No final do ano foram editadas duas portarias ministeriais
que atacam diretamente a autonomia universitária. Mas, qual é a real motivação?
A Portaria nº 2227 de 31 de dezembro de 2019, ao dispor
sobre os procedimentos para afastamento da sede e do país e concessão de
diárias e passagens em viagens nacionais e internacionais, na verdade, toma
duas medidas que mexem na vida das universidades, especialmente no esforço para
qualificar as pesquisas realizadas e fazer intercâmbio de conhecimento
acumulado em várias áreas.
Há um aumento do movimento já existente de centralizar a
decisão de qualquer custo que eleve o patamar da folha de pagamento nas mãos da
Secretaria Executiva do Ministério, tirando responsabilidades que estavam nas
mãos dos reitores.
E, aproveitando a reformulação, promovem um aumento da
burocracia (que sempre é um método eficiente para diminuir a concessão de
direitos) e diminui o volume de viagens de docentes e estudantes a um patamar
absurdo e de forma linear. O artigo 55 da referida portaria afirma que “a
participação de servidores em feiras, fóruns, seminários, congressos,
simpósios, grupos de trabalho e outros eventos será de, no máximo, dois
representantes para eventos no país e um representante para eventos no
exterior, por unidade, órgão singular ou entidade vinculada”. As
excepcionalidades dependerão de autorização prévia e expressa do
Secretário-Executivo do MEC.
Editada em agosto, a Portaria nº 1.469, somente virou
preocupação quando foi enviado oficio do MEC (Ofício Circular nº
1/2020/CGRH/DIFES/SESU/SESU-MEC) direcionado aos gestores das universidades.
Trata da limitação de provimento de cargos autorizados nos bancos de
professor-equivalente. O texto estabelece que o total resultante da soma dos
limites de cargos autorizados nos bancos de professor-equivalente não poderá
ser superior aos limites físicos e financeiros estabelecidos no anexo
específico da Lei Orçamentária Anual para 2020.
Atualmente, por força do Decreto nº 7485 de 2011, existe um
conjunto de regras que estabelecem o quantitativo de docentes que cada
instituição pode contratar. São critérios objetivos, que partem da realidade
concreta e do perfil docente de cada local.
Segundo assessoria jurídica do ANDES-SN, a referida portaria
é ilegal, posto que invade competências garantidas em norma superior, retirando
direito dos gestores das IFES previstos no Decreto citado acima.
E mais, anuncia que vai mudar regras previstas em Decreto
logo após a sanção do novo orçamento de 2020 (publicado no dia de hoje no DOU).
Acontece que o parágrafo primeiro do artigo 6º do Decreto estabelece em que
condições pode ser realizada alteração no quantitativo, feito por Portaria
Interministerial do Ministério da Economia e da Educação.
Lá é dito que pode sofrer alteração para corrigir erros
materiais, ajustes decorrentes da expansão do banco de professor-equivalente
das universidades federais, ajustes decorrentes da alteração dos fatores de que
tratam os incisos I a VII do caput do art. 2º e remanejamento dos limites do
banco de professor-equivalente das universidades federais, desde que não haja
alteração do quantitativo total do banco de professor-equivalente previsto no
Anexo a este Decreto.
Seja na primeira portaria, seja na segunda, a intenção é
resolver um problema que venho anunciando em outros canais desde ano passado.
Podemos resumir a situação da seguinte forma:
1.
Desde 2016 temos a vigência da Emenda
Constitucional nº 95, que comprime os gastos públicos de forma violenta. Por
isso, foram acelerados os cortes orçamentários, começando pelos recursos para
investimento e depois em custeio.
2.
Acontece que chegamos no limite do possível
nesses enxugamentos, como ficou claro na reação da comunidade universitária no
primeiro semestre de 2019.
3.
O peso maior das despesas é com folha de pessoal
nas universidades e institutos federais. Sem mexer nesse quesito, dificilmente
a equação fechará. Providências devem ser tomadas, pelo menos na ótica de quem
acredita ser viável manter funcionando o serviço público com o garrote da EC
95.
A folha de pessoal cresce por três motivos: a) aumento de
pessoal (consequência do aumento de matrículas), b) aumento de vencimentos
(provocado por reajustes anuais) e c) crescimento vegetativo (por concessão de
direitos individuais, como progressões e outras vantagens momentâneas ou
definitivas).
Já vivenciamos faz tempo um imenso garrote no segundo
motivo, com reajustes sendo negados ou oferecidos abaixo da inflação por
seguidos anos. Também, após o golpe parlamentar de 2016, ocorreu a paralisia da
expansão de vagas, ficando apenas algumas medidas remanescentes (obras
adiantadas ou já autorizadas). Resta atacar o crescimento vegetativo das
despesas com pessoal.
As duas portarias são medidas destinadas a comprimir os
gastos nessas áreas. Simples assim. É verdade que invadem a autonomia
universitária, mas o controle da folha, para ser efetivo, necessita ferir a
Constituição.
Ainda falta atacar o principal fator de crescimento
vegetativo, que é a concessão de progressão. Isto vai ser alvo da reforma
administrativa que será enviada no mês que vem ao Congresso Nacional.
Lembrei de uma frase dita por Mangabeira Unger (vá entender
por que Dilma o colocou no seu governo!), quando questionado sobre a
inconstitucionalidade de algumas medidas que estava apresentando a
pesquisadores da área de financiamento, disse simplesmente que bastava mudar a
Constituição.
E é justamente o que o ministro Paulo Guedes vem trabalhando
para fazer no que se refere a vinculação constitucional de recursos para
educação e saúde. Como mudar a Constituição dá mais trabalho, enquanto isso o
MEC vai buscando atalhos ilegais para diminuir o crescimento vegetativo da
folha de pagamento.
Reagir a cada uma medida é necessário, mas sem entender que
temos que derrotar as políticas do governo, não seremos vitoriosos.
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