sexta-feira, 27 de setembro de 2013

Público versus privado e a escolha de lado


Não tem como ler o relatório aprovado na CCJ do Senado sem ter na lembrança o saudoso sociólogo Florestan Fernandes. Ele dizia que "escola pública, de alta qualidade é um requisito fundamental para a existência da democracia" e dedicou sua vida militante na defesa de verbas públicas para a escola pública. Naquela época muitos dos atuais próceres de nossa República comungavam desta bandeira.

 

Neste eterno embate entre público e privado temos presenciado, como nos ensina a professora Sofia Vieira, a diluição das fronteiras. Mas, tais fronteiras só se vão diluindo na legislação e na prática política, por que os atores sociais vão progressivamente assimilando a visão de mundo que preside esta diluição.

 

O relatório do senador Vital do Rego aperfeiçoou na CCJ as maldades feitas pelo senador Pimentel na CAE no que diz respeito ao tema. A criação de um parágrafo específico para listar tudo que é financiamento público para o setor privado que irá ser contabilizado nos 10% do PIB é demonstração cabal disso.

 

Quem sou eu para aconselhar entidade A ou B de como se posicionar sobre as principais polêmicas do plano. A representatividade das lideranças força que elas entabulem negociações com o governo e o parlamento. Contudo, há um ditado que diz que além de navegar é preciso saber o porto de destino.

 

Li minutos atrás uma nota oficial da minha gloriosa Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação - CNTE, entidade que tive a honra de ajudar a criar e compor sua primeira diretoria. O texto foi ensejado por acusações de que a referida entidade teria negociado o conteúdo do relatório do senador Vital do Rego. É muito interessante a demarcação da entidade em vários elementos discordantes com o texto aprovado, inclusive a supressão da Estratégia que garantia complementação da União para a implantação do Custo Aluno-Qualidade Inicial.

 

Porém, causou-me estranheza o relato feito pela entidade sobre suas tratativas com o MEC (afinal, se é necessário negociar um relatório é melhor conversar com quem manda e não com quem obedece!) sobre o teor do parágrafo 5º do artigo 5º. Transcrevo o texto da nota abaixo:

 

 

Sobre o art. 5º, § 5º do projeto de PNE, que trata das exceções da meta 20 ao investimento público na educação pública, a CNTE apresentou emenda para corrigir a redação aprovada na Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, que excedia, indiscriminadamente, o acordo firmado entre o MEC e entidades da sociedade prevendo o cômputo dos investimentos públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e que, se cessadas, poderiam causar inúmeros prejuízos aos que estão sendo atendidos por elas. Posteriormente, o MEC inseriu no rol das exceções a creche e a educação especial – esta última na perspectiva de aproximar o texto do Senado ao da Câmara – e, sem qualquer comunicado às entidades, inseriu também a pré-escola, com que a CNTE não concorda. Ademais, o MEC deixou de indicar no texto da meta 20 a preferência do investimento público para a educação pública, ressalvadas as exceções devidamente listadas no artigo da Lei.

 

Registro a minha humilde discordância com o caminho trilhado na negociação entre a CNTE (e outras entidades da sociedade civil não nominadas no texto) e o MEC, onde foi aceito por elas inserir como parte dos recursos necessários a efetivação do PNE os investimentos públicos em ações do Governo que já se encontram em andamento e que são direcionadas ao setor privado. Esta aceitação levou em consideração o risco de que tais ações fossem cessadas.

 

Vejamos o que se esconde por trás desta preocupação singela:

 

1. O cálculo de 10% do PIB, apresentado pelos pesquisadores e pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, embutia um conceito de que oferta de vagas a serem criadas nos próximos dez anos teria como primazia o setor público. Exemplo disso era que na planilha do MEC a participação pública no ensino superior seria de 26% e a sociedade civil defendia na sua planilha uma participação de 60% do poder público. É lógico que sendo apenas 26% e ainda este percentual ser operado 50% à distância, como é a intenção do MEC, o custo será mais barato. Na Câmara se conseguiu inserir 40% de vagas públicas de novas matrículas, mas só relatórios de Pimentel e Vital do Rego derrubaram esta referência.

 

2. Afirmar que os programas e ações serão encerrados significa acreditar que não é possível ampliar a rede pública em áreas com forte presença privada na próxima década, discurso falso e usado para enganar desavisados e constranger aliados encurralados entre a pressão de suas bases por mais recursos e a pressão do governo que quer manter seus compromissos com o mercado financeiro, que consome metade do orçamento federal todos os anos. Quer dizer que as entidades foram convencidas pelo ministro de que 10% para a educação público é inviável financeiramente? Esta é a consequência da leitura.

 

Prefiro ficar com a coerência de Florestan, manter a bandeira histórica de verbas públicas somente para a escola pública. A diluição das fronteiras tem levado a parcerias como a registrada no dia de hoje em Belo Horizonte, a substituição da criação de novos IFETs por bolsas para o sistema S, troca de novas universidades em ritmo necessário por mais crédito subvencionado para alunos frequentarem instituições particulares, com a consequente compra da possível inadimplência pelo poder público.

 

Estes dias li um release de uma palestra do ex-deputado federal Carlos Abicalil, assim como eu também ex-dirigente nacional da CNTE. Ele disse que “precisamos continuar lutando para que a educação seja um direito universal, digno e igual para todos e todas. Não podemos perder o direito fundamental da educação estatal". Exatamente isso que estou reivindicando, não perder o rumo de que para ser um direito de todos a primazia da oferta educacional deve ser estatal.

 

É papel das entidades forçar negociações com os governos. Porém, fazer emendas no parágrafo 5º do artigo 5º ou se queixar que o governo piorou o texto "sem qualquer comunicado às entidades" é aceitar a derrota nesta guerra pela garantia do direito à educação. É o caminho do reforço da diluição ainda maior das fronteiras entre o público e privado.

 

 

 

Um comentário:

J. Black disse...

É por isso que vou dar um pontapé no rabo da Dilma e seus apaninguados. Agora rui mesmo é esse desgovernador do PSDB no Pará...Também vai levar um baita pontapé no traseiro.