quinta-feira, 24 de abril de 2014

Privatistas ganharam uma batalha


Ontem, na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, foi travada mais uma batalha de uma velha guerra presente na educação brasileira. por onze votos a oito foi mantido o parágrafo quarto do artigo 5º do Substitutivo do Deputado petista Ângelo Vanhoni. Foi, sem sombras de dúvida, uma das mais importantes votações realizadas, seja pela sua consequência prática, seja pelo simbolismo da decisão.

Em síntese aconteceu o seguinte:

1. Quando o Projeto de Lei nº 8035/2010 chegou na Câmara nele estava incluída a proposta de que na próxima década fossem aplicados 7% do PIB em educação. A sociedade civil e os especialistas em financiamento provaram que tal percentual era insuficiente para cumprir as metas do novo plano e tornava improvável que a superação dos principais gargalos educacionais. Por isso, ganhou força a proposta de 10% do PIB para a educação pública.

2. O relator da matéria tentou uma manobra, a qual consistia em estabelecer um percentual intermediário (8,3% do PIB) mas alterava a abrangência do texto, que passaria a abarcar não somente os investimentos públicos nas redes públicas, contabilizando também os investimentos públicos com a rede privada. A maioria da Comissão não aceitou tal manobra e aprovou 10% do PIB para a educação pública. O governo ensaiou recorrer ao plenário, mas diante da pressão social teve que recuar.

3. No Senado Federal ocorreu forte recuo. Nas Comissões e no Plenário foi retirada a palavra "pública" do texto da Meta 20 e criado um parágrafo que descrevia que investimentos públicos no setor privado poderiam ser contabilizados, arrolando desde gastos previstos no artigo 213 da Constituição Federal até gastos temerários, como aqueles relativos a isenções fiscais que viabilizam o Prouni e os empréstimos estudantis (FIES).

3. Ao votar para a Comissão Especial a expectativa era sobre o que teria mais peso na consciência dos parlamentares: a pressão violenta do governo e dos segmentos empresariais ou a pressão da sociedade civil. Pois bem, o relator resolveu acender uma vela para deus e outra pro diabo. Ele manteve a redação originalmente aprovada pela Comissão da Câmara, ou seja, 10% do PIB para a escola pública. Porém, manteve o parágrafo que amplia a abrangência do que pode ser contabilizado no cálculo deste percentual.

Pois bem, ontem por onze votos a oito foi acatada a proposição do relator. Qual a consequência prática caso esta decisão seja confirmada no Plenário da Câmara dos Deputados?

Vejo duas consequências bem claras. A primeira é que o percentual de investimento público na educação pública não será 10% do PIB, devendo girar em algo em torno de 8,5% do PIB, caso não cresça o percentual atual de destinação de recursos públicos para a área privada. A segunda é que com este percentual as metas e estratégias constantes do texto não serão cumpridos.

E qual é o recado simbólico por trás da decisão?

Na minha opinião este é o maior problema, pois a decisão indica a consolidação de uma visão de compartilhamento da oferta do direito educacional, o qual não precisaria mais ser prestado diretamente pelo Estado, podendo perfeitamente ser feito pelo setor privado, desde que subsidiado pelo recurso público, posto que a parcela da população sem acesso ao direito à educação não possui condições de comprar a "mercadoria educação". O peso que os programas de isenção fiscal e financiamento subsidiado no ensino superior e profissional possuem na política educacional do governo federal passa a ser eixo de oferta educacional, sai do status de exceção, de tratamento emergencial, e passa a ser um dos eixos da oferta das novas vagas necessárias ao cumprimento das metas e estratégias do plano.

É como se o Congresso Nacional estivesse subvertendo o texto constitucional, minimizando a importância do termo "dever do Estado" no artigo 205.

As consequências práticas serão muito mais danosas e permanentes do que o aparente simples problema de contabilização de bolsas no percentual do PIB.

Esta votação é uma vitória dos que defendem a redução do tamanho do Estado e a transformação da educação no rol dos setores não essenciais para a sua existência.

Perdemos uma batalha importante e isto aconteceu essencialmente por que parte da esquerda se converteu, na prática, em defensora dos pressupostos teóricos da direita.

quinta-feira, 17 de abril de 2014

A batalha pelo CAQI


A longa e tortuosa tramitação do Plano Nacional de Educação já possui uma virtude: colocou na agenda política da educação o tema do padrão mínimo de qualidade.

A situação do padrão mínimo de qualidade confirma a premissa de que um problema pode ficar existindo de forma latente, sem que o poder público tome providências, até que atores sociais relevantes se mobilizem com força suficiente para colocá-lo na agenda política e provoque a elaboração e implementação de políticas públicas para resolvê-lo. É isto que está acontecendo.

A Constituição de 1988, ao instituir a educação como um direito social (caput do Artigo 6º), expresso como direito de todos e dever do Estado (Artigo 205), não partiu de uma situação de inexistência de oferta educacional. Pelo contrário, os avanços ali registrados são fruto da consolidação de um sistema educacional descentralizado e com padrões de oferta muito diferenciados.

Diante de um quadro em que a oferta educacional não estava garantida para todos e, ao mesmo tempo, havia forte questionamento social acerca da qualidade dos serviços prestados (neste momento muito subordinado à não garantia de permanência dos estudantes que conseguiam ingressar nas escolas), a Constituição consignou como um dos princípios que deveriam reger o ensino a “garantia de padrão de qualidade” (Artigo 206, VII).

A Lei de Diretrizes e Bases e as leis que regulamentaram o Fundef e o Fundeb trataram do tema, mas nada foi concretizado, ou seja, apenas registraram a necessidade, repetindo o patamar conseguido na Constituição.

No início deste século, por iniciativa da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o padrão mínimo de qualidade começou a se materializar em um conjunto de indicadores, que foram batizados de Custo Aluno-Qualidade. Apesar destes esforço de formulação política, a ideia continuoi circulando nos meios acadêmicos e no seio das entidades da sociedade civil, mas não havia se transformado em parte da agenda política.

Quando da realização da Conferência Nacional de Educação - CONAE, este padrão continuava sem regulamentação, sem efetivação e sem se constituir uma demanda que movesse os governos para resolvê-la. A aprovação no documento final da Conferência de inúmeras referências ao Custo Aluno-Qualidade o elevaram a novo patamar. Já não era possível que o Executivo e o Legislativo ignorassem a sua existência.

Foi neste contexto que a Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação aprovou o Parecer CNE/CEB nº 08, que estabelece normas para aplicação do inciso IX do Artigo 4º da Lei nº 9.394/96 (LDB), que trata dos padrões mínimos de qualidade de ensino para a Educação Básica Pública. Desde esta data que a homologação do referido parecer dorme em uma gaveta bem funda na mesa de trabalho do Ministro da Educação.

Acontece que se a pressão da sociedade não moveu o governo, o incansável trabalho de articulação da Campanha conseguiu mover o parlamento. E a questão do CAQi se tornou um dos grandes temas do debate do novo Plano Nacional de Educação.

Neste exato momento por força da pressão social, o CAQI está se incorporando de maneira consistente na legislação brasileira e se está prevendo prazos para a sua efetivação, inclusive prevendo que se tenha um maior aporte de recursos da União para viabilizá-lo.

Independentemente do desfecho da votação na Comissão Especial no dia 22 de abril, o Custo Aluno-Qualidade conseguiu fazer parte da agenda da política educacional, mesmo que o governo federal insista em não ver.

 

terça-feira, 1 de abril de 2014

Última pressão

Amanhã, 02 de abril, será votado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados o relatório do deputado Vanhoni ao texto do Plano Nacional de Educação. Divulgo abaixo o posicionamento da sociedade civil, que exige mudanças importantes para que o PNE cumpra realmente a sua missão.


CARTA ABERTA DAS ENTIDADES E MOVIMENTOS EDUCACIONAIS

É PRECISO APERFEIÇOAR O RELATÓRIO DO PNE PARA GARANTIR UM PLANO CAPAZ DE CONSAGRAR O DIREITO À EDUCAÇÃO NO BRASIL

Brasil, 31 de março de 2014.

Com o intuito de garantir um Plano Nacional de Educação (PNE) capaz de colaborar decisivamente com a consagração do direito à educação pública de qualidade, as entidades e os movimentos educacionais signatários solicitam às deputadas e aos deputados federais que compõem a Comissão Especial do PL 8035/ 2010 o destaque a três pontos do relatório do Dep. Angelo Vanhoni (PT-PR).

Mesmo afirmando que na Meta 20 do PNE o investimento público será em educação pública, ao incorporar proposta do Senado Federal na forma do parágrafo 4º ao Art. 5º, o relatório do Dep. Vanhoni  acaba por estabelecer uma nova maneira de contabilizar o investimento em políticas públicas educacionais.

Para considerar na contabilização da Meta 20 do PNE (10% do PIB para educação pública) programas como Pronatec (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), ProUni (Programa Universidade para Todos), Ciências Sem Fronteiras e FIES (Fundo de Financiamento Estudantil), além de matrículas em creches e pré-escolas conveniadas, o relator absorve um dispositivo que pode levar à falta de garantia da expansão da educação pública nos diversos níveis e modalidades de ensino.

Em outras palavras, a manutenção desse instrumento pode significar a indistinção entre o que é público e o que é privado, trazendo graves consequências à gestão educacional e à qualidade da educação. E mais grave: da forma como está disposto, permite uma expansão ilimitada dos programas supracitados no orçamento da educação. Portanto, é preciso suprimir o parágrafo 4º do Art. 5º da proposta de Lei do PNE.

No âmbito da Educação Básica e da questão federativa, ao não retomar a Estratégia 20.10 da Câmara dos Deputados, que determina a complementação da União ao Custo Aluno-Qualidade Inicial (CAQi) e ao Custo Aluno-Qualidade (CAQ), o relatório desobriga o Governo Federal a participar de modo justo e decisivo na Educação Básica.

Assim, caso o texto seja mantido tal como propõe o relator, todo o custo da elevação de qualidade na Educação Básica, determinada pelos mecanismos do CAQi e do CAQ, recairá sobre os orçamentos municipais e estaduais, ferindo tanto a realidade orçamentária dos entes subnacionais como o disposto no parágrafo 1º do Art. 211 da Constituição Federal: cabe à União colaborar técnica e financeiramente com Estados e Municípios para o atingimento de um padrão mínimo de qualidade na Educação (mensurado pelo CAQi).

Vale ressaltar que a complementação da União ao CAQi e ao CAQ consta do Documento Final da Conae (Conferência Nacional de Educação) de 2010 e do Documento Base da Conae de 2014. Ou seja, é um instrumento imprescindível para a comunidade educacional. Desse modo, a Estratégia 20.10 precisa ser reinserida no PNE.

Por último, ao incorporar a Estratégia 7.36 do Senado Federal, o relatório do Dep. Angelo Vanhoni  estimula, por meio do PNE, a prática de bonificação por resultados na educação pública brasileira. Essa política, que tem sido revogada mundo afora, acaba por desconstruir a carreira docente e não melhora a aprendizagem, pelo contrário: é contraproducente. O caso mais emblemático de revogação da medida ocorreu em Nova Iorque, na gestão do prefeito republicano Michael Bloomberg. Portanto, é preciso suprimir a Estratégia 7.36.

Afora os destaques acima mencionados, as entidades e movimentos educacionais solicitam a aprovação dos deputados e das deputadas da Comissão Especial ao texto do relator Angelo Vanhoni (PT-PR) no que se refere à questão do combate às discriminações de gênero, raça e de orientação sexual. O PNE não pode se eximir de planificar uma educação que respeite integralmente todos os cidadãos e cidadãs em território nacional, fazendo das políticas educacionais um instrumento fundamental de combate aos preconceitos e à violência contra a mulher, contra os negros e as negras e contra a comunidade LGBT.

Por fim, demonstrando a unidade do movimento educacional, o que está disposto nesta Carta Aberta está alicerçado pela 21ª Nota Pública do Fórum Nacional de Educação, espaço de encontro entre a sociedade civil e os governos.

As entidades e movimentos educacionais signatários desta Carta acompanharão as votações finais do PNE na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, observando a presença e os votos dos deputados e das deputadas.

Entidades e movimentos educacionais signatários (por ordem alfabética):

1.         AASSOPAES (Associação de Pais de Alunos do Espírito Santo)

2.         ABGLT (Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais)

3.         AÇÃO EDUCATIVA – ASSESSORIA, PESQUISA E INFORMAÇÃO

4.         ACTIONAID BRASIL

5.         ALIANÇA PELA INFÂNCIA

6.         ANFOPE (Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação)

7.         ANPAE (Associação Nacional de Política e Administração da Educação)

8.         ANPAE/AL

9.         ANPAE/PI

10.     ANPED (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação)

11.     CADARA (Comissão Assessora de Diversidade para Assuntos Relacionados aos Afrodescentes)

12.     CAMPANHA NACIONAL PELO DIREITO À EDUCAÇÃO

13.     CAMPE (Centro de Apoio a Mães de Portadores de Eficiência)

14.     CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)

15.     CEDECA-CE (Centro de Defesa da Criança e do Adolescente do Ceará)

16.     CEDES (Centro de Estudos Educação e Sociedade)

17.     CENPEC (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária)

18.     CGTB (Central Geral dos Trabalhadores do Brasil)

19.     CMB (Confederação de Mulheres do Brasil)

20.     CNAB (Congresso Nacional Afro-brasileiro)

21.     CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação)

22.     CONTEE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino)

23.     CRECE (Conselho de Representantes dos Conselhos de Escola)

24.     CUT (Central Única dos Trabalhadores)

25.     ECOS - COMUNICAÇÃO EM SEXUALIDADE

26.     ESCOLA DE GENTE – COMUNICAÇÃO EM INCLUSÃO

27.     ESCOLA POLITÉCNICA DE SAÚDE JOAQUIM VENÂNCIO DA FIOCRUZ

28.     FACULDADE DE EDUCAÇÃO DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ

29.     FASUBRA (Federação de Sindicatos de Trabalhadores de Universidades Brasileiras)

30.     FEIC (Fórum de Educação Infantil do Ceará)

31.     FINEDUCA (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação)

32.     FOMEJA (Fórum Mineiro de Educação de Jovens e Adultos)

33.     FÓRUM DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO RIO GRANDE DO NORTE

34.     FÓRUM GO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

35.     FÓRUM PERMANENTE DE EDUCAÇÃO INFANTIL DO ESPÍRITO SANTO

36.     FÓRUM RJ DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

37.     FÓRUM RO DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

38.     FÓRUM SC DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

39.     FÓRUM SP DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

40.     FORUMDIR (Fórum Nacional de Diretores de Faculdades/Centros de Educação ou Equivalentes das Universidades Públicas Brasileiras)

41.     FUNDAÇÃO ABRINQ PELOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE

42.     GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA

43.     IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas)

44.     INESC (Instituto de Estudos Socioeconômicos)

45.     INSTITUTO PAULO FREIRE

46.     JPL (Juventude Pátria Livre)

47.     MIEIB (Movimento Interfóruns de Educação Infantil do Brasil)

48.     MOVIMENTO CULTURAL FAZENDO ARTE

49.     MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra)

50.     NEJA/UFMG (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação de Jovens e Adultos)

51.     PROIFES (Federação de Sindicatos de Professores de Instituições Federais de Ensino Superior)

52.     REDE ESTRADO (Rede Latino-americana de Estudos sobre Trabalho Docente)

53.     UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas)

54.     UGES (União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas)

55.     UMES/SP (União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo)

56.     UNCME (União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação)

57.     UNDIME (União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação)

58.     UNE (União Nacional dos Estudantes)

59.     UNEFORT (União Estudantil de Fortaleza)

60.     UNIPOP (Instituto Universidade Popular)