Não tem como ler o relatório
aprovado na CCJ do Senado sem ter na lembrança o saudoso sociólogo Florestan
Fernandes. Ele dizia que "escola pública, de alta qualidade é um requisito
fundamental para a existência da democracia" e dedicou sua vida militante
na defesa de verbas públicas para a escola pública. Naquela época muitos dos
atuais próceres de nossa República comungavam desta bandeira.
Neste eterno embate entre público
e privado temos presenciado, como nos ensina a professora Sofia Vieira, a
diluição das fronteiras. Mas, tais fronteiras só se vão diluindo na legislação
e na prática política, por que os atores sociais vão progressivamente
assimilando a visão de mundo que preside esta diluição.
O relatório do senador Vital do
Rego aperfeiçoou na CCJ as maldades feitas pelo senador Pimentel na CAE no que
diz respeito ao tema. A criação de um parágrafo específico para listar tudo que
é financiamento público para o setor privado que irá ser contabilizado nos 10%
do PIB é demonstração cabal disso.
Quem sou eu para aconselhar
entidade A ou B de como se posicionar sobre as principais polêmicas do plano. A
representatividade das lideranças força que elas entabulem negociações com o
governo e o parlamento. Contudo, há um ditado que diz que além de navegar é
preciso saber o porto de destino.
Li minutos atrás uma nota oficial
da minha gloriosa Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE,
entidade que tive a honra de ajudar a criar e compor sua primeira diretoria. O
texto foi ensejado por acusações de que a referida entidade teria negociado o
conteúdo do relatório do senador Vital do Rego. É muito interessante a
demarcação da entidade em vários elementos discordantes com o texto aprovado,
inclusive a supressão da Estratégia que garantia complementação da União para a
implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial.
Porém, causou-me estranheza o
relato feito pela entidade sobre suas tratativas com o MEC (afinal, se é
necessário negociar um relatório é melhor conversar com quem manda e não com
quem obedece!) sobre o teor do parágrafo 5º do artigo 5º. Transcrevo o texto da
nota abaixo:
Sobre o art. 5º, § 5º do projeto de PNE, que trata das exceções da meta
20 ao investimento público na educação pública, a CNTE apresentou emenda para
corrigir a redação aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que
excedia, indiscriminadamente, o acordo
firmado entre o MEC e entidades da sociedade prevendo o cômputo dos
investimentos públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e
que, se cessadas, poderiam causar inúmeros prejuízos aos que estão sendo
atendidos por elas. Posteriormente, o MEC inseriu no rol das exceções a
creche e a educação especial – esta última na perspectiva de aproximar o texto
do Senado ao da Câmara – e, sem qualquer comunicado às entidades, inseriu
também a pré-escola, com que a CNTE não concorda. Ademais, o MEC deixou de
indicar no texto da meta 20 a
preferência do investimento público para a educação pública, ressalvadas as exceções
devidamente listadas no artigo da Lei.
Registro a minha humilde
discordância com o caminho trilhado na negociação entre a CNTE (e outras
entidades da sociedade civil não nominadas no texto) e o MEC, onde foi aceito
por elas inserir como parte dos recursos necessários a efetivação do PNE os investimentos
públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e que são
direcionadas ao setor privado. Esta aceitação levou em consideração o risco de
que tais ações fossem cessadas.
Vejamos o que se esconde por trás
desta preocupação singela:
1. O cálculo de 10% do PIB,
apresentado pelos pesquisadores e pela Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, embutia um conceito de que oferta de vagas a serem criadas nos
próximos dez anos teria como primazia o setor público. Exemplo disso era que na
planilha do MEC a participação pública no ensino superior seria de 26% e a
sociedade civil defendia na sua planilha uma participação de 60% do poder
público. É lógico que sendo apenas 26% e ainda este percentual ser operado 50%
à distância, como é a intenção do MEC, o custo será mais barato. Na Câmara se
conseguiu inserir 40% de vagas públicas de novas matrículas, mas só relatórios
de Pimentel e Vital do Rego derrubaram esta referência.
2. Afirmar que os programas e
ações serão encerrados significa acreditar que não é possível ampliar a rede
pública em áreas com forte presença privada na próxima década, discurso falso e
usado para enganar desavisados e constranger aliados encurralados entre a
pressão de suas bases por mais recursos e a pressão do governo que quer manter
seus compromissos com o mercado financeiro, que consome metade do orçamento
federal todos os anos. Quer dizer que as entidades foram convencidas pelo
ministro de que 10% para a educação público é inviável financeiramente? Esta é
a consequência da leitura.
Prefiro ficar com a coerência de
Florestan, manter a bandeira histórica de verbas públicas somente para a escola
pública. A diluição das fronteiras tem levado a parcerias como a registrada no
dia de hoje em Belo
Horizonte , a substituição da criação de novos IFETs por
bolsas para o sistema S, troca de novas universidades em ritmo necessário por
mais crédito subvencionado para alunos frequentarem instituições particulares,
com a consequente compra da possível inadimplência pelo poder público.
Estes dias li um release de uma
palestra do ex-deputado federal Carlos Abicalil, assim como eu também
ex-dirigente nacional da CNTE. Ele disse que “precisamos continuar lutando para que a educação seja um
direito universal, digno e igual para todos e todas. Não podemos perder o
direito fundamental da educação estatal". Exatamente isso que estou
reivindicando, não perder o rumo de que para ser um direito de todos a primazia
da oferta educacional deve ser estatal.
É papel das entidades forçar
negociações com os governos. Porém, fazer emendas no parágrafo 5º do artigo 5º
ou se queixar que o governo piorou o texto "sem qualquer comunicado às
entidades" é aceitar a derrota nesta guerra pela garantia do direito à
educação. É o caminho do reforço da diluição ainda maior das fronteiras entre o
público e privado.
Um comentário:
É por isso que vou dar um pontapé no rabo da Dilma e seus apaninguados. Agora rui mesmo é esse desgovernador do PSDB no Pará...Também vai levar um baita pontapé no traseiro.
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