Sei que a única coisa que os grupos de zap e demais redes
sociais discutem hoje é pandemia do coronavirus. Desde debate sobre a
necessidade de medidas restritivas a circulação, se estamos preparados para
tratar dos que forem infectados até se o exame do presidente dará positivo ou
não. E, obviamente, um pouco (deveria ser muito mais) de debate sobre os efeitos
econômicos do avanço da pandemia no mundo e no Brasil.
Não me sinto habilitado para tratar dos primeiros itens,
para isso especialistas e palpiteiros já estão fazendo o trabalho. Quero falar
sobre os efeitos prováveis dessa crise na tramitação do Fundeb, cuja
deliberação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados está prevista para a
próxima quarta-feira (18 de março).
O Fundeb é uma subviculação de recursos educacionais, de
propriedade de estados e municípios somado a uma complementação federal. Ou
seja, todo esse recurso depende do comportamento da economia. Crescendo a
economia, os percentuais vinculados crescem, obviamente. Em crise ou em
depressão os recursos diminuem também.
O principal ponto em debate na tramitação é sobre quanto a
União se dispõe a complementar o novo fundo e de onde virão os recursos para
honrar este compromisso constitucional, agora perene. Isso sempre é calculado
sobre o montante bloqueado de estados e municípios, no caso, calculado sobre a
soma de 20% de impostos (arrecadados ou transferidos). Hoje a participação está
em 10% deste montante e em 2019 representou 15 bilhões.
Passamos de uma proposta audaciosa e impactante (40% de
complementação da União) e o relatório da deputada Professora Dorinha baixou
para 20%. Esse valor será integralizado em seis anos.
A economia brasileira vem patinando faz algum tempo. As
promessas de que fazendo reformas ultraliberais a economia voltará a crescer em
padrões chineses se mostrou uma mentira. O Produto Interno Bruto cresceu pífios
1,1% em 2019, mesmo com a aprovação da reforma da previdência, venda de ativos
da Petrobrás e na vigência da draconiana Emenda Constitucional nº 95, que
instituiu o Teto de Gastos.
A pandemia desencadeou uma desaceleração da economia
mundial, começando pela paralisação das atividades econômicas na segunda
potência econômica mundial (China) e agora atingindo quase toda a Europa e Ásia.
E chegando com força nos EUA, onde saúde é mercadoria, e se espalhando pela
América Latina. O Brasil presencia o crescimento de casos confirmados todos os
dias e se anuncia que entraremos em um período de crescimento geométrico de
infectados.
Essa crise influencia na tramitação do Fundeb? Muito.
Vejamos:
1.
O governo, que não foi protagonista até então na
tramitação, acordou para o impacto financeiro do relatório em debate e está
propondo nos bastidores reduzir o percentual de 20% e/ou alongar o período de
sua integralização, jogando os efeitos para um futuro mandato presidencial.
2.
A pandemia entrará numa fase de paralisação de
atividades econômicas, cuja profundidade ainda não dá para mensurar. Se
acontecer algo semelhante ao que ocorre em outros países, teremos um efeito
mais grave do que a greve do setor de transporte. Sem atividade econômica
teremos queda no consumo e, por conseguinte, queda na arrecadação do Estado
Brasileiro. O próprio otimista Paulo Guedes já admite que a esperança de um PIB
se sofridos 2% já foi para o espaço.
3.
Sem recursos a negociação se torna dramática. E,
pior, com uma crise para justificar retrocessos no processo legislativo.
O pior desse quadro é que o governo brasileiro não está
tomando nenhuma medida econômica efetiva para proteger nosso povo dos efeitos
de uma crise que é certa. Nenhuma medida para proteger a pequena empresa,
nenhuma medida para estimular o consumo, nenhum direcionamento para elevação do
investimento público, nada. Somente a mesma ladainha de que mais reformas
resolvem o problema.
Certamente o coronavirus representará um componente negativo
nas negociações legislativas que chegam na fase final na Câmara dos Deputados.
É lógico que outros ingredientes se somam a esse complicado
quadro. Ao ler os destaques apresentados até o momento dá um frio na espinha. O
chamado Centrão quer incluir os inativos nos gastos permitidos pelo fundo e
querem retirar o FPM da cesta de impostos destinados a compor o fundo (querem
tirar 12,5% dos recursos). O partido Velho, quer dizer quase novo, quer
derrubar a destinação de 70% dos recursos para os profissionais da educação e o
Cidadania quer tirar a referência ao Custo Aluno Qualidade. O que salva são os
destaques do PSOL, PT e PCdoB, que são destinados a fortalecer o caráter
público do fundo e visam impedir retrocessos e uso indevido do
salário-educação.
Da mesma forma que sorte não nos livra da pandemia, sorte
não é suficiente para que o parlamento aprove um Fundeb robusto e inclusivo.
Somente forte pressão social para impor uma agenda progressista nesse momento.
Felizmente o dia 18 de março promete fortes mobilizações, mesmo com pandemia
batendo a nossa porta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário