Nesta semana, em mais uma
medida representativa dos interesses que financiaram o golpe institucional, o
governo (ilegítimo) Temer revogou o ato de nomeação de novos e recondução de
alguns antigos conselheiros do Conselho Nacional de Educação, um dos últimos
atos do governo Dilma. E, em seguida, publicou novo ato alterando de forma
significativa a lista anterior, colocando no CNE próceres do setor privado de
ensino e aliados, com raras exceções.
Queria aproveitar este
fato para não somente ficar na superfície do problema (ato de desfazer
indicações e trocar por aliados), mas refletir sobre as oportunidades perdidas
em 13 anos de governo petista e que agora facilitam a vida do governo golpista.
No programa de governo de
2002, a candidatura de Lula propunha, dentre outros itens que foram sendo
esquecidos, “implantar um novo Conselho Nacional de Educação, normativo e
deliberativo, com representação social das três esferas de administração e das
instituições representativas de educadores e estudantes”. Tal proposição partia
do diagnóstico de que o Conselho herdado do governo FHC era composto de
notáveis, constituía-se em órgão atrelado ao Ministério da educação, com parca
autonomia e que seria necessário fortalecer o CNE como órgão deliberativo e
representativo dos entes federados e das entidades que expressavam os vários
segmentos educacionais.
Neste novo Conselho
teriam lugar os donos de escolas, mas lá chegariam de forma clara e explícita e
proporcional ao peso que possuem na educação. Porém, a primazia deveria ser
dada para a presença dos gestores (federal, estaduais e municipais), para os
representantes dos trabalhadores da educação (da educação básica e superior) e
dos estudantes.
A Lei que era herdada
(Lei nº 9131 de 1995) e os complementos feitos na Lei de Diretrizes e Bases
(Lei nº 9394 de 1996) não enfrentaram esta tarefa, por isso a mesma aparecia
como segundo item no rol de propostas gerais educacionais.
Porém, durante treze
longos anos, as mudanças feitas na referida lei foram cosméticas. Manteve-se a
regra de que a escolha e nomeação dos conselheiros fosse feita pela Presidência
da República, “sendo que, pelo menos a metade, obrigatoriamente, dentre os
indicados em listas elaboradas especialmente para
cada Câmara, mediante consulta a entidades da sociedade civil, relacionadas às
áreas de atuação dos respectivos colegiados”.
Assim, apenas
se procurou inverter os sinais e pesos nas indicações. Sendo um governo com
forte base social nas entidades científicas, estudantis e sindicais, o governo
Lula e Dilma se satisfizeram em usar o mesmo mecanismo do antecessor, somente
invertendo os sinais na hora da indicação.
E, mais
grave, como a lógica do governo foi sempre perseguir a chamado
“governabilidade” (que gerou monstros como Eduardo Cunha e similares), em
várias decisões de indicações o setor privado foi bastante favorecido.
Tivemos neste
período muitos conselheiros e muitas conselheiras com fortíssimo compromisso
com a escola pública, laica e de qualidade. Isto preciso ser reconhecido. E
muitos deles, oriundos de entidades científicas e sindicais, tiveram amplo
reconhecimento dos seus pares durante seus trabalhos. Mas nenhum deles chegou
ao Conselho representando o seu segmento, foram escolhidos como notáveis (seja
lá o que isso quer dizer!).
Durante treze
anos o Conselho foi órgão consultivo, sempre dependente da homologação de suas
decisões pelo Ministro. E aqui, pareceu cômodo não abrir mão deste poder
discricionário. Recordo que em 1997 o então ministro Paulo Renato forçou a
revisão de uma resolução sobre carreira docente, na época brilhantemente
relatada pelo conselheiro João Monlevade (nos governos FHC, Lula e Dilma sempre
houve uma cota para os opositores, forma de passar uma versão republicana para
as suas indicações). E na gestão de Lula, passando por toda a gestão de Dilma,
os vários ministros da Educação colocaram numa gaveta bem escondida a resolução
sobre o Custo Aluno Qualidade (outro item que constava do Programa Eleitoral de
2002).
Ao indicar
notáveis, mesmo que com mandato, os governos petistas perderam a oportunidade
de radicalizar a democracia e reformar positivamente a forma de compor o
Conselho e suas atribuições. Poderiam ter tentado e perdido no Congresso
Nacional, mas nem tentaram.
Essa
disposição que faltou durante treze anos facilitou a vida dos golpistas. É
lógico que o ato de desfazer um ato perfeito é de responsabilidade de quem o
desfez. E tal atitude mostra que o governo Temer não terá pudores em desmontar
todas as conquistas (pequenas) sociais e limpar o terreno para que suas
propostas (no caso educacionais) sejam implementadas. Manter a composição
criaria dificuldades e desgastes, mesmo que o Conselho tenha continuado com
frágil e limitada autonomia.
A nova
composição do Conselho representa uma guinada privatista evidente. É uma
sinalização de que as concessões feitas para este setor não serão retiradas e
que nenhuma amarra ao seu desenvolvimento será discutida no âmbito do Conselho.
É o sonho de consumo do setor privado: nenhuma regulamentação séria e novos
mercados para enfrentar a crise.
A nova
composição também vem de encomenda para consolidar outro ponto que foi
aprofundado nos governos anteriores (também contrariando o programa de 2002),
ou seja, estará à serviço de consolidar a função reguladora da educação básica,
por meio de avaliações de larga escala. Além disso, os avanços que ainda eram
minoritários de novos formatos de apropriação privada do bem público (OS é um
exemplo), que tendem a crescer caso seja aprovado o garrote nos gastos públicos
proposto pela PEC 241/2016, não encontrarão resistências no ambiente do
Conselho.
Lembrei de um
ditado chinês que diz que existem três coisas na vida que nunca voltam atrás: a
flecha lançada, a palavra pronunciada e a oportunidade perdida. Espero que,
além do necessário e urgente combate às medidas do governo golpista, a
facilidade com que suas ações estão se implantando enseje saudável reflexão e
aprendizado sobre os erros. Esse é um deles. Por isso se faz tão importante
resgatar o legado de luta, nem sempre coincidente com o legado de governo.
2 comentários:
Muito lúcido, Luiz. Quantas oportunidades perdidas; CAQi, novo CNE.... A ilusão de que o poder é eterno. E não foi por falta de aviso. Mas a luta continua.
zé marcelino
Acho que tudo se resume a poucas palavras: "má gestão e falta de concepção de uma educação básica nacional sólida, moderna e progressivamente social há anos, e corrupção generalizada", só isso.
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