Ouvi nas rádios uma peça oficial de propaganda do Ministério
da Educação. Tendo como âncora uma atleta paraolímpica, o comercial afirma que
20% do tempo dos professores da educação básica é usado para resolver
indisciplina dos alunos. O que, segundo o comercial, prejudica o futuro dos
alunos. Estes, portanto, deveriam rever seu comportamento e valorizar os
docentes.
Para um governo (ilegítimo) que trocou o slogan Pátria
Educadora, do segundo mandato de Dilma (que não saiu do papel, abatido pela
forma de enfrentamento da crise) pela frase de nossa bandeira (Ordem e
Progresso) o comercial guarda coerência.
Não conheço a pesquisa que fundamentou a afirmação do
comercial (peço desculpas pela minha ignorância neste quesito), mas certamente
eleger a “indisciplina” dos alunos como problema a ser priorizado para campanha
publicitária demonstra o olhar da atual administração do MEC sobre os reais
problemas educacionais.
Há, obviamente, uma linha de continuidade com um conjunto de
políticas baseadas na avaliação de larga escala, as quais reduzem o papel do
MEC a uma agência reguladora do desempenho escolar das redes públicas estaduais
e municipais.
Há, também, coerência com a visão oriunda do período militar
(não podemos mais falar que foi ditadura, pois corremos o risco de acusações de
doutrinação comunista!) de que quanto mais ordem tivermos na escola (leia-se,
menos questionamentos, confusões, reivindicações, ocupações, greves, coisas do
tipo) melhor desempenho cognitivo terão nossos alunos.
Confesso que o final da peça pede para os alunos valorizarem
os docentes. Que bom, mas o MEC poderia aproveitar o que solicitou para os
alunos e começar a fazer a parte dele na busca pela valorização do magistério.
Vejamos algumas medidas que o MEC está conduzindo ou concordando e que
sinalizam caminho contrário ao conselho dado aos alunos:
1.
Não implementação do Custo Aluno qualidade
inicial, conforme previsto na Lei nº 13005 de 2016 (Plano Nacional de
Educação). O prazo encerrou no domingo (dois longos anos e nada foi feito de
relevante sobre o assunto). O CAQi estabelecerá salários mais dignos para os
docentes, carreira atraente e elevação da qualidade material de nossas
combalidas escolas, especialmente nas regiões norte e nordeste, no campo e nas
periferias das grandes cidades. Certamente tal medida valorizaria os docentes.
2.
Concordância implícita com o golpe violento que
a PEC nº 241 de 2016, enviada pelo ilegítimo Temer, fará nas garantias de
recursos previstos pelo artigo 212 da Constituição Federal. Ou seja, ao concordar
(ou se omitir) o MEC está se propondo a descumprir o Plano Nacional de
Educação, seja inviabilizando recursos para as metas de sua responsabilidade
direta (meta 12, por exemplo), como abrindo mão de contribuir com as metas de
responsabilidade dos estados e municípios e que para acontecerem dependem de
participação da União.
3.
Concordância implícita com a Reforma da
Previdência que está sendo parida nos bastidores do staff golpista, cujos
desenhos inicialmente anunciados dão conta de uma penalização das mulheres, as
quais são ampla maioria da categoria docente. As professoras (e os professores)
precisarão trabalhar ainda mais para cobrir um rombo previdenciário inventado
para cobrir o rombo da dívida pública realmente existente.
4.
Incentivo a propostas que atacam a liberdade de
expressão e pensamento dos docentes, especialmente a recepção de personalidades
do movimento Escola Sem Partido. Não tem mais profunda desvalorização do que
não expressar sua opinião e ajudar a formar cidadãos críticos. Uma escola com
professores amordaçados é defender a prevalência do pensamento único e tornar o
professor um reprodutor da ideologia oficializada por quem estiver no comando
do aparato estatal.
Assim, na falta do que propor de positivo para cumprir o
Plano Nacional de Educação e valorizar o magistério, aparece como uma farsa o
comercial que comento neste post. A menos que por indisciplina, na verdade, o
MEC esteja preocupado com a rebeldia crescente que nossos jovens têm
demonstrado diante do descaso em que se encontram suas escolas. Esta rebeldia
(indisciplina para a elite dominante) é saudável, mostra que existe vida
inteligente nas escolas, que se aprende todos os dias e que a escola pública
continua formando cidadãos capazes de defender os seus interesses.
Certamente esta “indisciplina”, caso consuma pelo menos 20%
do tempo dos nossos docentes, poderá ajudar a salvar nossas escolas da sanha
neoliberal que estamos vivendo no governo ilegítimo.
Um comentário:
A postagem acima nos faz questionar se a indisciplina no caso de desordem é a mais problemática para a educação em nosso país. Com a troca dos slogans podemos perceber a real intenção da “nova educação” proposta, busca-se atingir a ordem e o progresso, ou seja, busca-se que seus alunos se formem para o mercado profissional, para o futuro, para movimentar mais a economia e isso tudo feito com ordem e disciplina. Desta forma a escola volta a formar máquinas e não seres humanos, a escola assume uma única finalidade: formar o trabalhador e não o ser que pensa e questiona.
O ensino fundamental assim como outros segmentos, é direito de todos e dever do Estado e da família e GRACINDO (2010) afirma que o Estado deve garantir material, transporte, alimentação e saúde elementos estes que auxiliam e propiciam o comparecimento dos alunos às escolas. Acredito que estas questões apresentadas por Gracindo tinham que ser priorizadas antes da questão de indisciplina já que se tratam de uma realidade atual que impossibilita o acesso à educação para muitos (principalmente a educação infantil e o ensino fundamental que depende de terceiros para a maioria das ações).
No texto “Organização do Trabalho Escolar” de Dalila Oliveira é apontado que os trabalhadores de uma escola são organizados de formam que buscam atingir objetivos ou da escola ou do sistema, desta maneira ao propor que indisciplina, no caso da desordem, é um problema tomado como prioridade acaba com que as escolas e seus funcionários vejam isso também como um problema maior, e assim trabalhem para atingir o objetivo de disciplinar e colocar os alunos em um mesmo padrão.
Acredito que com o passar do tempo, as pessoas começaram a questionar mais, a não aceitar com tamanha facilidade tudo aquilo que lhes é imposto, e atribuo isso a uma falsa idéia de liberdade de expressão que temos. Não podemos negar que vivemos em tempos mais fáceis do que o período militar no quesito liberdade, mas ainda sim sofremos bastante represália com isso. Voltando às escolas, esta assume um local de grande discussão de diversos assuntos por admitir pensamentos distintos e por conta das crianças e jovens permanecer grande parte do seu dia inserido nelas. Conforme a idade vai avançando o raciocínio crítico também vai se desenvolvendo e a proposta de ordem dentro da escola vai em direção do silenciamento do aluno, pois irá de certa forma proibir os seus questionamentos, evitar confusões reivindicações dentre outros comportamentos considerados como indisciplina.
Sendo assim, a escola volta, portanto a ser um palco para os processos de disputa e dominação como aponta Ângelo Ricardo de Souza , e as relações de poder vão se intensificando. Ao invés de construir o ser humano, ela passa a reproduzir o que é imposto e conveniente para quem não deseja que todos pensem de uma forma crítica, ela perde a idéia de indivíduo e começa a trabalhar somente para o coletivo, como se todos demandassem exatamente a mesma coisa. Diretores, representantes, coordenadores, fiscais e até mesmo professores passam a ter total autonomia do espaço escolar dispensando opiniões e necessidades das demais partes envolvidas no processo educacional, contrariando o princípio de gestão democrática que garante a atuação efetiva de todas as pessoas que atuam nas escolas na solução dos problemas dessa.
Compartilho então a conclusão deste post que a real preocupação é a rebeldia crescente dos jovens que estão descontentes com o descaso com a educação, tal rebeldia é saudável e mostra que a escola não está formando apenas trabalhadores, que ainda encontramos cidadãos capazes de defender seus próprios interesses.
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