Que Renan Calheiros, o número dois da lista das
reivindicações dos protestos que varreram o país, está desesperadamente
tentando parecer como alguém antenado com o clamor das ruas todo mundo já sabe.
É um esforço para sair da lista e manter-se no poder.
Agora, o que não tem sido corretamente debatido é a perigosa
proposta de passe livre que ele apresentou como resposta aos protestos.
1º. Um dos eixos dos protestos é, sem sombra de dúvida, a
condição precária dos transportes coletivos no Brasil. O estopim foi a elevação
dos preços, mas ganharam força pelo menos duas propostas de solução: o passe
livre estudantil e a tarifa zero. As duas propostas reforçam a visão de que
transporte público deveria ser visto pela sociedade como um direito fundamental
e não como uma mercadoria.
2º. A consequência dos protestos foi colocar a questão na
pauta política. O governo desonerou os empresários de tributos, os estados e
prefeituras foram no mesmo caminho. Ou seja, aumentou a abrangência de
subsídios públicos para a prestação dos serviços, os quais são concessões
públicas. Infelizmente nos dias de hoje, anos após o tsunami neoliberal,
encontrar empresas públicas funcionando é uma raridade.
3º. Renan apresentou uma proposta de criação do passe livre
estudantil nacionalmente. Até aí tudo bem, seria uma resposta concreta ao
clamor das ruas, mas a forma de financiar este novo direito (ele não é tão novo
e existe parcialmente em quase todas asa cidades) seria os royalties do
petróleo, abrangendo não só as áreas do pós-sal como também do pré-sal. A redação
do artigo é genérica, não indicando percentual destes recursos que seriam
alocados, ou seja, indica apenas que os governos podem usar tais recursos para
financiar o gasto com o passe livre.
4º. Porém, o mais grave é que ele inclui tal despesa como
sendo integrante dos gastos educacionais. E este formato possui várias
implicações:
a)
O transporte estritamente escolar, ou seja,
levar o aluno da zona rural para a escola na zona urbana, é contabilizado como
despesa educacional. Mas o subsidio para a concessão do passe estudantil, que
hoje não é integral, nunca foi contabilizado como gasto educacional, entrando
na contabilidade dos custos da tarifa, nos orçamentos das companhias
gerenciadoras do sistema de transporte de cada município;
b)
Será votado hoje no Senado a lei que destina
parte dos royalties para a educação. Como já declarei neste espaço, o formato
aprovado na Câmara é melhor do que a proposta do governo, mas é insuficiente
para dotar a educação do quantitativo de recursos necessários para cumprir o
plano nacional de educação, representando em 2022 algo em torno de 1% do PIB a
mais;
c)
Caso seja aprovado o projeto de Renan, os
governos municipais não só usarão todos os recursos dos royalties para
financiar o passe livre, como repassarão em termos contábeis todos os recursos
que já aplicavam no subsídio do passe estudantil para a conta da educação. Ou
seja, ao invés de elevar os gastos educacionais, a consequência será uma
diminuição dos mesmos.
É necessário um posicionamento urgente de todas as entidades
no sentido de alertar senadores e opinião pública sobre esta manobra, deixando
claro nosso apoio ao passe livre, mas registrando a contradição entre os dois
projetos e a necessidade de evitar queda da arrecadação de recursos
educacionais, o que iria na contramão do que nossos jovens reivindicam nas
ruas.
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