segunda-feira, 15 de julho de 2013

O público e o privado no PNE – 2ª parte


Continuaremos refletindo sobre a relação entre público e privado nos textos do PNE em debate no Congresso Nacional. Hoje me deterei na análise da redação oferecida pela relator da matéria na CAE do Senado, inscrita no parágrafo 5º do artigo 5º do substitutivo aprovado por aquela comissão.

O texto é o seguinte:

Artigo 5º ..............................

............................................

§ 5º O investimento público em educação a que se refere o art. 214, inciso VI, da Constituição Federal, engloba o dispêndio total em educação pública, os recursos aplicados na forma do art. 213 da Constituição Federal, bem como os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil para garantir o acesso à educação.
 

E aqui é apresentado um debate jurídico instigante. Na primeira parte do texto há a inclusão nos cálculos dos investimentos educacionais dos “recursos aplicados na forma do artigo 213 da Constituição Federal”. Este artigo tem a seguinte redação:

 Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:

I - comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;

II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao poder público, no caso de encerramento de suas atividades.

§ 1º Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o poder público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.

§ 2º As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do poder público.

Somente entidades “comunitárias, confessionais ou filantrópicas” poderiam ser beneficiadas por esta medida, mas a mesma seria a exceção. Também o constituinte permitiu, também em caráter transitório, a concessão de bolsas de estudos no ensino fundamental e médio, “quando houver falta de vagas”, deixando claro que o poder público deveria reverter tal insuficiência por meio de investimentos em sua própria rede.

Há intensa polêmica de como a legislação subseqüente lidou com o detalhamento do que seriam estas entidades passíveis de recebimento de recursos públicos, ocorrendo um constante alargamento da brecha de financiamento ao setor privado. Tal situação é evidente na caracterização do que vem a ser uma instituição comunitário no ensino superior.

Acontece que o substitutivo da CAE do Senado vai bem mais além. Utilizando a expressão “bem como”, ou seja, incluindo assuntos não cobertos na sentença anterior, inclui “os recursos aplicados nos programas de expansão da educação profissional e superior, inclusive na forma de incentivo e isenção fiscal, as bolsas de estudos concedidas no Brasil e no exterior, e os subsídios concedidos em programas de financiamento estudantil para garantir o acesso à educação”.

 

No meu entender não podem ser incluídos como recursos educacionais o rol listado pelo relator. Explico o porquê:

1.      O artigo 213 da CF é claro: somente pode receber recursos públicos entidades comunitárias, confessionais e filantrópicas que cumpram as duas exigências constantes dos seus incisos. Não se enquadra nesta definição as entidades particulares, com fins lucrativos que são beneficiadas de isenção fiscal em troca de bolsas do PROUNI.

2.      As bolsas do PRONATEC não são para ensino fundamental e médio e seus beneficiários incluem também entidades privadas não cobertas pela redação do artigo 213 da CF.

Mas o que devemos discutir na essência é a destinação prioritária do fundo público. A brecha constitucional não pode ser transformada em avenida preferencial de oferta do ensino na próxima década, situação que é favorecida pela redação oferecida pelo substitutivo da CAE do Senado. Ao ampliar o indicador o texto está incentivando a migração de recursos das escolas públicas para uma miríade de escolas privadas.

Em sua fundamentação, em um lampejo de sinceridade, o relator apresenta a sua visão sobre esta polêmica. Para o senador Pimentel a atuação do setor privado é indispensável, termo que não encontra guarida no artigo 213, por que coloca em pé de igualdade de essencialidade o público e o privado.

Na verdade, por trás da mudança do conceito de “direto” para “total” se esconde uma concepção de compartilhamento da futura oferta escolar prevista no PNE com o setor privado e, por conseguinte, incremento dos subsídios a este setor, seja na forma de isenção fiscal, bolsas ou conveniamento.

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