segunda-feira, 13 de maio de 2013

Público ou gratuito?


O relatório do Senador Pimentel (PT/CE) ao PLC 103 de 2012, que estabelece o novo Plano Nacional de Educação, reacendeu um debate conceitual acerca da forma de prestação de serviço educacional em nosso país. Este debate conceitual está por trás das principais polêmicas quando da elaboração das LDBs e dos Capítulos de educação desde que o mundo é mundo.

A Constituição de 1988 estabeleceu no seu artigo 205 que a educação é um direito de todos, um dever do Estado e da família. Ao mesmo tempo em que a CF estabeleceu este status para a educação, abriu enormes brechas para que o serviço fosse também oferecido pela iniciativa privada. No inciso III do artigo 206 está garantida a “coexistência de instituições públicas e privadas de ensino”. E no artigo 213 afirmou que “os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas”.

Tenho concordância com a definição de que a “escola pública é aquela financiada com recursos públicos, provenientes da receita de impostos, mantidas e administradas pelas diferentes instâncias do Poder Público (VIEIRA, 2008, pag. 79). O direito à educação só será para todos se houver a prestação estatal da oferta de educação. Caso contrário, a renda e outros fatores serão determinantes ao acesso ao direito, tornando de direito de todos a direitos para alguns, especialmente no Brasil onde a desigualdade social é tão profunda.

O debate sobre público e gratuito que o relator reacendeu está vinculado a prevalência de um modelo de expansão dos serviços educacionais que Fernando Henrique teorizou e radicalizou, que Lula manteve e aprofundou e que Dilma dá continuidade abrindo novas frentes de atuação. E nesta ação eles não são nada criativos, apenas atualizam a política defendida pelos neoliberais. Para estes três gestores públicos o serviço educacional não precisa ser prestado diretamente pelo poder público para cumprir a Constituição, pode perfeitamente ser prestado por particulares, desde que seja preservada a gratuidade para o cidadão.

E como é que se garante a gratuidade? Por meio de subsídios, convênios ou renúncias fiscais, ou dito de outra forma, por intermédio do repasse de recursos do fundo público para o setor privado.

Há uma reedição da batalha entre público e privado, a qual vire e mexe está no fundo das principais políticas públicas. Às vésperas de aprovarmos mais um plano nacional de educação e estabelecermos metas de crescimento da oferta educacional, cabe definir quem bancará esta expansão.

As palavras do relator são elucidativas e, ao mesmo tempo, representativas do pensamento hegemônico no governo federal e na oposição conservadora: ao se referir ao setor privado, o relator diz que a atuação deveria ser supletiva à do Estado, mas que a mesma acabou por se firmar como indispensável, em especial na educação superior.

O governo federal vem aprofundando um modelo compartilhado de crescimento da oferta no ensino superior e agora também no ensino profissionalizante. Ao mesmo tempo que mantém algum crescimento da rede pública, há um investimento maior no subsídio e na geração das condições econômicas para que o setor privado continue crescendo. No ensino superior isso acontece via renúncia fiscal no Prouni e pelo aumento da linha de crédito do FIES. No ensino profissionalizante começou a ser implementando o Pronatec, que nada mais é do que a concessão de bolsas para incentivar a oferta gratuita de vagas pelo setor privado, especialmente pelo Sistema S.

Esta é uma reedição de uma importante discussão que os segmentos sociais comprometidos com a defesa da escola pública travaram na constituinte. Naquela oportunidade queríamos que os recursos públicos fossem direcionados exclusivamente para financiar a rede pública, esta entendida no conceito transcrito de Sofia Lerche Vieira mais acima.

Perdemos esta batalha e os privatistas conseguiram transformar o que seria a presença de uma rede privada devido ao “direito de escolha” da elite em colocar seus filhos separados dos pobres, para se tornar um negócio subsidiado pelo poder público. Aliás, nada mais brasileiro do que este tipo de empreendimento capitalista, sem riscos de concorrência e garantido por generosas transferências estatais.

Agora, depois de termos conseguido preservar uma presença estatal significativa na educação básica, corremos o risco de ver surgir por vias transversas, um modelo hibrido, uma reelaboração do que o Chile experimentou durante o governo Pinochet e que não foi desmontado pelos governos eleitos democraticamente naquele país.

O que mais me angustia é a postura contraditória que presencio em boa parte das representações do movimento social. Antes estávamos todos empunhando a bandeira de verbas públicas somente para escolas públicas. Agora vejo muitos movimentos, em especial o estudantil (pelo menos de forma majoritária) aceitar o subsídio ao setor privado como algo progressista e inovador. É um rebaixamento de perspectiva e uma negação de nosso passado recente.

A retirada da palavra “pública” da metas 11 e 12 é tão relevante quanto a transformação do indicador que irá mensurar o investimento público na próxima década. Aliás, as modificações guardam profunda coerência e devem ser combatidas de conjunto, caso contrário o movimento social estará sendo profundamente contraditório e sua ação totalmente ineficaz.

 

 

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