quinta-feira, 12 de março de 2020

Fundeb em tempos de coronavirus


Sei que a única coisa que os grupos de zap e demais redes sociais discutem hoje é pandemia do coronavirus. Desde debate sobre a necessidade de medidas restritivas a circulação, se estamos preparados para tratar dos que forem infectados até se o exame do presidente dará positivo ou não. E, obviamente, um pouco (deveria ser muito mais) de debate sobre os efeitos econômicos do avanço da pandemia no mundo e no Brasil.
Não me sinto habilitado para tratar dos primeiros itens, para isso especialistas e palpiteiros já estão fazendo o trabalho. Quero falar sobre os efeitos prováveis dessa crise na tramitação do Fundeb, cuja deliberação na Comissão Especial da Câmara dos Deputados está prevista para a próxima quarta-feira (18 de março).
O Fundeb é uma subviculação de recursos educacionais, de propriedade de estados e municípios somado a uma complementação federal. Ou seja, todo esse recurso depende do comportamento da economia. Crescendo a economia, os percentuais vinculados crescem, obviamente. Em crise ou em depressão os recursos diminuem também.
O principal ponto em debate na tramitação é sobre quanto a União se dispõe a complementar o novo fundo e de onde virão os recursos para honrar este compromisso constitucional, agora perene. Isso sempre é calculado sobre o montante bloqueado de estados e municípios, no caso, calculado sobre a soma de 20% de impostos (arrecadados ou transferidos). Hoje a participação está em 10% deste montante e em 2019 representou 15 bilhões.
Passamos de uma proposta audaciosa e impactante (40% de complementação da União) e o relatório da deputada Professora Dorinha baixou para 20%. Esse valor será integralizado em seis anos.
A economia brasileira vem patinando faz algum tempo. As promessas de que fazendo reformas ultraliberais a economia voltará a crescer em padrões chineses se mostrou uma mentira. O Produto Interno Bruto cresceu pífios 1,1% em 2019, mesmo com a aprovação da reforma da previdência, venda de ativos da Petrobrás e na vigência da draconiana Emenda Constitucional nº 95, que instituiu o Teto de Gastos.
A pandemia desencadeou uma desaceleração da economia mundial, começando pela paralisação das atividades econômicas na segunda potência econômica mundial (China) e agora atingindo quase toda a Europa e Ásia. E chegando com força nos EUA, onde saúde é mercadoria, e se espalhando pela América Latina. O Brasil presencia o crescimento de casos confirmados todos os dias e se anuncia que entraremos em um período de crescimento geométrico de infectados.
Essa crise influencia na tramitação do Fundeb? Muito. Vejamos:
1.       O governo, que não foi protagonista até então na tramitação, acordou para o impacto financeiro do relatório em debate e está propondo nos bastidores reduzir o percentual de 20% e/ou alongar o período de sua integralização, jogando os efeitos para um futuro mandato presidencial.
2.       A pandemia entrará numa fase de paralisação de atividades econômicas, cuja profundidade ainda não dá para mensurar. Se acontecer algo semelhante ao que ocorre em outros países, teremos um efeito mais grave do que a greve do setor de transporte. Sem atividade econômica teremos queda no consumo e, por conseguinte, queda na arrecadação do Estado Brasileiro. O próprio otimista Paulo Guedes já admite que a esperança de um PIB se sofridos 2% já foi para o espaço.
3.       Sem recursos a negociação se torna dramática. E, pior, com uma crise para justificar retrocessos no processo legislativo.
O pior desse quadro é que o governo brasileiro não está tomando nenhuma medida econômica efetiva para proteger nosso povo dos efeitos de uma crise que é certa. Nenhuma medida para proteger a pequena empresa, nenhuma medida para estimular o consumo, nenhum direcionamento para elevação do investimento público, nada. Somente a mesma ladainha de que mais reformas resolvem o problema.
Certamente o coronavirus representará um componente negativo nas negociações legislativas que chegam na fase final na Câmara dos Deputados.
É lógico que outros ingredientes se somam a esse complicado quadro. Ao ler os destaques apresentados até o momento dá um frio na espinha. O chamado Centrão quer incluir os inativos nos gastos permitidos pelo fundo e querem retirar o FPM da cesta de impostos destinados a compor o fundo (querem tirar 12,5% dos recursos). O partido Velho, quer dizer quase novo, quer derrubar a destinação de 70% dos recursos para os profissionais da educação e o Cidadania quer tirar a referência ao Custo Aluno Qualidade. O que salva são os destaques do PSOL, PT e PCdoB, que são destinados a fortalecer o caráter público do fundo e visam impedir retrocessos e uso indevido do salário-educação.
Da mesma forma que sorte não nos livra da pandemia, sorte não é suficiente para que o parlamento aprove um Fundeb robusto e inclusivo. Somente forte pressão social para impor uma agenda progressista nesse momento. Felizmente o dia 18 de março promete fortes mobilizações, mesmo com pandemia batendo a nossa porta.

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