos os seguintes números:

1. 96% dos Centros universitários são privados, ou seja, a medida visa regulamentar de forma rigorosa o setor privado; e

2. É residual o número de faculdades isoladas na rede pública (5,2%), ou seja, também aí o problema é com o setor privado.

A única decisão que me chamou a atenção foi o prazo de carência para poder requisitar a mudança de status. Como os técnicos do MEC não são adeptos da numerologia, certamente algum motivo relevante presidiu a escolha de nove anos para os Centros e doze para as faculdades. Talvez uma necessidade de atender a pressão daqueles centros que foram legalizados na virada do governo anterior. Cabe ao MEC esclarecer esta dúvida, caso julgue ser importante adotar procedimentos transparentes para selecionar quem entra ou quem sai dos critérios.

terça-feira, 5 de outubro de 2010

Anos de estudo na Pnad 2009

Um dado interessante para que seja avaliado o grau de eficácia de nosso sistema educacional são quantos anos completos de estudo os brasileiros maiores de dez anos conseguem ter.

Em 2009 a média de anos completos de estudos foi de 7,2 anos. A região Nordeste possui o menor índice (6 anos completos) e a região Sudeste o melhor desempenho (7,8 anos). Observando atentamente os dados, fica claro que continuamos sem garantias de equidade no tratamento de brasileiros que vivem no meio urbano e rural. Enquanto um cidadão consegue 7,6 anos completos na área urbana, o brasileiro que vive na área rural consegue apenas 4,6 anos. E se Le estiver na área rural do Nordeste irá conseguir cursar 3,9 anos.

Mesmo dentro do Nordeste há grandes diferenças entre área urbana e rural e entre regiões metropolitanas. Por exemplo, as regiões metropolitanas principais desta região estão acima da média nacional (Fortaleza com 7,5 anos, Recife com 7,9 anos e Salvador com 8,0 anos completos). Do outro lado, as áreas rurais do Piauí e Sergipe possuem as médias mais baixas (3,4 anos).

Dentre os estados o primeiro lugar é ocupado pelo Distrito Federal (9,1 anos), seguido por São Paulo (8,2 anos). No outro extremo encontramos Alagoas (5,4 anos) e o Piauí (5,5 anos).

Certamente que a introdução de mais um ano de escolaridade obrigatória no ensino fundamental e, a partir de 2016, a obrigatoriedade de quatro anos em diante, contribuirá para a elevação dos anos de estudos completos.

Porém, outras medidas, para além do simples acesso são necessárias, especialmente a melhoria das condições de permanência (transporte e escolas para as regiões rurais, acompanhamento de crianças que se evadem etc.) e de oferta (padrão mínimo de qualidade, por exemplo).

O novo Plano Nacional de Educação precisará se debruçar sobre este universo e determinar metas para a próxima década.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Um nó que precisa ser desatado


Um dos problemas que deve prender as atenções dos gestores públicos no próximo período é, sem sombra de dúvida, a baixa matrícula líquida do ensino médio em nosso país.

Os números da última PNAD mostram que 50,9% dos jovens de 15 a 17 anos freqüentam escolas de ensino médio. E o interessante é que a escolarização bruta chegou a 85,2%, ou seja, milhões de jovens estão presos no ensino fundamental.

Além de o percentual ser baixo ele não está igualmente distribuído entre as regiões e os estados brasileiros. Assim, os piores desempenhos se localizam nas regiões Norte Nordeste (39,1% e 39,2%) e o melhor desempenho é da região Sudeste, com 60,5% dos jovens estudando na etapa correta.

Verificando a situação dos estados é possível ver que o Pará tem o pior percentual de cobertura líquida, com apenas 31,6% dos jovens no ensino médio. Depois temos o estado de Alagoas (33,3%) e Piauí (34,4%).

Na outra ponta, com percentual maior de inclusão correta temos o estado de São Paulo, com 68,8% e o Distrito Federal com 64,1%.

O novo plano nacional de educação precisará se debruçar sobre este problema. O anterior previa dentre suas metas o seguinte:

“oferecimento de vagas que, no prazo de cinco anos, correspondam a 50% e, em dez anos, a 100% da demanda de ensino médio, em decorrência da universalização e regularização do fluxo de alunos no ensino fundamental”.

Somente agora (2009) alcançamos a meta de 2006 (50%) e este desempenho pode ter várias explicações, dentre elas, uma não regularização do fluxo no ensino fundamental.