sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Os reais motivos do adiamento da CONAE 2014


Apesar de ter começado a participar de movimentos sociais muito jovem (tinha meus quatorze anos de idade) e ter visto muita coisa neste meio século de vida, tem momentos que ainda os acontecimentos me espantam.

Hoje à tarde recebi a notícia de que o Ministério da Educação decidiu adiar a data da II Conferência Nacional de Educação – CONAE. A mesma seria realizada de 17 a 21 de fevereiro e acontecerá agora somente após o segundo turno das eleições presidenciais.

Em nota no mínimo melancólica o Fórum Nacional de Educação, coletivo de entidades governamentais e não-governamentais socializa que as entidades organizadoras foram “comunicadas” pelo MEC do adiamento e que a desculpa teria sido questões administrativas.

Na página oficial do evento está escrito que a Conferência Nacional de Educação (CONAE) será “um espaço democrático aberto pelo Poder Público e articulado com a sociedade para que todos possam participar do desenvolvimento da Educação Nacional”. E mais, que a mesma teria como tema central “O PNE na Articulação do Sistema Nacional de Educação: Participação Popular, Cooperação Federativa e Regime de Colaboração”.

E, por fim, também informa o referido site que a CONAE 2014 foi convocada pela Portaria n.º 1.410, de 03 de dezembro de 2012 e que “possui caráter deliberativo e apresentará um conjunto de propostas que subsidiará a implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), indicando responsabilidades, corresponsabilidades, atribuições concorrentes, complementares e colaborativas entre os entes federados e os sistemas de ensino”.

Milhares de professores, estudantes, gestores públicos e privados e cidadãos se mobilizaram em milhares de eventos preliminares e centenas de delegados estavam arrumando as suas malas para participar da parte final do processo de discussão. Eu participei de Conferências Livres e fui delegado a Conferência Distrital do Distrito Federal e estou escalado para proferir um dos colóquios do evento.

Todas as pessoas da área da educação estão perplexas com o adiamento. Por isso arrisco desvendar os verdadeiros motivos (nem sempre publicáveis nos releases da imprensa oficial):

1.       O principal tema da I CONAE, realizada em 2010, foi justamente o Plano Nacional de Educação. A expectativas criada pelo governo (lembro das palavras proferidas pelo ex-presidente Lula na plenária final do evento) era de que as deliberações do evento seriam incorporadas no texto do Projeto de Lei a ser enviado pelo governo. Ledo engano. O PL nº 8035/2010 não incorporou os principais pontos aprovados no evento, especialmente os que mudavam o padrão de financiamento da educação nacional. Isso levou a uma grande frustração nos participantes.

2.       Durante o processo de preparação da Conferência um dos temas mais debatido foi a tumultuada tramitação do Projeto de Lei do Plano Nacional de Educação no Congresso Nacional. Não somente a frustração inicial, mas a postura ativa do governo federal para impedir que a mobilização da sociedade civil conseguisse melhorar o projeto governamental. Os principais conflitos no legislativo envolveram quase sempre a articulação conservadora do Ministério da Educação.

3.       A aprovação de um Substitutivo no Senado Federal a imagem e semelhança dos interesses do MEC anunciam um acirramento do conflito entre os desejos da sociedade civil, expressos nos posicionamentos das diversas entidades e os interesses do governo e de sua bancada de sustentação.

4.       Recentemente o PNE completou três anos de tramitação e não conseguiu ser aprovado a tempo de ser um “fato consumado” quando da realização da II CONAE. Assim, voltando aos seus trabalhos legislativos na primeira semana de fevereiro, a data da Conferência passou a ser coincidente com a votação final do PNE na Câmara. As manifestações das Conferências Municipais e Estaduais foram claramente favoráveis a um conjunto de propostas demonizadas pelo MEC, ou seja, o evento seria um momento de fortalecimento da luta por um Plano que tornasse a participação da União no financiamento da educação nacional mais efetiva, coisa que não interessa ao governo, absorvido com outras prioridades representativas de outros segmentos sociais (leia-se banqueiros credores de nossa dívida pública).

Não precisa ser muito inteligente para desvendar pelo menos um dos reais motivos do adiamento: o governo não quer transformar a etapa final da CONAE em palco para aumento da pressão social sobre a Câmara dos Deputados, pois tal pressão, mesmo que perfeitamente cabível numa sociedade democrática, afeta os planos e os interesses do governo.

As “questões administrativas”, caso realmente pudessem ser levadas à sério, pois o evento está previsto oficialmente, com calendário definido desde dezembro de 2012, levariam a apenas um adiamento que viabilizasse as devidas correções, nunca para o adiamento anunciado.

Por isso, é forçoso adendar um outro motivo ainda não desvendado. Estamos em ano eleitoral e a candidata-presidenta Dilma Roussef tem um sonho de consumo de difícil realização. Ela sonha com um ano tipicamente festivo, o qual seria mais ou menos assim: março teríamos o Carnaval, abril a Semana Santa, Junho todo mundo absorvido pelas emoções da Copa do Mundo, Julho todo mundo gozando as suas merecidas férias e em seguida uma tranquila e pasteurizada eleição.

Acontece que as manifestações de junho de 2013 mostraram que há, mesmo que às vezes de maneira latente, uma insatisfação com a forma de fazer política e com a falta de investimentos públicos nas políticas sociais. Quem pode se esquecer dos cartazes de nossos jovens pedindo Educação Padrão Fifa? Pois é, qual o interesse do governo em promover um evento com a participação de centenas de delegados radicalizados em favor de um Plano Nacional de Educação que aumente despesas federais, todas elas comprometidas com outros interesses?

O adiamento é um golpe na democracia e afeta violentamente a credibilidade dos espaços de participação social existentes no governo. Depois de frustrados pelo não atendimento de suas deliberações em 2010, os educadores e estudantes agora são golpeados no seu direito líquido e certo de expressar a indignação diante do retrocesso que representou o Substitutivo do PNE aprovado no Senado Federal. E, de quebra, impedem que estes delegados e delegadas expressem a insatisfação nacional com os excessivos e descontrolados gastos com a Copa do Mundo.

O adiamento da CONAE mostra o quanto era irreal o slogan do próprio evento. Como falar de ‘participação popular” sem deixar que o povo possa se expressar livremente? Como falar de “regime de colaboração” se toda ação federal é para impedir qualquer revisão do seu papel no cumprimento das metas do PNE e do respectivo financiamento educacional?

Este é um daqueles momentos que os cidadãos esperam das entidades da sociedade civil muito mais do que notas melancólicas. A passividade diante deste golpe na democracia significará algo parecido com a conivência e a cumplicidade. E reforçará o sentimento de nossos jovens de que cada vez mais nossas entidades se identificam com os interesses dos partidos tradicionais que suas lideranças pertencem.

 

9 comentários:

Unknown disse...

"...um golpe a democracia brasileira..." e logo quem né? aqueles que diziam ser do povo agora querem calar a voz do povo para manterem-se no PODER.

Unknown disse...

"...um golpe a democracia brasileira..." e logo quem né? aqueles que diziam ser do povo agora querem calar a voz do povo para manterem-se no PODER.

fantasia disse...

Lamentável!!! Mais uma vez o povo não foi consultado e com razões esfarrapadas tentam nos iludir!!! Os legítimos façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço!!!

Jaime Balbino disse...

O adiamento é lamentável. Mas apesar de ainda estar para ser votado na Câmara dos Deputados tenho dúvidas se esse seria o principal motivo. Se foi, foi isso o governo se queimou à toa.
O PNE já passou pelo Senado e não tem muita margem para ser alterado na Câmara agora. Temos dois projetos para escolher um: aquele saído da Câmara ou o modificado no Senado. Não se pode mais incluir ou tirar nada. Diante de uma margem tão pequena de manobra, acho que adiar o CONAE até é negativo para a aprovação do melhor texto, que é o originalmente definido na Câmara.

Fausto disse...

Está mais do que provado que esse governo é só fantasias, como Pronatec fajuto, etc., a maioria dos alunos desses cursos técnicos não conhecem o mínimo do português e da matemática, por exemplo, e as escolas conveniadas desse programa, a grande maioria são fracas, só engôdo.Portanto, percebe-se nas entrelinhas desse governo medíocre da Dilma a total falta de prioridade pra Educação Básica.

Unknown disse...

O PT a muitos anos vem materializando as recomendações da consultoria americana McKinsey a qual recomentou para a educação um viés produtivo, como se a mesma fosse uma fábrica na qual se inseri matéria-prima e, logo após temos um produto final. Sabemos que educar é um constante construir e desconstruir. Tal consultoria não apenas adentrou no governo PT, mas transita a décadas no Brasil e América Latina. Logo, pensar em processo democrático é por uma venda nos olhos, porque no próprio desenvolvimento do LDB/96, a democracia foi o dever de casa a ser realizado mandado pelos financiadores mundiais, para o Brasil e América Latina. O ue vemos são os nossos aluninhos que estão fazendo o que o "grande" mestre mandou.

Unknown disse...

Caro Luiz,
Há uma premissa básica para a correta discussão:
"Quem modificou a data da etapa nacional da CONAE para 19 a 23 de novembro foi o Fórum Nacional de Educação e não o MEC.
A SAA-MEC por NOTA TÉCNICA informou da incompatibilidade de preços e muito até motivada pelo medo dos gestores depois de matéria na imprensa ameaçando os CPFs destes.
Quem plantou a matéria jornalística está dentro do FNE e continua agindo na sombra de sempre, inclusive aqui.
É simples acompanhar o conjunto de matérias que você repercute nessa postagem, embora, hajam lacunas importantes.
A SAA-MEC pediu ao FNE outra solução compatível com o mercado. Uma das evidências era o evento da CNTE na semana anterior no mesmo espaço com refeições a R$20,00 quando era cobrado R$60,00 para a CONAE.
Condeno o medo dos gestores pelas ameaças veiculadas pelos sobrios Eremildos Caras de Pau através de suas mídias ligadas aos interesses mais escusos.
Não admito dizer que nós trabalhadores e trabalhadoras do MEC que acompanhamos a organização da CONAE e vimos a dedicação do Ministro da Educação na defesa do valor do FNE e da magnitude das Conferências, possamos ser confundidos com o medo político que alardeiam aqueles Eremildos que desejam continar agindo nas sombras e capitalizar politicamente.
Sou um réles escriba, porém, um cidadão privilegiado pela sorte de lutar - com todas a minhas convicções - no movimento social; pela alegria de ser um Servidor do Público com grande orgulho; por ter sido professor durante 35 anos na rede pública do DF, dos quais, 25 dedicados à Educação Física e o 10 à EJA.
Enquanto escriba ajudo a fazer as ATAs do FNE. Sou escriba eletrônico na REDE SOCIAL DA CONAE - espaço em que desde a sua concepção me vinculei e discuto com mais de 4.000 contatos e tento animar mais de 1.000 Conferências Livres.
Também tenho críticas ao FNE no campo da construção de um DOCUMENTO-REFERÊNCIA da CONAE, que ajudo a rever desde o seu rascunho e sem poder opinar sobre o seu caráter prolixo e desnecessário. Peça que deveria ter sido formulada para orientar os debates e deliberações nas etapas municipais e estaduais/distrital sobre a correlação do PL 8035/2010/PLC 103/2012-PNE com os sete Eixos da Conae/2014.
O FNE não discutiu o PNE na CONAE e perdeu outra boa oportunidade ao ser avisado pela SAA-MEC da necessidade de outra solução ao não colocar a CONAE para abril. Na minha figura de cidadão engajado acompanhei incorporado ao servidor diligente as 60 audiências públicas de tramitação do PNE no Congresso Nacional. Quero contribuir com esta discussão que você propõe, Delzair, ao informar que todos os estudos comparativos que produzi durante a tramitação do PNE foram disponibilizados na REDE SOCIAL DA CONAE. Espaço negligenciado pelo FNE, no qual pude emitir e responder a mais de 400.000 e-mails. Todos constrututivos. Vi covardia e omissão no FNE. Vi medo de gestores administrativos do MEC ao cair no jogo sujo dos Eremildos Caras de Pau/Imprensa contrária aos interesses do povo brasileiro. Vi muita coragem e determinação dos dois Ministros do MEC nos últimos 3 anos ao defenderem a tramitação do PNE e o respeito ao FNE. Inclusive na recomendação de que este sugerisse outra data para a etapa nacional da CONAE em vez de negá-la como difamam os apócrifos Eremildos das sombras.

Meu nome é JOSÉ IVAN MAYER DE AQUINO
Nº SIAPE: 1535599
Matrícula na SE-GDF: 73.969-3
Inscrição nas lutas da cidadania: Combinação genética expressa no meu DNA.

Unknown disse...

Prezado Luiz,
Há uma premissa básica para a correta discussão:
"Quem modificou a data da etapa nacional da CONAE para 19 a 23 de novembro foi o Fórum Nacional de Educação e não o MEC.
A SAA-MEC por NOTA TÉCNICA informou da incompatibilidade de preços e muito até motivada pelo medo dos gestores depois de matéria na imprensa ameaçando os CPFs destes.
Quem plantou a matéria jornalística está dentro do FNE e continua agindo na sombra de sempre, inclusive aqui.
É simples acompanhar o conjunto de matérias que você repercute nessa postagem, embora, hajam lacunas importantes.
A SAA-MEC pediu ao FNE outra solução compatível com o mercado. Uma das evidências era o evento da CNTE na semana anterior no mesmo espaço com refeições a R$20,00 quando era cobrado R$60,00 para a CONAE.
Condeno o medo dos gestores pelas ameaças veiculadas pelos sobrios Eremildos Caras de Pau através de suas mídias ligadas aos interesses mais escusos.
Não admito dizer que nós trabalhadores e trabalhadoras do MEC que acompanhamos a organização da CONAE e vimos a dedicação do Ministro da Educação na defesa do valor do FNE e da magnitude das Conferências, possamos ser confundidos com o medo político que alardeiam aqueles Eremildos que desejam continar agindo nas sombras e capitalizar politicamente.
Sou um réles escriba, porém, um cidadão privilegiado pela sorte de lutar - com todas a minhas convicções - no movimento social; pela alegria de ser um Servidor do Público com grande orgulho; por ter sido professor durante 35 anos na rede pública do DF, dos quais, 25 dedicados à Educação Física e o 10 à EJA.
Enquanto escriba ajudo a fazer as ATAs do FNE. Sou escriba eletrônico na REDE SOCIAL DA CONAE - espaço em que desde a sua concepção me vinculei e discuto com mais de 4.000 contatos e tento animar mais de 1.000 Conferências Livres.
Também tenho críticas ao FNE no campo da construção de um DOCUMENTO-REFERÊNCIA da CONAE, que ajudo a rever desde o seu rascunho e sem poder opinar sobre o seu caráter prolixo e desnecessário. Peça que deveria ter sido formulada para orientar os debates e deliberações nas etapas municipais e estaduais/distrital sobre a correlação do PL 8035/2010/PLC 103/2012-PNE com os sete Eixos da Conae/2014.
O FNE não discutiu o PNE na CONAE e perdeu outra boa oportunidade ao ser avisado pela SAA-MEC da necessidade de outra solução ao não colocar a CONAE para abril. Na minha figura de cidadão engajado acompanhei incorporado ao servidor diligente as 60 audiências públicas de tramitação do PNE no Congresso Nacional. Quero contribuir com esta discussão que você propõe, Delzair, ao informar que todos os estudos comparativos que produzi durante a tramitação do PNE foram disponibilizados na REDE SOCIAL DA CONAE. Espaço negligenciado pelo FNE, no qual pude emitir e responder a mais de 400.000 e-mails. Todos constrututivos. Vi covardia e omissão no FNE. Vi medo de gestores administrativos do MEC ao cair no jogo sujo dos Eremildos Caras de Pau/Imprensa contrária aos interesses do povo brasileiro. Vi muita coragem e determinação dos dois Ministros do MEC nos últimos 3 anos ao defenderem a tramitação do PNE e o respeito ao FNE. Inclusive na recomendação de que este sugerisse outra data para a etapa nacional da CONAE em vez de negá-la como difamam os apócrifos Eremildos das sombras.

Meu nome é JOSÉ IVAN MAYER DE AQUINO
Nº SIAPE: 1535599
Matrícula na SE-GDF: 73.969-3
Inscrição nas lutas da cidadania: Combinação genética expressa no meu DNA.

Sandra Batistão disse...

Não podemos nos furtar da necessidade de problematizarmos esse adiamento como sendo mais uma ação que se coloca a favor da exclusão social. Fenômeno esse que se dá dentro de uma perspectiva de democracia que nada mais é que um artificio da própria produção da sociedade de classes que se mantêm a partir das fragilidades do sistema educacional.