quinta-feira, 26 de março de 2020

A aposta arriscada de Bolsonaro


O pronunciamento da última semana feito pelo Presidente foi uma jogada calculada, mas com alta margem de risco. Quais as intenções manifestas do presidente com o pronunciamento e e entrevistas?
1.       Construir uma narrativa que minimize a pandemia, reforçando discurso de histeria;
2.       Dar peso para os efeitos nocivos da paralisia da economia, especialmente para t5rabalho informal e pequenos empresários;
3.       Jogar a responsabilidade da recessão nas costas dos governadores, que exageraram na dose de quarentena.
Não saíram pesquisas sobre o reflexo deste ato na população brasileira, mas nos chegam alguns indícios preocupantes e outros positivos.
De um lado, aumentou o isolamento político do presidente, como ficou claro na reação unida dos governadores e na dinâmica operada por Maia e aprovar medidas econômicas por fora do diálogo com o Planalto. A repercussão no segmento populacional que já avaliava negativamente o governo o pronunciamento provocou uma maior radicalização, o que aumentou a pressão por sua saída.
De outro lado, unificou a tropa bolsonarista com uma bandeira para suas redes e, inclusive, para voltar às ruas (já que quarentena é coisa para vagabundo esquerdista). O discurso de que o Brasil não pode parar ganhou adeptos reais e está se transformando numa narrativa que desvia a atenção da culpa do governo que teima em não proteger a população da recessão e do vírus.
Qual o risco? Todo o cálculo do Bolsonaro parte de um pressuposto temerário, para não dizer irresponsável, de que pandemia será mais fraca, que o número de mortes não será impactante e que a cloroquina vai curar os doentes. Tem tudo para dar errado. Vejamos:
1.       A “cura” oferecida não tem comprovação cientifica e tem fortes questionamentos de pesquisas sérias. É tipo aquela pílula milagrosa feita por um professor da USP. Vacina vai custar e todas as autoridades médicas mostram que isso vai custar um pouco.
2.       A pandemia continua crescendo, o ritmo até aumentou no dia de hoje. A curva é compatível com o ocorrido em outros países. É verdade que características locais influenciam, mas não temos muitos pontos positivos a agregar como variável, infelizmente.
3.       O isolamento social continua sendo a medida mais eficaz contra o vírus. Estimular a quebra ou encurtamento da quarentena tem como resultado prático o aumento da contaminação. E, com o aumento de mortes e contaminados a pressão por retorno a quarentena mais hard será muito forte.
4.       A recessão é inevitável, é um efeito colateral da paralisia da frágil economia brasileira. O que pode ser feito é um conjunto de medidas protetivas, as quais não fazem parte da agenda ultraliberal do Paulo Guedes (que aliás anda sumido, estou inclusive bastante preocupado com a saúde dele) e de Bolsonaro. Mas também não estava na agenda de Trump e de outros líderes mundiais.
Um aumento da pandemia e uma recessão, para além dos efeitos nefastos em termos de saúde e renda, mudam radicalmente o humor da população com seus governos. E a estratégia de Bolsonaro de se livrar do desgaste, construindo uma narrativa de que tudo isso é uma trama que une mídia, partidos conservadores e de esquerda e sei lá mais quem, não vai funcionar.
Olhando pelo lado das vidas que devíamos estar empenhados em salvar, a estratégia do presidente é criminosa.
Olhando pelo lado dos empregos que devíamos estar empenhados em preservar, a inanição do governo é criminosa.
Mas talvez mantenha uma parte do seu eleitorado, que o elegeu acreditando numa overdose de fakenews, em torno de sua política. O tamanho desse eleitorado, o quanto ele vai desidratar e se isso pode viabilizar que o país se livre deste irresponsável de forma mais breve, ainda são questões em aberto.
Mas não faltam desejos de que ele fique conhecido como Bolsonaro, o breve.

quarta-feira, 25 de março de 2020

Ele nos chamou para briga. O que ele ganha com isso?


Não sou dono da verdade, já tem muitas pessoas cumprindo essa tarefa ingrata. Mas peço um minuto de reflexão.
Na noite de ontem (24 de março), depois de um mês do primeiro caso de coronavirus e com o crescimento acelerado de casos, o presidente Bolsonaro fez um discurso inacreditável, absurdo e revoltante. Diante de tal absurdo, a reação dos setores progressistas foi anunciar o seu fim, diagnosticando que o mesmo enlouqueceu e que tirá-lo da presidência imediatamente é a demanda a ser assumida. Será?
Bolsonaro é louco? Não há nenhum dado cientifico sério que confirme isso. Ele é um idiota? Se o fosse não teria conseguido ganhar as eleições, derrotando a direta tradicional e uma forte unidade da esquerda no segundo turno. Bem, se não é um caso médico e ele agiu ontem de caso pensado, qual o seu interesse de provocar tamanha revolta?
Não sou um bom jogador, nem de futebol e muito menos de xadrez, mas dizem que o melhor cenário numa guerra ou num jogo, sendo a batalha inevitável, é poder escolher o local e o momento que mais lhe favorece. É isso que ele está tentando fazer. Vejamos os elementos que estamos deixando escapar.
A pandemia é real, vai matar centenas, talvez milhares, de brasileiros, vai superlotar o já saturado sistema de urgência do país. E, para além das consequências sanitárias, já está paralisando a economia, o que nos jogará numa recessão violenta, com desemprego, queda de renda de 40 milhões que vivem da informalidade, fechamento de empresas e tudo que disso é derivado. Isso ainda está no início, mas quando chegar no ápice, a culpa será distribuída em quem tinha responsabilidade de conduzir o país: Bolsonaro. Ele sabe disso, sabe que os ânimos da população diante de seu governo vão mudar, fazendo derreter a base social que até agora mantém no seu entorno e, fazendo isso, ele perderá a utilidade para as elites, podendo facilmente ser descartado.
O que Bolsonaro fez ontem foi potencializar o campo de batalha que lhe é favorável, a narrativa de que há uma trama da esquerda, de governadores e da mídia, tentando destruir a economia, exagerando os efeitos da pandemia, para derrubá-lo. Trabalha com a desinformação, com o medo, com os mesmos mecanismos que o levaram a presidência. Sua intenção é antecipar a polarização, provocando ódio nos setores progressistas (#bolsonarogenocida) e tentando coesionar sua base em sua defesa.
O que ele fez ontem foi tentar antecipar a batalha do impeachment para o momento que mais lhe favorece, no cenário real que vivemos: antes que a maioria da população comece a sentir os efeitos econômicos da recessão, facilitando a sua narrativa de que é uma trama sórdida para lhe tirar do poder, justamente na hora que estava tentando proteger os empregos das pessoas.
É uma aposta perigosa? Sim, por que se as medidas de mitigação não forem suficientes para deter o vírus, um crescimento do número de mortes cairá na sua cabeça. Mas é a mesma aposta que Trump está fazendo, por que os dois sabem que as pessoas votaram neles em momento de desespero e esperavam que a vida melhorasse.
Assim como no xadrez, aceitar a oferta de uma peça aparentemente gratuita e equivocada, pode simplesmente comprometer peças importantes do nosso time, prejudicando nossa estratégia.
Antecipar um processo de impeachment, no meio da pandemia, sem possibilidade de mobilizações sociais presenciais, sem ter derretido bastante a base social bolsonarista (leiam as três pesquisas disponíveis para ver que isso está em processo, mas ainda longe de caracterizar um real isolamento), é deixar que ele escolha o local e o momento da batalha. Um erro que pode nos custar a perda do jogo.
A hora, nesse momento, é de carimbar a irresponsabilidade de Bolsonaro, de propor medidas que dialoguem com o drama de milhões de brasileiros que não alcançamos pelas nossas redes sociais, nos quais a nossa indignação ainda não chega e que ainda o discurso de polarização esquerda X mito é ainda forte. A pandemia e a recessão, bem trabalhadas, podem desfazer as barreiras que nos impedem de fazer esse diálogo.
E os panelaços? Sim, presenciamos uma radicalização dos setores que não concordam com o governo e o avaliam de forma negativa ou regular. É um sintoma de que estamos reconquistando terreno. E é justamente esse diagnóstico que faz Bolsonaro antecipar a batalha, antes que perca mais posições e não tenha narrativa que se sustente diante do caos econômico.
A economia derreteu Collor, manteve Lula no cargo em 2006 e isolou Dilma de sua base social em 2016. E é o que será capaz de derreter de 30 a 35% de apoio que Bolsonaro ainda tem.
A vontade de interditar esse presidente, um irresponsável que coloca em risco milhões de brasileiros é muito forte. Comungo muito dessa revolta. Mas, sem racionalidade e uma estratégia que entenda que o adversário não é louco ou imbecil e que sabe jogar, não seremos vitoriosos.
Assim, considero que a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e uma narrativa que mostre sua irresponsabilidade, articulada com uma plataforma de exigências de medidas que salve a vida dos brasileiros e proteja seus empregos e renda, são mais eficientes do que deixar que ele escolha a hora e o lugar da batalha. Iremos travar essa batalha, não em 2022, mas este ano ainda, mas ele precisa sangrar mais, precisa perder legitimidade junto a milhões de brasileiros que serão vitimados por sua inconsequência.

sexta-feira, 20 de março de 2020

Crise começa a corroer apoio ao governo


Analisei rapidamente as duas pesquisas disponíveis (XP Investimentos e Atlas) até o momento sobre os impactos da crise recente na avaliação do governo Bolsonaro e na economia. Não tenho condições de ajuizar erros ou acertos da metodologia das pesquisas, mas captar indicações e movimentações no humor do brasileiro que elas apresentam.
Apesar de não ser correto comparar pesquisas com prováveis diferenças nas metodologias, como as duas foram feitas no mesmo período, diferenças de resultados chamam a atenção. As duas fizeram a coleta entre 16 e 18 de março de 2020.
Os resultados de avaliação do governo federal mostram resultados contraditórios. A XP captou uma estabilidade de avaliações negativas (ruim e péssimo) em 36%, mas apresenta um crescimento de 2% na avaliação regular e queda na avaliação positiva (bom e ótimo) de 4%. Contudo, essa avaliação positiva continua na casa de 30%.
A Atlas apresenta um crescimento da avaliação negativa (de 38% para 41%) e uma queda na avaliação positiva (de 29% para 26%) e crescimento do regular (de 31% para 33%).
De qualquer forma as duas apresentam um impacto negativo para o governo. Normalmente uma pessoa que considera positivo não migra direto para o negativo. Então, usando as duas, podemos dizer que o governo perdeu 4% de apoio até o momento. É uma tendência de queda e que havia sido estancada no meio do ano passado quando chegou ao patamar de 30%.
O que levou a essa primeira queda? Os dados das duas pesquisas dão indicações e como são fenômenos que tendem a se agravar, podem induzir uma previsão de continuidade da queda. É verdade que não houve divulgação de perguntas diretas sobre a migração, mas os dados a seguir mostram caminhos para explicar a queda.
Em primeiro lugar, o lento crescimento do otimismo com a economia sofreu drástica reversão. O sentimento é de que a vida vai piorar, vamos ter recessão e seus efeitos vão alcançar os entrevistados. A Pesquisa XP encontrou queda de 47% para 38% na expectativa positiva e uma expectativa de 76% de que serão atingidos pela crise. A Atlas achou 49,7% afirmando que vai piorar diante de 28,3% anteriores. Encontrou certeza de recessão em 57% dos entrevistados.
Em segundo lugar, sobre o combate a pandemia as pesquisas são divergentes. A XP apresenta uma avaliação sobre condução do governo que não é tão ruim como pode parecer ao senso comum. Temos 40% considerando boa a conduta do governo, sendo um pouco melhor o do ministro da saúde e um pouco pior a do ministro da economia. Uma minoria acha péssima a ação do governo.   
Contudo a pesquisa Atlas, perguntando direto se a população aprova ou não o plano de combate, a resposta foi de 64% de desaprovação. Lembro que foi somente após a coleta e de forma tardia que o governo começou de forma ostensiva, inclusive com participação do presidente, a apresentar medidas econômicas para a crise. Talvez seja um problema no formato de como as perguntas foram formuladas.
Temos também dados mostrando rejeição a manutenção de manifestações de rua do dia 15, mas não houve perguntas diretas sobre a participação do presidente, podendo se deduzir que parte do comportamento captou tal atitude, mas difícil de mensurar o quanto de conhecimento do fato estava evidente nos dias seguintes a referida participação.
A pesquisa Atlas perguntou sobre o impeachment. O resultado é coerente com o resultado encontrado sobre avaliação negativa e positiva. Cresceu 6% o apoio a medida.

Resumindo:

Há dados de queda da popularidade do governo Bolsonaro, motivadas pela piora das expectativas com a economia e com os efeitos concretos da crise na vida das pessoas. Quatro pontos de queda em um mês é um fenômeno significativo, mas ainda não pode ser afirmado que é uma reversão da estabilidade alcançada no segundo semestre do ano passado.
Como o elemento aparentemente detonador mais claro é a crise econômica e a expectativa é de piora para o próximo período (infelizmente é mais do que uma simples expectativa), a tendência de que a população culpe o governo pelos efeitos (desemprego, redução de renda etc.) é bastante forte. É lógico que políticas governamentais que minimizem a crise econômica podem frear tal desgaste, mas dificilmente revertê-lo.
Até agora as pesquisas não captaram diretamente um desgaste associado a condução especifica do enfrentamento a pandemia, sendo os resultados das duas pesquisas inconclusivos. Há, porém, uma evidência que contraria o quadro geral: a aceitação dos governadores melhorou, caindo a negativa de 31% para 27% e a positiva subindo de 23% para 26%. Talvez a postura de alguns governadores de tomar medidas proativas explique tal melhora. O que pode nos levar a encarar que uma boa condução da crise sanitária pode recuperar pontos do governo federal (ou piorar a situação diante do agravamento da crise).
Não dá para afirmar ainda que o governo se encontra em isolamento, como o senso comum na esquerda tem afirmado a partir dos panelaços, mas podemos afirmar que mantendo a atitude atual sobre o combate ao vírus, a crise se aprofundando e as previsões desastrosas no campo da economia acontecendo, uma piora mais significativa que diminua o percentual de apoio, caindo do patamar histórico de 30% é algo provável.
O crescimento mais acelerado do desgaste e um clima de insatisfação contínuo pode colocar, a médio prazo, o impeachment na ordem do dia. Não é o caso agora. Sem esse derretimento não teremos migração do centro de sua base de apoio.