De tempos em tempos o Brasil
concentra suas atenções em algum fato vinculado aos esquemas de corrupção. Pode
ser uma operação da Polícia Federal ou mesmo uma Comissão Parlamentar de
Inquérito. Diante destes acontecimentos dois sentimentos começam a crescer: a)
finalmente descobriram o maior esquema de corrupção de nossa história; b) agora
vamos presenciar o desmonte deste tipo de prática. Também presenciamos o aumento
do ceticismo (isso nunca vai acabar! Corrupção está no sangue da política
brasileira! Só fingem que investigam, etc.).
Desde que foi desfechada a
Operação Monte Carlo, que prendeu parte da quadrilha comandada por Carlinhos
Cachoeira, que voltamos a vivenciar este clima contraditório. Mas a atual CPMI
trouxe à luz alguns elementos que merecem nossa reflexão.
O primeiro deles é que na raiz
dos escândalos de corrupção descobertos e investigados em nosso país está
sempre a apropriação do Estado por segmentos empresariais. Os agentes públicos
são corrompidos para facilitar o domínio de empresa A ou B na repartição dos
recursos do fundo público. O pagamento de propina nada mais é do que o formato
encontrado para viabilizar esta apropriação. Ou dito de outra forma, o
pagamento de propina aos agentes públicos é a “regra do negócio”, como
confidenciou uma integrante de uma das várias quadrilhas que operam tais ações.
O segundo elemento é que na raiz
da aceitação do pagamento da propina aos agentes públicos está a necessidade de
financiamento privado das campanhas eleitorais. Está consolidado um círculo
vicioso: uma empresa só tem acesso a obras e serviços públicos se pagar propina
e, por outro lado, só é possível manter-se no poder se o político captar recursos
das empresas interessadas em prestar serviço ao poder público. Numa “parceria”
contra os interesses dos que contribuem para a formação do fundo público,
agentes públicos e empresários fraudam licitações, superfaturam obras e desviam
bilhões de reais de sua destinação correta.
O terceiro elemento que contribui
com este quadro é a impunidade. O sentimento (baseado na experiência vivida por
agentes públicos e empresários) é de que tais práticas não encontram no aparato
estatal instrumentos para serem exterminadas e que, mesmo que algum dos
esquemas seja afetado, rapidamente outros empresários e agentes públicos
ocuparão o espaço vazio deixado e o “sistema” de destinação de recursos do
fundo público manterá a lógica atual. A descoberta e prisão de integrantes de
um dos inúmeros esquemas faz parte do cotidiano do “sistema” da mesma forma que
traficantes contabilizam em seus balancetes as perdas de produtos devido a
operações de fiscalização alfandegária, ou seja, tais episódios (reduzidos a
custos) são incorporados na margem de risco dos negócios.
O quarto elemento deste mosaico é
que este “sistema” estimula e desenvolve poderosas quadrilhas que se
especializam em lavar o dinheiro da corrupção, provocando evasão de divisas,
aquisição ilícita de bens, criação de empresas de fachada, fraudes tributárias
e uma série de outros crimes.
São estes elementos que tornam a
atual prática de corrupção sistêmica.
É neste quadro que devemos inserir as enormes dificuldades que um
pequeno grupo de parlamentares tem tido para fazer com que a CPMI do Cachoeira
investigue o esquema e rompa com o círculo vicioso. Senão vejamos:
1°. Em um primeiro momento todo o
esforço dos grandes partidos (com destaque para PT, PSDB e PMDB) foi de
circunscrever a investigação aos limites geográficos da região Centro-oeste e
dos agentes públicos e privados ali estabelecidos. A lógica era de perder
alguns elos do sistema, mas não provocar turbulências no seu funcionamento,
especialmente em ano eleitoral, época em que os agentes públicos precisam captar
recursos (legais e ilegais) para permanecerem (ou acessarem) no aparato
estatal.
2°. A extensão das investigações
provocaria uma elevação do percentual de perdas (empresariais e de interesses
partidários) a patamares fora da margem de risco que o sistema opera. Daí a
resistência em quebrar o sigilo das contas nacionais da empresa Delta
Construções. Tal procedimento exporia a própria empresa e provocaria um colapso
na sua participação no financiamento privado de campanha (repito: legal e
ilegal), alterando as condições de ocupação dos espaços institucionais pelos
agentes públicos participantes (políticos de grandes partidos citados e alguns
a eles agregados).
3°. A descoberta do modus operandi
da empresa Delta, sua extensão nacional e tamanho da movimentação financeira,
levaria a instabilidade também para outras operadoras do sistema. Em um
primeiro momento a queda de uma concorrente é vista com bons olhos, mas lançar
luzes sobre a forma que as empresas se apropriam do fundo público poderia
colocar em risco a permanência do círculo vicioso descrito acima.
Por estes motivos é que é tão
difícil investigar em profundidade a corrupção em nosso país. E é por isso que
querer investigar é uma importante contribuição para quebrar o círculo vicioso.
Propostas de financiamento público das campanhas eleitorais ajudam a
desestimular uma das pernas do “sistema”, mas precisam estar acompanhadas de
maior transparência dos preços de obras e serviços, controle social efetivo
sobre os processos licitatórios, efetivo trabalho de inteligência policial
acerca da atuação destas quadrilhas e maior rigor e agilidade na aplicação de
punições.
Carlinhos Cachoeira não é o maior
nem o último dos bandidos brasileiros. É mais um bandido que fez (ou faz)
funcionar o esquema de apropriação privada do fundo público em nosso país. Sua
prisão contribui, mas não pode ser entendida como solução dos nossos males.
Os grandes partidos permanecem
grandes por que acobertam e se beneficiam deste “sistema”. Romper este círculo
vicioso é tarefa essencial para a afirmação de um viés menos formal na
democracia brasileira.
Um comentário:
A privatização e as PPPs da vida na verdade nada mais são do que uma estatização ao contrário. O Estado brasileiro deixa seu povo no atraso por causa da ganância de "meia dúzia" de abutres.
Obs: Por favor tire daí esse negócio de "eu não sou robô"
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