Ontem publiquei a primeira parte de minha avaliação inicial
sobre os resultados da II Conae. Hoje discutirei dois aspectos muito relevantes
para a construção de uma avaliação definitiva. O primeiro diz respeito a postura
dos diversos atores sociais e o que conseguiram aprovar nas resoluções,
indicando inclinações políticas e sociais do resultado da Conferência. Ou seja,
quem ganhou e quem perdeu com os resultados da Conferência.
Além disso, apresentarei algumas possiblidades de incidência
de suas deliberações nos embates educacionais vindouros.
O formato da Conae é de um processo de participação social
misto, ou seja, congrega em um só espaço e um só processo diferentes atores sociais,
cada qual com seus interesses específicos. Estavam na conferência os gestores
estatais (das três esferas), os trabalhadores da educação da rede pública e
privada, os dirigentes de instituições privadas (lucrativos ou sem fins
lucrativos), os estudantes e os pais de alunos. Além destes atores diretamente
envolvidos na estrutura da prestação dos serviços, também lá estavam as
entidades acadêmicas e representações de entidades do movimento social não
diretamente vinculadas à educação (mesmo que este termo seja muito relativo),
como ONG de defesa de direitos, centrais sindicais e conselhos municipais e
estaduais de educação.
Começando pelo MEC, este entrou na Conae com o desgaste de
ter adiado (com desculpa pra lá de esfarrapada) o evento e temeroso de ser alvo
de deliberações que “onerassem” financeiramente a União ou que causasse constrangimento
político no final do mandato da atual equipe. O fato da Conferência ter sido
politicamente morna (como já explanei no post passado) ajudou a diminuir a
tensão sobre o MEC. Porém, as deliberações da Conferência realçaram um
entendimento de que o papel da União deve ser revisto. Ao contrário da Conae de
2010, a postura do MEC foi de passar despercebido nos debates, com exceção da
emenda sobre prazo para homologação do parecer do CNE sobre CAQi.
As deliberações foram progressistas e isso fortalece pelo
menos dois polos políticos na sua interlocução com o governo. De um lado, pelo
peso da bancada (cerca de 500 delegados) a CNTE saiu fortalecida. Atuou como
bloco e aprovou um conjunto de emendas. Com a força que tinha poderia ter sido
peça chave na implementação de maior radicalidade dos movimentos perante o
governo. Não senti nenhum gesto nesta direção. Considero que a UNE sofreu do
mesmo mal, ou seja, a preocupação em preservar o governo continua representando
um freio de mão que diminui o papel de polarização política destas entidades.
A Campanha Nacional pelo Direito à Educação, rede composta
de 200 entidades e que havia travado embates quentes com o governo durante a
tramitação do PNE, saiu bastante legitimada. Foi o polo aglutinador das principais
emendas no campo do direito, da diversidade e do financiamento. Protagonizou as
negociações com o MEC sobre o Custo Aluno Qualidade e a construção de um acordo
de redação que cobra do Ministro a constituição de uma comissão com
participação da sociedade civil na regulamentação do CAQi. Pelo fato de ter
mantido independência e ter disputado em vários pontos publicamente com a
orientação do governo, mesmo numa Conferência morna politicamente, a Campanha
se firmou como o polo de questionamento e cobrança sobre as políticas
governamentais. Isso é muito importante para o dia seguinte, especialmente por
que não sabemos quem dirigirá o MEC e se a tentação de credenciar articulações
empresariais junto ao MEC (como ocorreu na gestão Haddad com o Todos pela
Educação) voltará a acontecer.
Há uma ausência sentida na Conferência. Um dos setores com
maior tradição na elaboração de políticas educacionais esteve sub-representado.
Os professores das instituições universitárias estavam parcialmente presentes,
pois haviam delegados da academia que vieram pelas suas entidades (ANFOPE,
ANPED, FORUNDIR, FINEDUCA, por exemplo), mas a não presença do Sindicato
Nacional do setor (ANDES-SN) tornou menor a contribuição. Não acho que o seu
rival (PROIFES) tenha conseguido se credenciar no lugar, considero que as
entidades acadêmicas cumpriram melhor este papel. A presença do ANDES-SN teria contribuído
para elevar o tom de radicalidade, com certeza. E os resultados do evento
desmentem o discurso de setores políticos que acreditavam que nada de
progressistas sairia da Conae.
O setor privado perdeu na Conferência. Foram menos ativos do
que na Conferência passada e propostas de regulação do setor foram facilmente
aprovadas. Porém, alguns pontos polêmicos que marcaram o debate de quatro anos
atrás, não foram tocados nesta Conferência, especialmente a pressão para
programas como o Prouni fossem transitórios. Assim, mesmo não sendo
protagonistas, não podemos afirmar que seus interesses imediatos foram
contrariados. Tudo dependerá da capacidade de algumas proposições incidirem
positivamente em mudanças de rumo na condução das políticas públicas.
Uma Conferência morna, mas com deliberações progressistas
pode cumprir que papel na incidência sobre os rumos do governo e duas
políticas? A resposta para esta pergunta depende do comportamento do governo e,
principalmente, dos atores sociais envolvidos. Vejamos:
1.
A I Conae mostrou que suas deliberações podem
ser importante instrumento político. O Custo aluno Qualidade, aprovado no
evento em 2010, teve mais força na disputa dentro do parlamento devido a
legitimação social de tal decisão. Ao invés de ser uma demanda de uma rede de
entidades, o mesmo passou a ser expressão do conjunto da área educacional.
2.
Propostas se tornam efetivas se segmentos
sociais as levantam e mobilizam os interessados em lutar por elas. Caso isso
aconteça novamente, algumas deliberações da II Conae podem pressionar o governo
e o parlamento positivamente. Vejamos o exemplo da regulamentação do Imposto
Sobre Grandes Fortunas, proposta inserida na Constituição desde 1988 e que
agora pode ganhar milhares de ativistas e centenas de entidades dispostas a
pressionar para que o tema entre na agenda política.
3.
Porém, os temas mais polêmicos precisam de
mobilizações que causarão conflito com o governo. E não senti firmeza nas
principais entidades, especialmente no Proifes, UNE e CNTE, em assumir uma
postura mais conflitiva para além das pautas setorizadas.
4.
Não acho que o governo se sensibilize com
palavras colocadas no papel, em anais de Conferências. O quanto suas
deliberações serão ouvidas está diretamente ligada a capacidade dos atores
sociais beneficiados com as proposições aprovadas de mobilizarem seus pares
para pressionar governo e parlamento. Exemplo disso é o desengavetamento das
ações de combate a homofobia nas escolas, as quais sofreram duro combate dos
fundamentalistas. A deliberação da Conae pode agregar outros segmentos sociais
a luta das entidades da área LGBT.
O início de 2015 será quente. Teremos um novo ministério
(provavelmente com novo ministro e equipe), disputa pela regulamentação do
Custo Aluno Qualidade, debate sobre resolução do Conselho Nacional de Educação
sobre educação à distância e crescerá a discussão sobre a Lei de
Responsabilidade Educacional. As deliberações da II CONAE, caso sejam “compradas”
pelos setores progressistas da sociedade brasileira, poderão incidir de maneira
positiva nos rumos das políticas educacionais.
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