segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Apostilas

Um dos fenômenos mais nocivos detectados na educação nos últimos tempos é, sem sombra de dúvida, a terceirização da tarefa pedagógica por muitos municípios, especialmente de São Paulo. Encantados com uma dada “qualidade” dos sistemas de ensino particulares, muitas secretarias municipais de educação “compram” fórmulas de sucesso, interessadas em aumentar a pontuação nos testes de larga escala ou mesmo no IDEB como um todo.

Estes pacotes incluem orientação pedagógica e aquisição de material didático para os alunos.

Para evitar desperdício de livros didáticos, o FNDE estabeleceu um processo de adesão dos estados e municípios ao Programa Nacional do Livro Didático. O resultado foi que 96% dos municípios brasileiros aderiram e receberão os livros gratuitamente, ou seja, os custos serão financiados pelo programa federal.

O estado de São Paulo foi o único onde a adesão não chegou a 80%, pois 22% das prefeituras paulistas trocaram o livro didático gratuito por sistemas de ensino privado.

Em reportagem publicada na imprensa foi informado que o custo médio destas apostilas, que também dão assessoria pedagógica, varia de R$ 125 a R$ 170 por aluno. Só em Jundiaí, a secretaria gastou R$ 2,5 milhões com o sistema da Fundação Bradesco.

O diretor de ações educacionais do FNDE, Rafael Torino, disse ao repórter Fábio Mazzitelli que "a qualidade dos materiais oferecidos por aí é bastante questionável". Segundo ele, "há apostilas com erros grosseiros", enquanto a escolha o livro didático passa "por uma avaliação rigorosa".

Ele lembra que "o município tem autonomia de gestão", mas destaca que o MEC consegue preços mais baratos. "Damos a oportunidade a todos de receber livros gratuitamente. O governo federal tem economia de escala e compra muito mais barato. Nossa média de preço de um livro didático é em torno de R$ 6, quando você compra na livraria por R$ 60, R$ 80. Faz sentido a centralização desse programa, porque ganha em eficiência", afirmou ao Jornal da Tarde.

O problema não é apenas de ganho de escala, mesmo que isso signifique um dado importante, por que cada centavo destinado a educação vem do esforço do trabalho assalariado de milhões de brasileiros. O que está em debate é o avanço conceitual e comercial da iniciativa privada na escola pública em nosso país.

Por um lado, ao se estabelecer determinadas metas de qualidade educacional, o próprio governo federal estimula a busca de mecanismos para alcançá-las. E aí, dentro de uma sociedade que é presidida pela lógica de que tudo é mercadoria, nada mais coerente do que procurar um produto que consiga reverter os péssimos indicadores educacionais no menor espaço de tempo.

Também preside a compra de propostas pedagógicas a crença de que o não aprendizado dos alunos é um problema gerencial, resolvível com qualificação de gestores, melhores insumos, de preferência que tenham sido testados em escolas que aparecem na frente das listagens publicadas quando da divulgação do IDEB.

O que não se reflete é que:

1. Estes materiais são aplicados em escolas cujas crianças possuem condições de aprendizado diferentes daquele encontrado nas escolas públicas;

2. A retaguarda familiar, principalmente propiciando acesso a bens culturais, leituras complementares e ampliação do vocabulário possuem um peso considerável no desempenho destes alunos. Não há comprovação de que são as apostilas destes sistemas particulares que conseguem o ganho de qualidade no desempenho destas escolas;

3. As secretarias municipais abrem mão da autonomia conquistada na Constituição Federal e terceirizam a necessária análise concreta da realidade municipal, transpondo modelos deslocados do cotidiano escolar;

4. É óbvio que um sistema de apostilas implantado em uma rede que não possuía nenhuma proposta pedagógica, onde os professores não tinham acesso a formação continuada, onde não se efetivou horário destinado ao planejamento coletivo e onde o livro didático nacional era subutilizado, certamente criará rotinas e melhorará o desempenho escolar.

Valeria muito socializar as pesquisas acadêmicas sobre os efeitos deletérios destas parcerias no cotidiano escolar, na perda de autonomia dos professores dentro da sala de aula e na violação dos valores culturais regionais, motivada pela padronização das apostilas.

Um comentário:

Anônimo disse...

Creio que o uso de apostilas deva ficar a critério do professor e também de um acompanhamento por parte da coordenação pedagógica da escola.

São Paulo, como sempre, vem dando péssimos exemplos na área educacional. Só espero, que esse modismo deles não venha se tornar referência nacional para as escolas públicas.