Não sou dono da verdade, já tem muitas pessoas cumprindo
essa tarefa ingrata. Mas peço um minuto de reflexão.
Na noite de ontem (24 de março), depois de um mês do
primeiro caso de coronavirus e com o crescimento acelerado de casos, o
presidente Bolsonaro fez um discurso inacreditável, absurdo e revoltante.
Diante de tal absurdo, a reação dos setores progressistas foi anunciar o seu
fim, diagnosticando que o mesmo enlouqueceu e que tirá-lo da presidência
imediatamente é a demanda a ser assumida. Será?
Bolsonaro é louco? Não há nenhum dado cientifico sério que
confirme isso. Ele é um idiota? Se o fosse não teria conseguido ganhar as
eleições, derrotando a direta tradicional e uma forte unidade da esquerda no
segundo turno. Bem, se não é um caso médico e ele agiu ontem de caso pensado,
qual o seu interesse de provocar tamanha revolta?
Não sou um bom jogador, nem de futebol e muito menos de
xadrez, mas dizem que o melhor cenário numa guerra ou num jogo, sendo a batalha
inevitável, é poder escolher o local e o momento que mais lhe favorece. É isso
que ele está tentando fazer. Vejamos os elementos que estamos deixando escapar.
A pandemia é real, vai matar centenas, talvez milhares, de
brasileiros, vai superlotar o já saturado sistema de urgência do país. E, para além
das consequências sanitárias, já está paralisando a economia, o que nos jogará
numa recessão violenta, com desemprego, queda de renda de 40 milhões que vivem
da informalidade, fechamento de empresas e tudo que disso é derivado. Isso
ainda está no início, mas quando chegar no ápice, a culpa será distribuída em
quem tinha responsabilidade de conduzir o país: Bolsonaro. Ele sabe disso, sabe
que os ânimos da população diante de seu governo vão mudar, fazendo derreter a
base social que até agora mantém no seu entorno e, fazendo isso, ele perderá a
utilidade para as elites, podendo facilmente ser descartado.
O que Bolsonaro fez ontem foi potencializar o campo de
batalha que lhe é favorável, a narrativa de que há uma trama da esquerda, de
governadores e da mídia, tentando destruir a economia, exagerando os efeitos da
pandemia, para derrubá-lo. Trabalha com a desinformação, com o medo, com os
mesmos mecanismos que o levaram a presidência. Sua intenção é antecipar a
polarização, provocando ódio nos setores progressistas (#bolsonarogenocida) e
tentando coesionar sua base em sua defesa.
O que ele fez ontem foi tentar antecipar a batalha do impeachment
para o momento que mais lhe favorece, no cenário real que vivemos: antes que a
maioria da população comece a sentir os efeitos econômicos da recessão,
facilitando a sua narrativa de que é uma trama sórdida para lhe tirar do poder,
justamente na hora que estava tentando proteger os empregos das pessoas.
É uma aposta perigosa? Sim, por que se as medidas de
mitigação não forem suficientes para deter o vírus, um crescimento do número de
mortes cairá na sua cabeça. Mas é a mesma aposta que Trump está fazendo, por
que os dois sabem que as pessoas votaram neles em momento de desespero e
esperavam que a vida melhorasse.
Assim como no xadrez, aceitar a oferta de uma peça
aparentemente gratuita e equivocada, pode simplesmente comprometer peças
importantes do nosso time, prejudicando nossa estratégia.
Antecipar um processo de impeachment, no meio da pandemia,
sem possibilidade de mobilizações sociais presenciais, sem ter derretido
bastante a base social bolsonarista (leiam as três pesquisas disponíveis para
ver que isso está em processo, mas ainda longe de caracterizar um real
isolamento), é deixar que ele escolha o local e o momento da batalha. Um erro
que pode nos custar a perda do jogo.
A hora, nesse momento, é de carimbar a irresponsabilidade de
Bolsonaro, de propor medidas que dialoguem com o drama de milhões de brasileiros
que não alcançamos pelas nossas redes sociais, nos quais a nossa indignação
ainda não chega e que ainda o discurso de polarização esquerda X mito é ainda
forte. A pandemia e a recessão, bem trabalhadas, podem desfazer as barreiras
que nos impedem de fazer esse diálogo.
E os panelaços? Sim, presenciamos uma radicalização dos
setores que não concordam com o governo e o avaliam de forma negativa ou
regular. É um sintoma de que estamos reconquistando terreno. E é justamente esse
diagnóstico que faz Bolsonaro antecipar a batalha, antes que perca mais
posições e não tenha narrativa que se sustente diante do caos econômico.
A economia derreteu Collor, manteve Lula no cargo em 2006 e
isolou Dilma de sua base social em 2016. E é o que será capaz de derreter de 30
a 35% de apoio que Bolsonaro ainda tem.
A vontade de interditar esse presidente, um irresponsável
que coloca em risco milhões de brasileiros é muito forte. Comungo muito dessa
revolta. Mas, sem racionalidade e uma estratégia que entenda que o adversário
não é louco ou imbecil e que sabe jogar, não seremos vitoriosos.
Assim, considero que a palavra de ordem “Fora Bolsonaro” e
uma narrativa que mostre sua irresponsabilidade, articulada com uma plataforma
de exigências de medidas que salve a vida dos brasileiros e proteja seus
empregos e renda, são mais eficientes do que deixar que ele escolha a hora e o lugar
da batalha. Iremos travar essa batalha, não em 2022, mas este ano ainda, mas
ele precisa sangrar mais, precisa perder legitimidade junto a milhões de
brasileiros que serão vitimados por sua inconsequência.
Um comentário:
Obrigada camarada, me proporcionou uma lúcida reflexão.
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