O relatório do Senador Pimentel (PT/CE) ao PLC 103 de 2012,
que estabelece o novo Plano Nacional de Educação, reacendeu um debate
conceitual acerca da forma de prestação de serviço educacional em nosso país.
Este debate conceitual está por trás das principais polêmicas quando da
elaboração das LDBs e dos Capítulos de educação desde que o mundo é mundo.
A Constituição de 1988 estabeleceu no seu artigo 205 que a
educação é um direito de todos, um dever do Estado e da família. Ao mesmo tempo
em que a CF estabeleceu este status para a educação, abriu enormes brechas para
que o serviço fosse também oferecido pela iniciativa privada. No inciso III do
artigo 206 está garantida a “coexistência de instituições públicas e privadas
de ensino”. E no artigo 213 afirmou que “os recursos públicos serão destinados
às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias,
confessionais ou filantrópicas”.
Tenho concordância com a definição de que a “escola pública
é aquela financiada com recursos públicos, provenientes da receita de impostos,
mantidas e administradas pelas diferentes instâncias do Poder Público (VIEIRA,
2008, pag. 79). O direito à educação só será para todos se houver a prestação
estatal da oferta de educação. Caso contrário, a renda e outros fatores serão
determinantes ao acesso ao direito, tornando de direito de todos a direitos
para alguns, especialmente no Brasil onde a desigualdade social é tão profunda.
O debate sobre público e gratuito que o relator reacendeu
está vinculado a prevalência de um modelo de expansão dos serviços educacionais
que Fernando Henrique teorizou e radicalizou, que Lula manteve e aprofundou e
que Dilma dá continuidade abrindo novas frentes de atuação. E nesta ação eles
não são nada criativos, apenas atualizam a política defendida pelos
neoliberais. Para estes três gestores públicos o serviço educacional não
precisa ser prestado diretamente pelo poder público para cumprir a
Constituição, pode perfeitamente ser prestado por particulares, desde que seja
preservada a gratuidade para o cidadão.
E como é que se garante a gratuidade? Por meio de subsídios,
convênios ou renúncias fiscais, ou dito de outra forma, por intermédio do
repasse de recursos do fundo público para o setor privado.
Há uma reedição da batalha entre público e privado, a qual
vire e mexe está no fundo das principais políticas públicas. Às vésperas de
aprovarmos mais um plano nacional de educação e estabelecermos metas de
crescimento da oferta educacional, cabe definir quem bancará esta expansão.
As palavras do relator são elucidativas e, ao mesmo tempo,
representativas do pensamento hegemônico no governo federal e na oposição
conservadora: ao se referir ao setor privado, o relator diz que a atuação deveria
ser supletiva à do Estado, mas que a mesma acabou por se firmar como
indispensável, em especial na educação superior.
O governo federal vem aprofundando um modelo compartilhado
de crescimento da oferta no ensino superior e agora também no ensino
profissionalizante. Ao mesmo tempo que mantém algum crescimento da rede pública,
há um investimento maior no subsídio e na geração das condições econômicas para
que o setor privado continue crescendo. No ensino superior isso acontece via
renúncia fiscal no Prouni e pelo aumento da linha de crédito do FIES. No ensino
profissionalizante começou a ser implementando o Pronatec, que nada mais é do
que a concessão de bolsas para incentivar a oferta gratuita de vagas pelo setor
privado, especialmente pelo Sistema S.
Esta é uma reedição de uma importante discussão que os
segmentos sociais comprometidos com a defesa da escola pública travaram na
constituinte. Naquela oportunidade queríamos que os recursos públicos fossem
direcionados exclusivamente para financiar a rede pública, esta entendida no
conceito transcrito de Sofia Lerche Vieira mais acima.
Perdemos esta batalha e os privatistas conseguiram
transformar o que seria a presença de uma rede privada devido ao “direito de
escolha” da elite em colocar seus filhos separados dos pobres, para se tornar
um negócio subsidiado pelo poder público. Aliás, nada mais brasileiro do que
este tipo de empreendimento capitalista, sem riscos de concorrência e garantido
por generosas transferências estatais.
Agora, depois de termos conseguido preservar uma presença
estatal significativa na educação básica, corremos o risco de ver surgir por
vias transversas, um modelo hibrido, uma reelaboração do que o Chile
experimentou durante o governo Pinochet e que não foi desmontado pelos governos
eleitos democraticamente naquele país.
O que mais me angustia é a postura contraditória que
presencio em boa parte das representações do movimento social. Antes estávamos
todos empunhando a bandeira de verbas públicas somente para escolas públicas.
Agora vejo muitos movimentos, em especial o estudantil (pelo menos de forma majoritária)
aceitar o subsídio ao setor privado como algo progressista e inovador. É um
rebaixamento de perspectiva e uma negação de nosso passado recente.
A retirada da palavra “pública” da metas 11 e 12 é tão
relevante quanto a transformação do indicador que irá mensurar o investimento
público na próxima década. Aliás, as modificações guardam profunda coerência e
devem ser combatidas de conjunto, caso contrário o movimento social estará
sendo profundamente contraditório e sua ação totalmente ineficaz.
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