Publico neste espaço um artigo de dois pesquisadores amazônidas. Ele foi escrito por Alberto Damasceno (professor da UFPA e assessor da UNDIME Pará) e por Emina Santos (Professora da UFPA e consultora do UNICEF Pará). O artigo oferece interessante reflexão sobre a necessidade de se olhar o que tem de específico na Amazônia.
POR UM CAQ (CUSTO-ALUNO-QUALIDADE) DIFERENCIADO PARA A AMAZÔNIA
A Amazônia é a segunda marca mais conhecida do mundo, possui uma extraordinária biodiversidade com recursos minerais, hídricos, hidrelétricos, hidroviários superlativos, tem grande importância para o clima mundial e é cenário de desmesurado processo de degradação ambiental, tornando-se o principal alvo de preocupações de estrangeiros e brasileiros de outras regiões. No emaranhado de discursos em defesa deste pretenso “santuário ecológico”, ainda se percebe uma espécie de imaginário “pré-moderno” que concebe sua floresta como um paraíso selvagem a ser resguardado, a todo custo, da ganância de exploradores sem escrúpulos. Persiste, todavia, um certo grau de dificuldade em compreender que além de sua grande extensão territorial, a Amazônia é habitada por uma população composta, dentre outros segmentos, por ribeirinhos, seringueiros, índios, quilombolas e assentados, distribuídos majoritariamente por municípios pequenos, distantes entre si, e com acessos que dependem de transporte fluvial o que a torna única no imenso espectro de realidades geopolíticas brasileiras.
Existe, portanto, um “custo Amazônia” que não é barato e que tem valor quantitativa e qualitativamente mais alto do que o de qualquer outra região brasileira, agravado pela precariedade de sua infra-estrutura e fragilidade logística. Este é um dado presente e persistente, que está relacionado não só às distâncias continentais que precisam ser percorridas, mas ao modo físico e cultural como isso acontece. Não temos estradas, temos rios. Não temos caminhões ou ônibus, temos barcos. São imensas as dificuldades que as matérias primas têm para sair e os bens industrializados têm para entrar na região, de modo que isso onera os preços de serviços e produtos, pois sua durabilidade está sujeita ao clima quente e úmido e ao tempo chuvoso próprios da floresta equatorial. Traduzido para o cotidiano da gestão da educação isso significa que uniformes, mobiliário, equipamentos, merenda, material didático, estão sujeitos a uma dinâmica determinada não pelo fluxo planejado do mercado, mas pelo fluxo das águas, na forma de chuvas e marés.
Quanto ao deslocamento da comunidade escolar, se em outras regiões cujas distâncias são pequenas ou cobertas por extensa malha rodoviária o repasse do governo federal para o transporte escolar pode ser suficiente, em alguns estados da Amazônia não tem nenhum efeito sem o complemento da secretaria estadual de educação e do próprio governo municipal.
A verdade é que não percebemos, ainda, a existência de um projeto nacional específico para a Amazônia e o reconhecimento de sua importância estratégica. Um exemplo interessante do quanto somos importantes para abastecer, mas insignificantes para receber, é a construção das eclusas de Tucuruí (cidade onde fica a hidrelétrica construída em 1975 que abastece de energia metade do país). Sua conclusão está prevista para este ano, trinta e cinco anos depois da obstrução da hidrovia Tocantins-Araguaia que prejudicou indubitavelmente o desenvolvimento social e econômico de uma importante área da Amazônia.
Quanto ao nosso capital social, em especial no que tange à formação em nível superior, enfrentamos dificuldades históricas como a ausência de recursos suficientes para o investimento em ciência e tecnologia e a oferta de vagas na graduação. Um fator preponderante para a instalação de massa crítica para a produção científica, por exemplo, é a pós-graduação strictu sensu (mestrados e doutorados), que experimenta uma concentração brutal no eixo Sudeste/Sul, diante da profunda carência de vagas na Amazônia. Em 2006, dentre os 1.981 cursos de pós-graduação da região Sudeste, o estado de São Paulo sozinho ofertava 1.109. Somente a USP concentrava 276 cursos, contra apenas 123 existentes em toda a região Norte. No caso dos cursos de graduação a situação não é muito diferente. Em 2010, enquanto na região Norte possuímos 1.802 cursos de graduação, os sudestinos têm a sua disposição 11.709, dos quais 6.307 estão sediados somente em São Paulo. Como se vê, é uma concorrência desigual e iníqua.
Se há um consenso nacional e internacional quanto à necessidade de introduzir um modelo de desenvolvimento sustentável na Amazônia, não se tem conhecimento de iniciativas tão comprometidas quando se trata de proporcionar à nossa população, pelo menos no âmbito das políticas sociais, linhas diferenciadas de financiamento para que o tão esperado adjetivo “sustentável” se realize. Em outros termos, não é possível realizar a premissa de “proteger a Amazônia” concentrando a maior parte dos recursos no eixo sudeste/sul e tratando igualmente regiões tão diversas como se não existissem diferenças entre elas, justamente porque, como afirma César Callegari, presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho Nacional de Educação (CNE) “os insumos têm custos diferentes em cada região; então, não basta criar um padrão de custos que sirva como referência e até como denúncia. O que queremos produzir é uma lista de insumos mínimos relacionados à produção do serviço educacional de qualidade, para que se crie, com o tempo, uma espécie de “lei de responsabilidade educacional”, comprometendo os gestores públicos, prefeitos e secretários de educação a cumprirem essas metas”. (Revista Carta Fundamental, 20.01.10).
Por isso defendemos a proposta de um CAQ (Custo Aluno Qualidade) com um valor maior para os alunos habitantes na Amazônia pois somente desta forma seremos coerentes com o princípio da equidade de condições de acesso, permanência e sucesso escolar e inauguraremos uma nova era em que essa grandiosa região deixe de ser depósito de matéria prima e assuma seu papel estratégico no desenvolvimento do Brasil e do mundo.
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