Após 143
dias, o relator do Plano Nacional de Educação na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal, Senador José Pimentel (PT-CE), apresentou seu
novo relatório sobre a matéria. De 17 de dezembro de 2012 a 09 de maio de 2013,
a educação pública brasileira aguardou ansiosamente pelo parecer, na esperança
de ver serem mantidas conquistas importantes no texto aprovado na Câmara dos
Deputados. Adicionalmente, ansiava por aperfeiçoamentos no texto das Metas 4, 7
e 19, e suas respectivas estratégias.
No
entanto, embora o relatório do Senador Pimentel tenha melhorado na forma, em
aspectos conceituais e práticos retrocede.
A nova
redação da Meta 4, que trata, principalmente, da inclusão das pessoas com
deficiência na rede regular de ensino, traz retrocesso conceitual. Ao ressalvar
a inclusão em “casos específicos atestados por laudo médico competente,
validado pelos sistemas de ensino”, se equivoca em dois aspectos: em primeiro
lugar, o direito à educação é um direito humano e constitucional, não pode ser
ressalvado em quaisquer hipóteses. Em segundo lugar, retoma um paradigma
superado em todo mundo: aquele que trata a deficiência como doença, correndo-se
o risco de medicalização da educação.
Diferente
de todas as demais metas e tópicos do PNE, a melhor redação da Meta 4 foi
aquela proposta pelo Ministério da Educação, no texto original do plano,
encaminhado em dezembro de 2010 ao Congresso Nacional. Tanto é assim, que as
redações tanto da Meta, como das estratégias, não receberam propostas de
alteração por parte da sociedade civil. Portanto, e somente nesse caso, é
preciso retomar o texto original.
Na Meta
5, diferente do correto texto da Câmara dos Deputados, que serviu de referência
ao PNAIC (Programa Nacional de Alfabetização na Idade Certa), a proposta de
Pimentel é trabalhar com a idade das crianças e não com o ano letivo correspondente
ao ciclo de alfabetização. O ideal é congregar ambos. A lei do PNAIC, bastante
recente, determina a alfabetização de todas as crianças até os 8 anos de idade
e ao final do 3º ano do ensino fundamental. É um tema polêmico, mas que vem
sendo debatido desde 2003 no Brasil.
A menção
ao 3º ano é necessária, pois a gestão dos sistemas de ensino não se orienta
pela idade dos alunos e sim pelos anos letivos contados dentro de um ciclo ou
etapa da educação básica. Ademais, diferente daquilo que já foi estabelecido
pelo recente programa do Governo Federal e negociado com os demais entes
federados, trabalhadores da educação e pedagogos, Pimentel propôs uma nova
meta: que, ao final do PNE, todas as crianças até os 6 anos de idade estejam
alfabetizadas.
Sem
retomar importantes questões pedagógicas e cognitivas, adiantar desse modo uma
meta intensamente negociada, provavelmente, não terá significado prático. É
melhor garantir a alfabetização plena aos 8 anos de idade e ao final do 3º ano
do ensino fundamental, tal como já foi estudado e estabelecido pelo PNAIC, do
que alfabetizar rápido e mal todas as crianças até o 6o ano de idade, inclusive
correndo-se o risco de se escolarizar a educação infantil.
Na Meta
11, das mais de 2,2 milhões de matrículas de educação profissional a serem
criadas, segundo projeções do deputado Angelo Vanhoni (PT-PR), relator do PNE
na Câmara dos Deputados, foi determinado que metade delas, cerca de 1,1 milhão,
fosse de responsabilidade do Poder Público. Já na Meta 12, também pelo texto da
Câmara dos Deputados e, novamente, conforme as estimativas do deputado
paranaense, das quase 6 milhões de matrículas a serem criadas no ensino
superior, 40% deveriam ser públicas (2,4 milhões).
Em nota,
conforme informa matéria publicada hoje no jornal “O Estado de S. Paulo”, o
Ministério da Educação afirma que com as medidas, o relatório de Pimentel
protege “programas vitais, que promovem a inclusão, como o Ciência sem
Fronteiras, o Programa Universidade Para Todos (ProUni), o Programa Nacional de
Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) e o Fundo de Financiamento
Estudantil (FIES)”.
Na letra
fria do texto, não é disso que se trata. Em ambas as metas, 11 e 12, o texto do
relator na CAE do Senado Federal substitui a expansão de vagas públicas (ainda
que em número menor) por vagas gratuitas. Ou seja, não apenas amplia
iniciativas como o ProUni e Pronatec, programas importantes, mas com
características emergenciais e transitórias, mas compreende que toda a expansão
de vagas se dará por eles, ou por iniciativas similares de parcerias
público-privadas ainda não discutidas, o que é ainda mais preocupante e
temerário, haja vista que o PNE é um instrumento do Estado brasileiro, com
abrangência superior e anterior aos mandatos dos governos.
Em outras
palavras, especialmente o governo federal, mas também os governos subnacionais,
serão desresponsabilizados de expandir a educação profissional e o ensino
superior em estabelecimentos próprios, marcadamente aqueles que apresentam
melhor qualidade e que tem sido centrais ao desenvolvimento do país. Ao
contrário, poderão ser promovidos programas de bolsas de estudo em
estabelecimentos bem menos qualificados, o que é muito menos custoso, mas nada
estratégico em termos econômicos. Em resumo, o Brasil precisa superar sua
tradição de apenas expandir matrículas. É preciso incluir os jovens em cursos
de educação profissional e superior que ofereçam educação de qualidade.
A
desresponsabilização do Poder Público nas Metas 11 e 12 acarretou consequências
ao texto da Meta 20. Nesse caso específico, a redação da Câmara dos Deputados
respeitava, corretamente, o princípio do financiamento público para a educação
pública, a partir das projeções discorridas acima e outras, relativas à
educação básica. Por lógica, o conjunto do Estado brasileiro só pode e deve
projetar demanda de custos sobre os estabelecimentos de sua responsabilidade,
ou sobre programas formalmente constituídos. Mas há outros problemas no que
tange a sustentação financeira e de gestão do PNE, relativo ao mecanismo do
CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial), como será visto mais a frente.
Antes e
em primeiro lugar, no texto proposto pelo relator na CAE do Senado Federal, foi
extraída a meta intermediária que determinava que o investimento público em
educação pública deveria alcançar um patamar equivalente a 7% do PIB até o 5º
ano de vigência do PNE. Qualquer plano sério exige metas intermediárias, mas
isso foi ignorado. Ademais, com essa mudança, a presidenta Dilma Rousseff ou
qualquer outro/a candidato/a que vença o pleito em 2014, ficará
desreponsabilizado de ampliar o financiamento da educação pública, deixando
todo dispêndio de recursos para seu sucessor. Ou seja, a Meta mais debatida e
estratégica do PNE, se for mantido o texto proposto por Pimentel, tende a ficar
inviável.
Seguindo
a sequência do texto, para fazer jus às perigosas mudanças nas Metas 11 e 12, o
investimento público de 10% do PIB menciona apenas o termo “educação”,
permitindo a transferência de recursos públicos para estabelecimentos privados,
sem qualquer delimitação sobre os programas a serem beneficiados, nem os
necessários critérios de transitoriedade. Com isso, se prevalecer o texto de
Pimentel, fica aberta uma porta de saída de recursos públicos, que ao invés de
fortalecer as escolas e universidades públicas, pode ser determinante para seu
enfraquecimento.
Ainda no
tocante à Meta 20, o relator desobrigou o Poder Público, especialmente a União,
de implementar o mecanismo do CAQi (Custo Aluno-Qualidade Inicial). O texto da
Câmara dos Deputados exigia a implementação do CAQi após 2 anos de vigência do
PNE. Já na redação de Pimentel, o texto apenas obriga o Ministério da Educação
a “definir” o CAQi no mesmo prazo.
Não se
trata de uma mudança pequena. Ao contrário, é muito grave. O CAQi é a principal
referência para se garantir a boa gestão dos recursos do PNE. Criado em 2007
pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação, este mecanismo determina quanto
deve ser aplicado, por aluno ao ano, para as escolas públicas garantirem, ao
menos, um padrão mínimo de qualidade, conforme critérios determinados pela LDB
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e considerando valores diferenciados
para cada etapa da educação básica.
É um
instrumento tão sério e reconhecido pela comunidade educacional, que além de
ser aprovado pelos delegados e delegadas da Conae/2010 (Conferência Nacional de
Educação) e constar do Documento Referência da Conae/2014, foi incorporado e
normatizado pela CEB (Câmara de Educação Básica) do CNE (Conselho Nacional de
Educação).
No
entanto, infelizmente, o parecer e a proposta de resolução que normatizam o
CAQi, por ora codificado como parecer CEB/CNE 8/2010, aguarda homologação do
MEC (Ministério da Educação) desde maio de 2010; ou seja, se encontra congelado
no Ministério há 3 anos. Em outras palavras, gravemente, o texto de Pimentel,
ao ignorar a séria falta de homologação por parte do MEC, concede ainda mais 2
anos para a pasta desconsiderar o trabalho realizado pela Campanha Nacional
pelo Direito à Educação, o voto dos milhões de participantes da Conae/2010,
além da própria deliberação da Câmara dos Deputados, onde o mecanismo foi
amplamente debatido e apoiado. E o pior: não define qualquer prazo para a
implementação desse importante instrumento. Mais uma vez, o Poder Público fica
desresponsabilizado.
E é daí
que decorre um grave erro de lógica, pois a Estratégia 20.8 diz que a União
deverá complementar recursos aos Estados e Municípios que não alcançarem o
valor o CAQi. No entanto, não é possível haver complementação de recursos por
meio de um mecanismo que sequer tem prazo para implementação. Assim, segundo o
próprio texto do relator, a União ficará mais uma vez desresponsabilizada de
cumprir com sua obrigação constitucional, determinada pelo Art. 211 da CF/88,
de colaborar técnica e financeiramente com os demais entes federados, de forma
supletiva.
Para
piorar o quadro, infelizmente, diferente do ocorrido em outras Metas e
Estratégias, não há no relatório qualquer justificativa para as alterações nos
tópicos que tratam do mecanismo do CAQi.
A rede da
Campanha Nacional pelo Direito à Educação espera que os senadores e senadoras –
especialmente, o próprio relator da matéria na CAE, Senador José Pimentel –
aprovem um texto de PNE capaz de confirmar e aperfeiçoar as conquistas
estabelecidas na Câmara dos Deputados.
É preciso
que o texto do Senado Federal amplie as conquistas, com celeridade. E isso não
será possível aprovando-se um texto incapaz de responsabilizar seriamente o
Estado brasileiro por meio de mecanismos concretos e objetivos de fortalecimento
da educação pública, que é a educação de todos e todas, para todos e todas.
O Brasil
precisa de um “PNE pra Valer!”. E nós, rede da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, vamos trabalhar incansavelmente por esse objetivo, cumprindo com
nosso papel mobilizador, articulador, analítico e propositivo, certos de que
teremos uma boa interlocução com todos os senadores e todas as senadoras.
E um “PNE
pra Valer!” é um PNE que respeite as deliberações da Conae/2010.
Assina: Comitê Diretivo da Campanha
Nacional pelo Direito à Educação.
Ação
Educativa
ActionAid
Brasil
CCLF (Centro de Cultura Luiz Freire)
Cedeca-CE (Centro de Defesa da Criança e
do Adolescente do Ceará)
CNTE (Confederação Nacional dos
Trabalhadores em Educação)
Fundação
Abrinq pelos Direitos da Criança e do Adolescente
Mieib (Movimento Interfóruns de
Educação Infantil do Brasil)
MST (Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra)
Uncme (União Nacional dos Conselhos
Municipais de Educação)
Undime (União Nacional dos Dirigentes
Municipais de Educação)
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