quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Campinas cria Prouni municipal e descumpre LDB

No dia 18 de novembro deste ano, a Câmara Municipal de Campinas aprovou a Lei nº 13.470, que criou o Programa de Inclusão Social pelo Ensino Superior de Campinas – PROCAMPIS.
No geral o PROCAMPIS é uma cópia do PROUNI federal e funcionará da seguinte forma:
Concede bolsas de estudo integrais e parciais para estudantes de cursos de graduação e cursos seqüenciais de formação específica em instituições privadas de ensino superior.
Concede bolsas integrais para alunos com renda familiar mensal per capita de até 2 salários mínimos. E bolsas parciais de 51% a 70% para renda mensal per capita de até 3 salários mínimos. E ainda, bolsas parciais de 30% a 50% para renda mensal per capita de até 3,5 salários mínimos. Serão 40% de bolsas integrais.
O aluno precisa ser aprovado no processo seletivo da instituição privada.
Critérios para disputar as bolsas: a) cursado ensino médio completo em escola de rede pública; b) ser portador de deficiência; c) ser servidor municipal, preferencialmente professor (somente se tiverem renda familiar mensal até 6,5 salários mínimos, mas em compensação ser professor é o primeiro critério de desempate).
Concessão de bolsas na proporção de 1 bolsa para cada 42 alunos matriculados e pagantes na instituição privada.
O Termo de Adesão das instituições privadas terá prazo de vigência de 10 (dez) anos.
As instituições terão dois benefícios fiscais: a) moratória de dois anos de parte devida de ISSQN e b) redução da alíquota do referido imposto para 2% sobre o faturamento auferido com mensalidades.
Será desvinculado do PROCAMPIS o curso considerado insuficiente segundo critérios de desempenho do SINAES do Ministério da Educação, por duas avaliações consecutivas.

Além de ser uma cópia do que já existe em nível federal, a proposta aprovada por Campinas contraria totalmente a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9394/96).
Em primeiro lugar é bom recordar que a oferta de ensino superior é dever constitucional da União. Aliás, dever exclusivo que foi sendo complementado pelos estados e por alguns municípios, pela falta de investimentos federais no setor. Por causa disso, em 2006 instituições municipais ofereceram mais de 60 mil vagas de ensino superior.
A União, por intermédio do PROUNI concede bolsas em Campinas. Em 2008 foram 734 alunos beneficiados, estudando em 10 instituições de ensino superior.
Em segundo lugar, o artigo 5º da LDB estabelece que a prioridade é a oferta do ensino fundamental e somente depois a oferta das demais etapas e modalidades, conforme o dever de cada ente federado.

Artigo 5º...
§ 2º. Em todas as esferas administrativas, o Poder Público assegurará em primeiro lugar o acesso ao ensino obrigatório, nos termos deste artigo, contemplando em seguida os demais níveis e modalidades de ensino, conforme as prioridades constitucionais e legais.

Cabe ao município a oferta do ensino fundamental e da educação infantil, além das modalidades atinentes a estas etapas. Não cabe constitucionalmente a oferta de ensino superior, seja por via direta, seja por compra de vagas ou mesmo troca de bolsas por isenção fiscal.
Em terceiro lugar, o artigo 11 é taxativo: um ente federado somente pode prestar serviços educacionais fora de sua competência legal, após de ter conseguido cumprir o seu dever. E isso com recursos públicos que não façam parte dos mínimos constitucionais.

Artigo 11...
V - oferecer a educação infantil em creches e pré-escolas, e, com prioridade, o ensino fundamental, permitida a atuação em outros níveis de ensino somente quando estiverem atendidas plenamente as necessidades de sua área de competência e com recursos acima dos percentuais mínimos vinculados pela Constituição Federal à manutenção e desenvolvimento do ensino.

Ou seja, a Prefeitura Municipal de Campinas poderia trocar bolsas de estudos no ensino superior por isenção fiscal em alguma hipótese? Sim, caso tivesse proporcionado o acesso a todas as crianças em idade escolar na educação infantil e ensino fundamental e utilizando outros recursos orçamentários.
Infelizmente não é o caso de Campinas.

Pela projeção populacional feita pelo IBGE, a cidade de Campinas possuía em 2007 uma população de zero a quatorze anos de 257.474 crianças. Os dados do Censo Escolar de 2008 apontam para o atendimento na educação infantil e ensino fundamental, somando todas as redes (municipal, estadual e privada) de 162.511 alunos. Uma conta simples mostra que estão fora da escola 94.963 cidadãos.
O déficit educacional é maior dentre as crianças de zero a cinco anos, faixa etária que é de atendimento exclusivo municipal. São mais de 44 mil crianças fora da escola.
A concessão de bolsas será feita por meio de redução da alíquota do ISSQN. Todos sabem que 25% de todo dinheiro arrecadado pela Prefeitura deve ser destinada a educação. Assim, de cada 1 real de renúncia fiscal para conceder bolsas para alunos do ensino superior, 25 centavos estão sendo retirados da educação básica municipal.
Não sabemos o quanto de renúncia fiscal a Prefeitura calcula em suportar, mas sabemos que o ISSQN é um imposto significativo para a municipalidade. Em 2007 foram arrecadados R$ 273.609.574,37 de ISSQN. Isso quer dizer que deste imposto foram destinados pelo menos R$ 68.402.393,59.
O vereador Paulo Búfalo (PSOL) me informou que pretende ingressar com uma ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) contra a lei aprovada. É o mínimo que deve ser feito diante de tamanha ilegalidade e falta de prioridade com a educação municipal.

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