Quais seriam os critérios mais adequados para avaliar os
resultados da II Conferência Nacional de Educação, realizada de 19 a 23 de
novembro em Brasília?
1.
Verificar o conteúdo político do evento e a
possibilidade de seus resultados incidirem na formulação e implementação das
políticas públicas educacionais no próximo período.
2.
Verificar o conteúdo de suas Resoluções, pois as
mesmas ensejarão mobilizações sociais em defesa dos textos aprovados e poderão
servir de instrumento para aumentar a incidência nas políticas públicas.
3.
A postura dos diversos atores sociais e o que
conseguiram aprovar nas resoluções, indicando inclinações políticas e sociais
do resultado da Conferência. Ou seja, quem ganha e quem perde com os resultados
da Conferência.
Tentarei discutir cada um dos critérios acima, mesmo que
reconheça que o esforço avaliativo sempre é feito a partir da posição em que
nos colocamos, ou seja, nossas análises (positivas ou negativas) são
socialmente posicionadas.
Oportunidade perdida
Antes e durante a Conferência expressei meu posicionamento
favorável a uma maior radicalidade dos movimentos sociais perante o governo
federal. Esse caminho se colocava necessário para não somente cobrar o apoio
que estes movimentos emprestaram a reeleição da presidenta Dilma, mas ao mesmo
tempo seria uma maneira mais eficaz de disputar os rumos da área educacional
com outros segmentos sociais posicionados na arena política.
Neste quesito considero que a CONAE foi por demais morna. Já
relatei a minha frustração com o pronunciamento da presidenta Dilma, que não
apresentou nenhuma proposição concreta. Soube em plenário que durante a sua
fala nada menos que dezoito entidades nacionais entregaram uma carta de
reivindicações a presidenta.
Até hoje no final da manhã tal procedimento estava na
completa clandestinidade. Isso quer dizer que, tendo um plenário lotado e festejando
a vitória de Dilma (como disse o clima dela e do plenário ainda eram
eleitorais) a direção das principais entidades devem ter considerado que seria
indevido fazer as cobranças escritas no documento de forma pública, quem sabe
preocupados em não constranger a presidenta (em nosso país as autoridades
sempre ficam constrangidas quando o povo cobra compromissos assumidos!). Ao agirem
assim abriram mão de pautar o pronunciamento da reeleita e despotencializaram o
conteúdo da Carta entregue (que estava razoável, mesmo que tenha tido acesso
apenas pela leitura feita nos minutos finais da II Conae, para um plenário
esvaziado e faminto).
Faltou radicalidade dos movimentos sociais na melhor
oportunidade que tiveram. Sobrou sentimento de pertencimento ao governo, faltou
independência política.
Ter realizado uma Conferência morna somente interessava para
o governo, especialmente para a atual gestão do MEC, que se encontra naquele
momento de indefinição sobre continuidade ou arrumar as malas. Para os que
lutam por uma mudança de rumo nas políticas educacionais e, inclusive para os
orgânicos da base de sustentação do governo que se encontram com os nervos à
flor da pele com a possibilidade de Cid Gomes assumir o comando da educação
federal, também o clima não ajudou. Ter transformado o evento em um ato
político claramente progressista e de pressão por mudanças de rumo seria muito
mais eficaz do que poupar a presidenta de constrangimentos. A menos que alguns
setores mais íntimos das intrigas palacianas considerem que bom comportamento
sempre é premiado nas reformas ministeriais.
Conteúdo positivo
De forma contraditória, as proposições mais à esquerda no
campo educacional foram todas incorporadas nas resoluções finais da II
Conferência, dentro dos limites da sistemática estabelecida no regimento interno,
o qual engessou em demasia o debate político.
Já registrei que as resoluções da Conferência sofreriam de
um “deley” provocado pelo seu adiamento de fevereiro parra novembro e pelo fato
de que neste intervalo foi aprovado o novo Plano Nacional de Educação e novos
desafios e polêmicas ainda não estavam devidamente colocadas de maneira clara
quando da realização das Conferências Estaduais (realizadas ainda em 2013). Não
permitir emendas novas, com exceção de acordos de redação (unânimes), por um
lado evitou possíveis retrocessos, mas evitou também atualizar posicionamentos
importantes para o período de regulamentação e implementação do PNE.
Este problema de “time” deixou sem resposta adequada da II
Conferência um repúdio explícito a redação do parágrafo 4º artigo 5º da Lei
13.005/2014, que permite ser contabilizado nos investimentos da educação pública
os gastos com subsídios ao setor privado. Tal posicionamento seria aprovado por
ampla maioria, com certeza. E ajudaria a pelo menos inibir uma aceleração de
migração de recursos para o setor privado, como tem sido a lógica do governo
federal que prioriza as bolsas do Pronatec, o financiamento estudantil para o
ensino técnico e as pressões para expansão destes financiamentos para a
educação à distância.
As resoluções, mesmo com estes limites, ajudaram a
consolidar algumas vitórias inscritas nas decisões da I Conae e na tramitação
do novo PNE. Destaco alguns aspectos:
1.
O Custo Aluno Qualidade passou a ser a principal
referência para a reformatação do financiamento da educação básica para a
próxima década. Ele está presente em quase todos os eixos e a II Conferência
aumenta a pressão sobre a nova administração do MEC (a atual poderia fazê-lo,
mas não mostra disposição para tal) para a homologação do Parecer nº 08/2010 do
CNE ou de algum documento que parta do patamar acumulado no Conselho Nacional e
negociado com a sociedade civil.
2.
Considero que pairou no ar da Conferência um
crescente entendimento de que a transição da atual política de fundos (Fundeb
termina sua validade em 2020) deverá sofrer uma aceleração do debate com a
implementação do CAQi nos próximos dois anos.
3.
O conceito de educação inclusiva, que sofreu um
retrocesso na redação da Meta 4 do novo PNE, teve uma grande vitória nas
resoluções da Conferência, fortalecendo um caminho que saiu da tramitação do
PNE questionada, correndo o risco de vivenciarmos uma enorme pressão por
retrocessos no futuro governo.
4.
A necessidade de uma postura mais afirmativa
para o debate da diversidade na educação saiu também bastante fortalecida. As
resoluções incorporaram questões muito significativas em um tema que ocorreram
recuos governamentais, motivados pela pressão fundamentalista. Considerando o
avanço do conservadorismo no Congresso Nacional eleito, as definições da
Conferência reforçam a luta por direitos e contra a discriminação.
5.
Houve uma clara indicação de se acelerar a
criação de um Sistema Nacional de Educação. O debate ainda não desceu com toda
intensidade para a concretização do que seria em termos operacionais o novo
Sistema, mas evoluiu nestes quatro anos. Ficou claro que instâncias federativas
são uma necessidade e que seu caráter normativo e o financiamento são
inseparáveis no debate.
6.
A revisão do papel da União no financiamento da
educação foi um dos temas mais presentes no debate. Ficou nítido um
entendimento de que o combate às desigualdades territoriais (regionais) e
sociais somente serão possíveis com forte ação redistributiva da União.
7.
Dois temas econômicos que apareceram de forma
lateral na campanha eleitoral, tiveram bastante presença na II CONAE. O
primeiro, que aparece na Carta das entidades e nas resoluções, é a necessidade
de regulamentação urgente do Imposto sobre Grandes Fortunas. O segundo tema foi
a necessidade de revisão da Lei de Responsabilidade Fiscal, um dos tabus
macroeconômicos mais conservadores em vigor.
8.
Também apareceu com relevância um questionamento
sobre a necessidade de ocorrer participação dos entes federados e da sociedade
civil na regulamentação do uso dos recursos federais dos royalties e do fundo
social do pré-sal. Carecendo de regulamentação, este quesito ajuda a apressar a
necessidade de se constituir instâncias pactuadoras sobre programas federais,
superando o esquema atual de consultas legitimadoras.
9.
A valorização dos profissionais da educação, com
destaque para a criação de condições para o cumprimento do piso salarial
nacional do magistério, formação inicial e continuada e regras para os planos
de carreira também tiveram inúmeras proposições incorporadas.
Amanhã discutirei o terceiro elemento
avaliativo, ou seja, tentarei apontar quem ganha e quem perde com a realização
e com as resoluções da II Conae e especular um pouco com os cenários do dia
seguinte a realização do evento.
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