Ontem à tarde fui ministrar minha aula na UnB. Ao chegar,
meus alunos estavam preparando cartazes para a manifestação que começaria um
pouco depois. Uma das alunas me mostrou o seu cartaz, o qual dizia algo mais ou
menos assim: deixei meus livros de química pra escrever os livros de história.
Decidi acompanhar os meus alunos ao ato realizado em frente
ao Congresso Nacional.
Em abril completei 50 anos e, portanto, eu faço parte de
outra geração. A minha geração nasceu e cresceu sob governos autoritários e
tivemos de muito cedo ir às ruas para redemocratizar o pais. Foram tempos
difíceis e nossas manifestações eram monitoradas pelas forças de segurança, mas
existem muito maus semelhanças do que diferenças com os fatos que estamos
vivendo neste momento no Brasil.
A primeira semelhança é a frustração com o poder
constituído. Acho que minha geração estava com justeza revoltada com a
injustiça social e com a falta de liberdade vigente. A primeira passeata que
participei foi para libertar um agente de pastoral vinculado a Dom Helder
Câmara e foi organizada pelas pastorais da juventude. A segunda foi para
reivindicar meia passagem no transporte público de Belém do Pará.
A juventude que hoje está nas ruas nasceu e cresceu na
democracia, mas as sementes de justiça social que minha geração plantou não
prosperaram e democracia não se tornou sinônimo de inclusão social e de
melhores condições de vida. E mais, nossos jovens foram chamados a votar de
dois em dois anos e presenciaram a deterioração da política partidária, a
roubalheira como regra, a transformação de cargos de representação em
oportunidades de negócios obscuros. A revolta contra os partidos (acho que
seria melhor circunscrever a mesma aos partidos da ordem!) tem elementos
concretos na frustração das expectativas com a democracia representativa.
Muitos anos atrás me encantei com um livro cujo título era
“Dez dias que abalaram o mundo” e tratava das grandes mobilizações que
derrubaram o czar na Rússia e implantaram a primeira república socialista do
mundo.
Lembrei deste livro por que havia um sentimento de que a
geração pós-democracia havia se acomodado, não ouvia os chamados das entidades
estudantis, havia até uma diminuição do número de votantes nos processos
eletivos de suas entidades. De outro lado, ocorreu uma perda considerável de
energia no movimento sindical, cada vez mais distante de qualquer
questionamento ao poder vigente. E, de repente, as coisas começam a mudar, os
jovens voltam a sair às ruas, de forma espontânea, via redes sociais, por fora
das organizações existentes, querendo distância os partidos, mas gritando
palavras-de-ordem, enfrentando a polícia, “caminhando e cantando” e
encurralando os governos, que já estavam muito mal acostumados a fazer as
piores coisas sem que houvesse reação popular. E em poucos dias colocaram o
país de cabeça pra baixo.
É um movimento com algumas diferenças do que vivi na minha
juventude. Éramos mais organizados, tínhamos lideranças claras e valorizávamos
isso e possuíamos um norte mais claro do que queríamos fazer com o mundo. Não
consegui ver lideranças nem organização no ato de ontem, talvez por isso seja
tão fácil que os mesmos percam o controle e ocorram episódios de depredação sem
motivos claros. E só lentamente parece se materializar um conjunto mais claro de
reivindicações (além da redução das tarifas do transporte).
O principal é que o Brasil e os seus jovens não serão os
mesmos. E acho que as organizações estudantis, populares e sindicais e, quem
sabe, os partidos também não.
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