segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Balanço inicial da II Conae – segunda parte

Ontem publiquei a primeira parte de minha avaliação inicial sobre os resultados da II Conae. Hoje discutirei dois aspectos muito relevantes para a construção de uma avaliação definitiva. O primeiro diz respeito a postura dos diversos atores sociais e o que conseguiram aprovar nas resoluções, indicando inclinações políticas e sociais do resultado da Conferência. Ou seja, quem ganhou e quem perdeu com os resultados da Conferência.
Além disso, apresentarei algumas possiblidades de incidência de suas deliberações nos embates educacionais vindouros.
O formato da Conae é de um processo de participação social misto, ou seja, congrega em um só espaço e um só processo diferentes atores sociais, cada qual com seus interesses específicos. Estavam na conferência os gestores estatais (das três esferas), os trabalhadores da educação da rede pública e privada, os dirigentes de instituições privadas (lucrativos ou sem fins lucrativos), os estudantes e os pais de alunos. Além destes atores diretamente envolvidos na estrutura da prestação dos serviços, também lá estavam as entidades acadêmicas e representações de entidades do movimento social não diretamente vinculadas à educação (mesmo que este termo seja muito relativo), como ONG de defesa de direitos, centrais sindicais e conselhos municipais e estaduais de educação.
Começando pelo MEC, este entrou na Conae com o desgaste de ter adiado (com desculpa pra lá de esfarrapada) o evento e temeroso de ser alvo de deliberações que “onerassem” financeiramente a União ou que causasse constrangimento político no final do mandato da atual equipe. O fato da Conferência ter sido politicamente morna (como já explanei no post passado) ajudou a diminuir a tensão sobre o MEC. Porém, as deliberações da Conferência realçaram um entendimento de que o papel da União deve ser revisto. Ao contrário da Conae de 2010, a postura do MEC foi de passar despercebido nos debates, com exceção da emenda sobre prazo para homologação do parecer do CNE sobre CAQi.
As deliberações foram progressistas e isso fortalece pelo menos dois polos políticos na sua interlocução com o governo. De um lado, pelo peso da bancada (cerca de 500 delegados) a CNTE saiu fortalecida. Atuou como bloco e aprovou um conjunto de emendas. Com a força que tinha poderia ter sido peça chave na implementação de maior radicalidade dos movimentos perante o governo. Não senti nenhum gesto nesta direção. Considero que a UNE sofreu do mesmo mal, ou seja, a preocupação em preservar o governo continua representando um freio de mão que diminui o papel de polarização política destas entidades.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede composta de 200 entidades e que havia travado embates quentes com o governo durante a tramitação do PNE, saiu bastante legitimada. Foi o polo aglutinador das principais emendas no campo do direito, da diversidade e do financiamento. Protagonizou as negociações com o MEC sobre o Custo Aluno Qualidade e a construção de um acordo de redação que cobra do Ministro a constituição de uma comissão com participação da sociedade civil na regulamentação do CAQi. Pelo fato de ter mantido independência e ter disputado em vários pontos publicamente com a orientação do governo, mesmo numa Conferência morna politicamente, a Campanha se firmou como o polo de questionamento e cobrança sobre as políticas governamentais. Isso é muito importante para o dia seguinte, especialmente por que não sabemos quem dirigirá o MEC e se a tentação de credenciar articulações empresariais junto ao MEC (como ocorreu na gestão Haddad com o Todos pela Educação) voltará a acontecer.
Há uma ausência sentida na Conferência. Um dos setores com maior tradição na elaboração de políticas educacionais esteve sub-representado. Os professores das instituições universitárias estavam parcialmente presentes, pois haviam delegados da academia que vieram pelas suas entidades (ANFOPE, ANPED, FORUNDIR, FINEDUCA, por exemplo), mas a não presença do Sindicato Nacional do setor (ANDES-SN) tornou menor a contribuição. Não acho que o seu rival (PROIFES) tenha conseguido se credenciar no lugar, considero que as entidades acadêmicas cumpriram melhor este papel. A presença do ANDES-SN teria contribuído para elevar o tom de radicalidade, com certeza. E os resultados do evento desmentem o discurso de setores políticos que acreditavam que nada de progressistas sairia da Conae.
O setor privado perdeu na Conferência. Foram menos ativos do que na Conferência passada e propostas de regulação do setor foram facilmente aprovadas. Porém, alguns pontos polêmicos que marcaram o debate de quatro anos atrás, não foram tocados nesta Conferência, especialmente a pressão para programas como o Prouni fossem transitórios. Assim, mesmo não sendo protagonistas, não podemos afirmar que seus interesses imediatos foram contrariados. Tudo dependerá da capacidade de algumas proposições incidirem positivamente em mudanças de rumo na condução das políticas públicas.
Uma Conferência morna, mas com deliberações progressistas pode cumprir que papel na incidência sobre os rumos do governo e duas políticas? A resposta para esta pergunta depende do comportamento do governo e, principalmente, dos atores sociais envolvidos. Vejamos:
1.      A I Conae mostrou que suas deliberações podem ser importante instrumento político. O Custo aluno Qualidade, aprovado no evento em 2010, teve mais força na disputa dentro do parlamento devido a legitimação social de tal decisão. Ao invés de ser uma demanda de uma rede de entidades, o mesmo passou a ser expressão do conjunto da área educacional.
2.      Propostas se tornam efetivas se segmentos sociais as levantam e mobilizam os interessados em lutar por elas. Caso isso aconteça novamente, algumas deliberações da II Conae podem pressionar o governo e o parlamento positivamente. Vejamos o exemplo da regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas, proposta inserida na Constituição desde 1988 e que agora pode ganhar milhares de ativistas e centenas de entidades dispostas a pressionar para que o tema entre na agenda política.
3.      Porém, os temas mais polêmicos precisam de mobilizações que causarão conflito com o governo. E não senti firmeza nas principais entidades, especialmente no Proifes, UNE e CNTE, em assumir uma postura mais conflitiva para além das pautas setorizadas.
4.      Não acho que o governo se sensibilize com palavras colocadas no papel, em anais de Conferências. O quanto suas deliberações serão ouvidas está diretamente ligada a capacidade dos atores sociais beneficiados com as proposições aprovadas de mobilizarem seus pares para pressionar governo e parlamento. Exemplo disso é o desengavetamento das ações de combate a homofobia nas escolas, as quais sofreram duro combate dos fundamentalistas. A deliberação da Conae pode agregar outros segmentos sociais a luta das entidades da área LGBT.
O início de 2015 será quente. Teremos um novo ministério (provavelmente com novo ministro e equipe), disputa pela regulamentação do Custo Aluno Qualidade, debate sobre resolução do Conselho Nacional de Educação sobre educação à distância e crescerá a discussão sobre a Lei de Responsabilidade Educacional. As deliberações da II CONAE, caso sejam “compradas” pelos setores progressistas da sociedade brasileira, poderão incidir de maneira positiva nos rumos das políticas educacionais.


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