domingo, 8 de março de 2015

PNE sob risco

Todos os dias cada educador brasileiro ouve falar do pacote de ajuste fiscal implementado pelo governo Dilma em seu segundo mandato. Da mesma forma, como cidadão, sofre os efeitos das medidas já implantadas, especialmente a correção do valor das tarifas públicas (água e luz) e da gasolina (que além de tornar mais caro o deslocamento ao trabalho, também influencia o preço dos produtos alimentícios (transportados todos os dias pelas rodovias do país).
E, obviamente, também são bombardeados por notícias sobre a Operação Lava-Jato, lista de políticos que receberam propina (fica sempre a impressão de que ela está incompleta, mesmo que muito grande) e reflexos do escândalo na gestão da Petrobrás, implicando em queda de suas ações na Bolsa de Valores.
Mas, o que este conjunto de notícias e medidas tem a ver com a efetivação ou não do Plano Nacional de Educação?
O país vive uma crise de dupla face. Um lado, mais político, é que os escândalos de corrupção paralisam o governo, deixando a impressão que o mesmo não possui apoio nem capacidade política para superar o outro lado da face da crise. Um outro lado, econômico, é grave e deixa os brasileiros novamente diante do fantasma da inflação (uma parte deles nunca viveu o drama de índices inflacionários altos, mas ouviu dos pais algo a respeito).
O anúncio de que teremos crescimento negativo este ano e pelo menos dois anos de arrocho nas contas públicas é uma ducha de água fria violenta nas expectativas criadas com o Plano Nacional de Educação. É bem fácil de entender:
1.     Toda a lógica de ajuste para enfrentar a crise é baseada em ideias que unem governos dos últimos vinte anos (oito anos de FHC, oito anos de Lula e os quatro primeiros de Dilma). A fórmula do ajuste é gastar menos com a máquina pública, economizando dinheiro para pagar os juros e amortizações da dívida pública (cujos donos são os grandes bancos e fundos de pensão). Com isso, o país conquista mais credibilidade (junto aos credores) e os investidores são orientados a aplicar no Brasil.
2.     O PNE pressupõe para a sua execução, elevação dos investimentos na educação durante dez anos seguidos, de forma contínua e sustentável. A maior parte de suas metas preconizam ampliação de oferta educacional, ou seja, construção de novas escolas (da educação infantil ao ensino superior), contratação de novos professores e demais servidores da educação e aumento do gasto com custeio destas novas unidades. Não existe como iniciar o cumprimento das metas apenas com o discurso de otimização dos gastos públicos.
3.     O ajuste pressupõe também a manutenção dos juros básicos da economia em elevação. Os credores da dívida comemoram esta política, mas aqueles que são empresários no setor produtivo sabem que isto tem um efeito colateral: o crédito fica mais claro e a economia entra em recessão. Vendendo menos, empregam menos (causando desemprego ou não absorvendo os jovens que chegam a idade produtiva) e pagam menos impostos (proporcionais as suas vendas). Com menos impostos pagos, a educação que possui vinculação constitucional terá menos recursos disponíveis. E não poderá bancar a expansão pretendida pelo Plano Nacional de Educação.
4.     A crise da Petrobrás interfere na execução do PNE para além do efeito do aumento dos combustíveis. A queda do valor do barril do petróleo, fenômeno que nada tem a ver com a Operação Lava-Jato, mas que tem afetado países produtores de petróleo pelo mundo todo (ver crise na Rússia e na Venezuela, por exemplo) tem forte rebatimento nos valores dos royalties repassados para o governo e inclusive pode inviabilizar a atratividade para a produção na camada do pré-sal. Da casa dos US$ 100 em julho do ano passado, o barril negociado em Nova York chegou a ser cotado abaixo de US$ 45 em 13 de janeiro deste ano. Fala-se que um valor do barril abaixo de 40 dólares não tornaria a produção viável nesta área. Todos os cálculos de recursos que virão para a educação nas próximas décadas oriundas da produção de petróleo foram feitos com um preço de barril por volta de 85 dólares. Mesmo que esta fonte adicional não seja suficiente para alcançar os 10% do PIB, mas será menor do que o previsto, com certeza.
5.     O principal tributo que sustenta o fundo público destinado a financiar a Educação Básica é o ICMS, arrecadado pelos estados e que parte é repassada para os municípios, que corresponde a cerca de 60% do recurso bloqueado e redistribuído pelo FUNDEB. É um imposto cujo crescimento depende do consumo. E o consumo depende da renda das famílias. E esta depende de boa oferta de emprego (que permite melhor negociação de salários) e do bom consumo (círculo virtuoso?), pois vendendo mais os patrões aumentam sua taxa de lucro e essa permite também melhores negociações salariais. Com a economia patinando a possibilidade de retração ou crescimento menor do ICMS é quase certa. Desta forma, menos recursos disponíveis para a educação e, por conseguinte, criando dificuldades para manter o que já existe de serviços educacionais. Imagina discutir ampliação? Fora de questão.
Este breve resumo sobre os efeitos econômicos da crise na educação deve ser somado aos ´problemas políticos, que levam a paralisia governamental. Sem  capacidade para governar, do mesmo jeito que muitos viveram o governo Sarney nos anos 80, podemos ter um segundo mandato de Dilma refém de um Congresso (leia-se maioria conservadora do PMDB e partidos da mesma estirpe, alguns governistas e outros oposicionistas) que está mais interessado no loteamento de cargos e em abocanhar fatias de serviços e obras que possam oferecer mesadas (como as que ocorriam na Petrobrás), pouco afeitos a debates educacionais, setor que não rende vultuosos contratos (não construímos refinarias, portos, aeroportos ou rodovias) e que possui grande parte de suas despesas vinculadas a remuneração dos seus profissionais.
Considero que, pelo menos nos próximos dois anos, o PNE ficará no esquecimento, sem se tornar eixo do planejamento do governo federal, principal responsável por implementá-lo. E a possibilidade desta postura influenciar os governos estaduais, aumento a má vontade de aumentar gastos na área é quase certa.

Em um cenário de retirada de direitos, um plano que amplia direitos tem tudo para ficar na gaveta. Tudo vai depender se os principais interessados na sua efetivação terão disposição de lutar por ele ou não.

Um comentário:

Fábio Borges Brasileiro disse...

Acredito que o exercício da análise de conjuntura é fundamental para se compreender os problemas e conflitos que envolvem e determinam os rumos da educação (e da economia nacional). Agradeço pelo esforço empreendido no texto que nos ilumina a compreensão desses nexos entre determinantes econômicos e políticos. Enquanto muitos acreditam que a polaridade política se dá na equação PT versus PSDB (tendo o PSB quase como um pêndulo entre um e outro grupo político), e vão para as ruas defender essa polarização, se desvia o olhar das ações do que vejo ser o pior inimigo do crescimento do Brasil, da educação brasileira, que é o PMDB. Esse sim tem suas ações encobertadas com a crise instaurada na estrutura que sustenta as ações do atual governo. O PMDB é um câncer (de próstata, de colo de útero, de medula, de mama, etc.). As várias "esquerdas" deveriam se unir para enfrentar - e derrubar - de vez o PMDB. Chega, né?! São 500 anos... Continuar na batalha pela ampliação do investimento na educação fazendo dela o carro-chefe do crescimento de uma sociedade é o desafio. Só não sei se deveriam mesmo os recursos surgirem do pré-sal. É preciso, a meu ver, interromper nossa relação na produção de energia cuja base são os combustíveis fósseis. Um abraço