Em pomposa entrevista, o
presidente ilegítimo Michel Temer anunciou a intenção de estabelecer um teto de
gasto público, o qual seria apenas reajustado de um ano para o outro no limite
da variação inflacionária. Obviamente que a grande mídia, os comentaristas
pro-mercado de plantão e o grande capital, especialmente o financeiro, todos
comemoraram a proposta.
Não há ainda tramitando no
legislativo a medida concreta, mas certamente precisará ser uma Emenda
Constitucional. Tentarei neste post traduzir para a educação o que representará
a sua aprovação.
O gasto público, como todos
sabem, é a soma dos gastos com pessoal, custeio e investimento que cada governo
(federal, estadual e municipal) realiza no ano civil brasileiro. Este gasto é
feito tendo por base a arrecadação de impostos, contribuições, taxas e
empréstimos.
No caso da educação, o gasto
público possui uma reserva de recursos, uma vinculação constitucional. Esta
vinculação que alcança apenas os impostos (arrecadados ou transferidos) é de,
no mínimo, 18% para a União e 25% para estados, DF e municípios, salvo se constituição
local estabelecer percentual maior. Afora este recurso vinculado, a educação
conta também com o salário-educação (contribuição social) e parte dos royalties
do petróleo.
Bem, explicando melhor a proposta
do ilegítimo Temer, o governo pretende que o gasto com o setor público
(incluindo educação, saúde, segurança e demais serviços) seja igual ao
realizado no ano anterior acrescido do mesmo percentual registrado pela
inflação. Assim, em 2016 o gasto público seria o efetivado em 2015 mais 10,67%
de correção.
As despesas públicas básicas são
com pagamento de salários dos efetivos e contratados, compra de serviços
(terceirizados, compras de material, pagamento de luz, água, viagens, etc.) e
construção de prédios e equipamentos. Estes serviços são afetados pela inflação
todos os anos, assim há sempre pressão para recompor os salários dos servidores
públicos, pelo menos no patamar de corrosão inflacionária, os valores dos
contratos de terceirizados também são impactados pela correção dos salários dos
trabalhadores contratados pelas empresas, as compras de bens também são
corrigidas todos os anos.
Além da proposta impedir o
crescimento da oferta de serviços, posto que a correção garante apenas manter o
mesmo nível de serviços atualmente prestados, impedindo, por exemplo, de
construir, equipar e colocar para funcionar uma nova escola ou curso superior,
também afeta diretamente a vinculação constitucional.
Neste caso faz-se necessário
desenhar (como se costuma falar):
1. A
vinculação de impostos obriga que de tudo que foi arrecadado se reserve e se
aplique 25% em educação. Ou seja, se em 2015 o arrecadado com impostos foi
100.000,00 reais, o governo do Pará (por exemplo) não pode gastar menos que
25.000,00 com educação.
2. Se
em 2016 a arrecadação chegar em 150.000,00, a vinculação obriga que, no mínimo,
37.500,00 sejam aplicados em educação.
3. O
principal imposto financiador da educação nacional é o ICMS. Este imposto que é
arrecadado pelos governos estaduais (que ficam com 75% do montante) e
parcialmente distribuídos para os municípios (25% do montante) é quase dois
terços dos recursos da educação básica nacional.
4. Analisando
o comportamento da arrecadação deste tributo (dados do Confaz) nos últimos 10
anos (2004 a 2014) podemos verificar que a regra foi um crescimento acima da
inflação, especialmente em momentos fora da crise. E mesmo nos períodos de
crise é significativa a receita. Decidi comparar o comportamento da inflação
(que será a forma de corrigir o gasto público pela proposta do governo) com o
que realmente aconteceu nos dez anos citados.
O gráfico 01 mostra que apenas em
dois anos desta década a variação de crescimento da receita de ICMS foi menor
que a inflação do ano. Ou seja, ao estabelecer um teto baseado na inflação do
ano anterior o governo estará retirando dinheiro das áreas sociais e
direcionando para a verdadeira prioridade do país (pagar os encargos, juros e
amortização da dívida pública).
Decidi também simular o que
aconteceria se esta proposta estivesse em vigor desde 2004 (início da década
estudada neste post), ou seja, se desde 2004 a regra de corrigir fosse aplicada
nos recursos do ICMS. E comparei com a regra atual (25% do ICMS, no mínimo, em
educação). O gráfico 02 mostra o que teria acontecido com os recursos
educacionais.
Em termos nominais a perda na
década, somente com recursos do ICMS, teria sido de 234 bilhões de reais a
menos para a educação.
Estamos em crise e em 2014
perdemos para a inflação, mas isto não é a regra, pelo contrário. A medida que
Temer quer implantar revoga a vinculação constitucional, prejudicando
violentamente a educação e saúde. E acaba, na prática, com o disposto no artigo
212 da Constituição Federal e com o disposto nas constituições estaduais e leis
orgânicas municipais.
Fazendo um exercício em um
município concreto, a cidade de Belém do Pará, em 2013, teve devido a
vinculação constitucional mais recursos do Fundeb que aplicar pelo menos R$ 319.485.959,85. Pelas regras do teto, em
2014 teria os gastos educacionais poderiam alcançar apenas a variação da
inflação de 2013 (5,91%), ou seja, poderiam chegar a R$ 338.367.580,08.
Acontece
que analisando as receitas de Belém em 2014, mesmo com a crise já afetando
muito as finanças municipais, a vinculação constitucional obrigou a que fossem
gastos com educação pelo menos R$ 352.462.002,20. Traduzindo, se já estivesse
vigorando a proposta do Temer, o município de Belém teria que aplicar R$ 14.094.422,12
a menos em educação.
Sem a vinculação constitucional
vivenciaremos um retrocesso na qualidade educacional, paralisia na oferta de
novas vagas e precarização das relações de trabalho.
A depender da disposição dos
deputados federais do ressuscitado centrão (de triste memória do processo
constituinte) que conseguiram mais de 300 votos para renovar a DRU na semana
passada, tal proposta tem grandes possibilidades de ser aprovada. Vai depender
da mobilização da sociedade civil, das instituições garantidoras das regras
constitucionais e dos principais interessados na prestação de serviço
educacional público: os pobres do meu Brasil.
2 comentários:
Análise muito lúcida e clara, Luiz. O congelamento dos gastos é o golpe dentro do golpe e um golpe fatal ao PNE.
Excelente análise Luís! É bom ressaltar que somente nos períodos das ditaduras foram retirados os recursos vinculados à educação!! Além de golpista esse governo representa o retorno da ditadura só que agora é a ditadura civil empresarial
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