No dia de ontem (21 de junho), a Comissão de Constituição e
Justiça da Câmara Legislativa do Distrito Federal, escreveu mais um capítulo
deste tempo de crescimento do obscurantismo. E, na decisão que comentarei mais
abaixo há um elo com a ação de um grupo de fascistas na sexta-feira
(17 de junho) nas dependências da Universidade de Brasília.
Na esteira da indecorosa proposta de “escola sem partido”, a
referida Comissão, que possui a tarefa de zelar pela legalidade e
constitucionalidade das leis que naquela Casa tramitam, aprovou uma Proposta de
Emenda à Lei Orgânica do DF que estabelece, dentre outras pérolas o seguinte:
“Garantia do direito dos pais a que seus filhos recebam a
educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções” e “neutralidade
política, ideológica e religiosa do Estado”.
Vamos traduzir:
1.
Existem várias convicções políticas e
ideológicas em nosso país. A existência está garantida na Constituição Federal.
Se expressa de forma pacífica e sem ferir os princípios e garantias individuais
que a Carta Magna estabelece como direitos de todos, as mesmas podem ser
defendidas em qualquer espaço social.
2.
Não há uma única educação moral possível.
Existem várias, todas atreladas as diferentes visões de mundo. Porém, todas elas
estão limitadas pelos direitos individuais constitucionais. Exemplo, muitos
professam uma moral preconceituosa contra negros, mas a Constituição considera
tal conduta crime inafiançável, portanto, fere os direitos individuais e não é
aceita pela sociedade.
3.
Há muitos que defendem uma moral que considera
que um homossexual é uma pessoa doente, que precisa de cura, que a convivência
com pessoas com esta orientação sexual fere a “sua moral”, pondo em risco os
pilares da educação de seus filhos. Porém, a escola pública, como diz o nome, é
para todos, não havendo possibilidade de discriminação sob qualquer motivo.
4.
Qual convicção deve prevalecer na escola? Todas
que não firam os preceitos da Constituição. Ou seja, os alunos, os professores,
os diretores, os pais, todos os cidadãos que fazem parte da comunidade
educacional podem (é um direito) de expressar sua convicção de mundo, de
comportamento, de organização da sociedade.
5.
Cabe à escola oferecer ferramentas para que
nossos alunos possam construir um olhar crítico sobre as várias concepções.
Impedir que a escola cumpra este papel é impedir que os alunos sejam cidadãos,
ou seja, possuam condições de escolher livremente qual concepção de mundo, qual
convicção moral quer adotar.
6.
Não existe neutralidade no mundo. Todos, mesmo
os que juram que não, tomam partido e se posicionam. Não precisa se filiar a um
partido político para tomar partido sobre um assunto, um problema, uma causa.
Tomar partido está na essência do exercício pleno da cidadania, direito
conquistado com muita luta pelo povo brasileiro.
7.
É certo que a escola não pode expressar uma
ideologia oficial (do partido que esteja no poder), uma religião oficial (a
majoritária no momento) ou uma única visão de mundo. Porém, debater as
ideologias existentes, as visões de mundo existentes, o que as religiões
acreditam e pregam é obrigação da escola. Cada professor, cada aluno, cada pai
tem o direito de expressar a sua visão de mundo, a sua ideologia.
8.
Qual o limite? A garantia da diversidade
existente na sociedade e as garantias individuais contra as posições que
contrariem as normas democráticas.
Na verdade, todo o discurso expresso nesta Proposta de
Emenda à Lei Orgânica do DF, como em outros projetos de lei fomentados pelo
discurso do apartidarismo e do combate a doutrinação ideológica nas escolas,
esconde uma tentativa de coibir justamente o que diz tentar evitar. Estas
pessoas querem o monopólio de sua ideologia, de sua visão de mundo, de sua
convicção. Incomoda estas pessoas que outros pensem diferente e querem na lei
(e muitas vezes na marra) proibir o livre exercício da cidadania.
Também, tal proposta, é um ataque direto a liberdade de
ensinar dos professores. Imaginem que para estas pessoas um deles vai poder
estabelecer o formato que um professor de história vai discutir os fatos
relevantes da nossa história. Se um professor discutir com seus alunos que
tivemos períodos autoritários, como de 1964 até 1985, e que isto ficou
conhecido como Ditadura Militar, ele estará rompendo a “neutralidade” e
professora nociva ideologia.
Este movimento me faz lembrar um livro de Educação Moral e
Cívica que li quando estava no Ensino Fundamental (antigo 1º grau). Nele havia
uma gravura de duas pessoas lendo jornal num banco de praça e estava escrito
“mais dois comunistas presos” e um deles exclamava “legal”.
A “escola sem partido” é, na verdade, a tentativa de
construir uma “escola sem liberdade de expressão”. E isso fere frontalmente
cláusulas pétreas de nossa Constituição Federal. É um retrocesso e um atentado
contra os direitos individuais.
É um movimento conservador, bem articulado, que já
apresentou proposições semelhantes (ou mais absurdas) em vários estados
(Pernambuco, São Paulo, Goiás, Espírito Santo e Alagoas são exemplos).
Certamente uma escola onde se exercita a democracia e onde
se estimula a formação de cidadãos críticos com a realidade em que vivem é,
realmente, uma escola perigosa. Mas para quem tal escola é perigosa? Para uma
minoria próspera, que governa explorando o trabalho de nosso povo e controlando
as estruturas do Estado por intermédio da desinformação, da manipulação e da
compra de voto. Estes são os fomentadores deste movimento conservador e
inconstitucional.
2 comentários:
Você sintetizou bem Luiz: O projeto que se autodenomina 'escola sem partido', mas que tem profundas bases partidárias e religiosas, defende, na verdade, uma escola sem liberdade de expressão.
é isso ai.
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