Continuaremos refletindo sobre a relação entre público e
privado nos textos do PNE em debate no Congresso Nacional. Hoje me deterei na
análise da redação oferecida pela relator da matéria na CAE do Senado, inscrita
no parágrafo 5º do artigo 5º do substitutivo aprovado por aquela comissão.
O texto é o seguinte:
Artigo 5º ..............................
............................................
§ 5º O investimento público em
educação a que se refere o art. 214, inciso VI, da Constituição Federal,
engloba o dispêndio total em educação pública, os recursos aplicados na forma
do art. 213 da Constituição Federal, bem como os recursos aplicados nos
programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma
de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior,
e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil para
garantir o acesso à educação.
E aqui é apresentado um debate
jurídico instigante. Na primeira parte do texto há a inclusão nos cálculos dos
investimentos educacionais dos “recursos aplicados na forma do artigo 213 da
Constituição Federal”. Este artigo tem a seguinte redação:
I - comprovem finalidade não
lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de
seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
poder público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º Os recursos de que trata
este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental
e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos,
quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade
da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir
prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º As atividades universitárias
de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público.
Somente entidades “comunitárias,
confessionais ou filantrópicas” poderiam ser beneficiadas por esta medida, mas
a mesma seria a exceção. Também o constituinte permitiu, também em caráter
transitório, a concessão de bolsas de estudos no ensino fundamental e médio,
“quando houver falta de vagas”, deixando claro que o poder público deveria
reverter tal insuficiência por meio de investimentos em sua própria rede.
Há intensa polêmica de como a
legislação subseqüente lidou com o detalhamento do que seriam estas entidades
passíveis de recebimento de recursos públicos, ocorrendo um constante
alargamento da brecha de financiamento ao setor privado. Tal situação é
evidente na caracterização do que vem a ser uma instituição comunitário no
ensino superior.
Acontece que o substitutivo da
CAE do Senado vai bem mais além. Utilizando a expressão “bem como”, ou seja,
incluindo assuntos não cobertos na sentença anterior, inclui “os recursos
aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive
na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no
Brasil e no exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento
estudantil para garantir o acesso à educação”.
No meu entender não podem ser
incluídos como recursos educacionais o rol listado pelo relator. Explico o
porquê:
1. O
artigo 213 da CF é claro: somente pode receber recursos públicos entidades
comunitárias, confessionais e filantrópicas que cumpram as duas exigências
constantes dos seus incisos. Não se enquadra nesta definição as entidades
particulares, com fins lucrativos que são beneficiadas de isenção fiscal em
troca de bolsas do PROUNI.
2. As
bolsas do PRONATEC não são para ensino fundamental e médio e seus beneficiários
incluem também entidades privadas não cobertas pela redação do artigo 213 da
CF.
Mas o que devemos discutir na
essência é a destinação prioritária do fundo público. A brecha constitucional
não pode ser transformada em avenida preferencial de oferta do ensino na
próxima década, situação que é favorecida pela redação oferecida pelo
substitutivo da CAE do Senado. Ao ampliar o indicador o texto está incentivando
a migração de recursos das escolas públicas para uma miríade de escolas
privadas.
Em sua fundamentação, em um
lampejo de sinceridade, o relator apresenta a sua visão sobre esta polêmica.
Para o senador Pimentel a atuação do setor privado é indispensável, termo que
não encontra guarida no artigo 213, por que coloca em pé de igualdade de
essencialidade o público e o privado.
Na verdade, por trás da mudança
do conceito de “direto” para “total” se esconde uma concepção de
compartilhamento da futura oferta escolar prevista no PNE com o setor privado
e, por conseguinte, incremento dos subsídios a este setor, seja na forma de
isenção fiscal, bolsas ou conveniamento.
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