A redação de um plano nacional de educação é uma
oportunidade ímpar para retomar o debate sobre a relação entre público e
privado, talvez a polêmica mais recorrente nos debates educacionais em nosso
país.
Nunca é demasiado recordar que nossa Constituição manteve
posição contraditória sobre o tema. No seu artigo 205 garantiu a educação como
um direito do povo brasileiro e estabeleceu que tal direito seria um dever do
Estado. Com a inscrição desta declaração reforçou o caráter público da
prestação da oferta educacional.
Porém, o texto constitucional garantiu a existência de
escolas particulares, permitindo no caso das não-lucrativas, o recebimento de
recursos públicos.
Podemos dizer que o espírito do constituinte era de
preservar o chamado “direito de escolha”, ou seja, o ensino é público e no
nível obrigatório será oferecido para todos, mas o cidadão tem o direito de
escolher frequentar uma escola particular. Obviamente que este “direito”
estaria condicionado a renda correspondente para comprar o produto educacional
oferecido pela rede particular.
A definição de escola pública oferecida por Vieira (2008) é
essencial para o debate travado neste momento na tramitação do PNE. Escola
pública é aquela financiada com recursos públicos, provenientes da receita de
impostos, mantidas e administradas pelas diferentes instâncias do Poder
Público. E escola privada é aquela instituída por pessoas físicas e jurídicas
de direito privado. Manter esta fronteira clara é fundamental.
Em vários momentos este debate permeia a redação do plano
nacional de educação. Hoje e nos próximos dias tentarei refletir sobre cada um
destes aspectos.
O primeiro embate diz respeito sobre a primazia da oferta
pública como espinha dorsal do plano. A proposta enviada pelo Executivo (PL nº
8035/2013, o texto aprovado pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados (PLC
103/2012) e o substitutivo aprovado na Comissão de Assuntos Econômicos do
Senado Federal, convivem com dubiedades sobre este assunto.
A dubiedade fica explícita na prioridade do financiamento
público para a próxima década.
1.
Durante a primeira fase da tramitação a intenção
governamental de promover um crescimento da oferta educacional de maneira
compartilhada com setor privado estava presente de forma implícita (na memória
de cálculo dos custos do plano e em estratégias que incentivavam o
conveniamento com o setor privado na educação infantil e subsídios a oferta
privada no ensino profissionalizante e superior);
2.
Houve uma tentativa fracassada do então relator
da matéria, deputado Ângelo Vanhoni (PT/PR) de incorporar no cálculos de custo
do plano os gastos com a área privada, mas a forma aloprada com que foi feita
acabou abortando a explicitação desta intenção.
3.
Foi somente com o relatório do senador Pimentel
(PT/CE) que o governo e sua bancada decidiu apresentar de forma explícita a
ideia de compartilhamento com o setor privado. A alteração do indicador que
mensura o investimento educacional em relação ao PIB é a síntese desta nova
postura. Ao invés de contabilizar apenas o investimento público direto na rede
pública, o substitutivo contabiliza todos os investimentos repassados para a
iniciativa privada.
Considero que o conceito implícito do textos em debate é de
que o setor privado tem a mesma estatura que o setor público na prestação dos
serviços educacionais, conceito que não corresponde ao espírito do constituinte
e pode, caso aprovado, comprometer o princípio de que a educação é um direito
de todos.
Amanhã comento os principais aspectos deste debate.
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