O Governo do Distrito Federal anunciou nesta semana que não
deu conta de cumprir a norma constitucional prevista no artigo 208, a qual
obriga que todos os brasileiros de quatro a dezessete anos estejam na escola.
Era um resultado esperado perante a morosidade da incorporação de crianças na
pré-escola nos últimos anos. Dados de 2013 mostravam que a capital federal
estava com apenas 76,5% de cobertura (contra 81,4% de média nacional),
amargando uma taxa de crescimento inferior ao esforço feito pelos demais entes
federados.
Utilizando como parâmetro para aferir crianças fora da
escola na faixa de quatro e cinco anos a manifestação expressa pelos pais no
serviço de matricula telefônica (156), o GDF admitiu que 2741 crianças não
foram incorporadas à rede pública ou conveniada e, portanto, encontram-se fora
da escola.
O surpreendente é que, ao admitir o não cumprimento da
obrigação constitucional, o GDF decidiu aprofundar os caminhos tortuosos que
vem seguindo em contínuos governos. Anunciou a concessão de um voucher, no
valor de 456,00 reais, para que os pais busquem matricular seus filhos em
escolas particulares.
Esta proposta neoliberal, implementada em larga escala no
Chile e que levou a uma alta segregação social nas escolas daquele país,
inclusive sendo revista no atual momento, sempre foi o sonho de consumo do
empresariado privado do Distrito Federal. Ao invés de assumir sua
responsabilidade, construir salas e/ou escolas, contratar professores
qualificados, garantir formação continuada para docentes, contratar técnicos e
prover um ensino de qualidade, o GDF aprofunda o caminho da precarização da
prestação de serviços.
O estabelecimento do voucher para os pais se soma a outros
dois formatos precarizados de oferta da educação infantil.
O primeiro, que vem de longo tempo, é a prática de
conveniamento de escolas particulares sem fins lucrativos para a prestação de
serviços, especialmente em creche. Em 2014 nada menos que 25,1% (6.658
crianças) da oferta em creche era via conveniamento, sendo apenas 5,4% ofertada
diretamente em escolas públicas. Na pré-escola a situação era menos grave, mas
havia um claro congelamento da oferta pública e um constante crescimento de
conveniamento, o qual passou de 3287 crianças em 2013 para 3807 crianças em
2014.
O segundo formato é o repasse de escolas construídas com
recursos federais (PROINFÂNCIA) para Organizações Sociais. Estas recebem
recursos do GDF e contratam os professores e técnicos.
Nos dois formatos acima descritos fica claro que a opção é
por um custo mais baixo. E esta redução ocorre no gasto com pessoal. Os
professores das escolas conveniadas e das OSS não são servidores públicos, não
estão submetidos a concurso público, não estão regidos pela lei do piso
salarial nacional do magistério e nem possuem carreira. Ou seja, as escolas
contratam profissionais com menor qualificação, de forma temerosa e por vezes
atrelada aos deputados e padrinhos políticos de plantão e pagam salários
aviltantes.
A implementação de voucher é um profundo agravamento de um
quadro que já era preocupante. Na capital da República há um completo repasse
de recursos públicos para o setor privado e um evidente descumprimento da
obrigação constitucional de garantir, como dever do Estado, uma escola pública
com padrão mínimo de qualidade.
E representa perigoso precedente. Os setores empresariais,
que ganharam força no MEC após o golpe institucional, almejam faz tempo
implantar no país experiências de voucher e de escola charter. O GDF está
criando as condições para que estas ideias floresçam.
Contra estes tempos sombrios será necessária intensa e
unitária mobilização de pais, alunos e professores contra a precarização do
ensino.
2 comentários:
Oi, Luiz!
Apresentas com clareza e de maneira incontestável o perigoso modelo que vem sendo implantado, de Norte a Sul do país, visando "baratear a garantia do direito" à educação pública, desonerando os gestores não apenas em termos de redução de custos, mas, também, em termos de responsabilidade para com uma oferta de qualidade o com a concretização de um projeto educacional que atenda às necessidades e direitos da população que depende das vagas púbicas em cada município. Nestes modelos de terceirização da oferta e, em certos casos, de outras responsabilidades, o recurso, aliás, continua público. Porém, o controle social desse investimento em educação fica por demais prejudicado, inclusive, pela ausência de informações claras sobre os vários casos de parceria. Temos acompanhado aqui no RS a trajetória de um conjunto de municípios que fizeram essas mesmas opções, agregando, ainda, alguns, a redução do direito ao tempo integral para as matrículas na faixa da pré-escola.
Novos tempos e novas questões a nos desafiar, tanto como pesquisadores quanto como militantes em defesa da escola pública! Saudações, Malu Flores
Boa tarde professor.
Meu nome e Marcelo Mazotti e sou doutorando em Direito na USP. No momento estou estudando vouchers na Faculdade de Educacao de Indiana - EUA. Gostaria de saber se poderiamos conversar sobre esse tema tao interessante.
Meu email e' marcelomazotti99@gmail.com
Obrigado
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