Ontem, no Jornal Valor Econômico, tive a oportunidade de ler
uma longa entrevista do atual ministro da educação, professor Renato Janine ( http://migre.me/q86qh ). O mote da entrevista
foram os dois primeiros meses na condução da pasta educacional. Confesso que
fiquei bastante frustrado com o que li.
Na referida entrevista o ministro afirma que ainda está se
inteirando dos diversos programas e ações da pasta. Se isso sempre será verdade
como regra (nunca conhecemos um objeto na sua plenitude), mas é assustador que,
passados dois meses, um ministro use como atenuante de pouca coisa para mostrar
o fato de ainda estar conhecendo o ministério.
Em seguida, afirma que teve garantias da presidente Dilma de
que as ações estruturantes da pasta serão poupadas. Acontece que no texto não
encontrei nenhuma indicação (falta total de transparência!) do que efetivamente
será cortado, posto que não é tarefa simples reduzir 9,4 bilhões no orçamento
da área. O que não será feito este ano? Qual o prejuízo político e educacional
dos cortes? Quais são os programas estruturantes? Nenhuma palavra.
Por várias vezes o ministro afirma que a educação básica
será prioridade e que as universidades devem estar atentas para isso. Cita a
questão da formação dos professores, “que está na competência das universidades
e muitas vezes não fica a contento”. Pareceu-me uma repetição do diagnóstico
feito pelo Mangabeira sobre o problema. Quais as providências para que as
universidades se tenham maior engajamento na formação dos professores? Como conciliar
a necessidade de expansão da oferta pública nesta área com o corte
orçamentário, o qual impede expandir serviços, já que está difícil manter o que
já existe?
Na entrevista ficou claro que o ministro fez um esforço para
se inteirar sobre o Plano Nacional de Educação. Certamente as audiências com
entidades acadêmicas e da sociedade civil deve ter ajudado neste processo. Mas
expressou equívocos recorrentes na pasta, especialmente sobre o financiamento.
Afirmou que a Meta 17 requer muito dinheiro, mas que “é com Estados e
Municípios antes de mais nada”. É verdade, mas sem apoio federal a meta de
melhoria salarial dos professores não se efetivará.
Duas colocações me impressionaram. A primeira, sobre o
percentual do PIB inscrito no PNE o ministro afirmou que o alcance de 10% pode
ser uma fantasia (“se isso foi uma fantasia, eu não posso dizer”). É uma fala desrespeitosa
com todo o debate travado na Câmara e no Senado sobre o tema. Certamente o
ministro deveria se inteirar melhor sobre o financiamento da educação. Comparar
o quanto os países da OCDE aplicam em educação e usar isso como parâmetro para
não aumentar nosso investimento é totalmente errôneo. Se o Brasil já tivesse
incluído milhões de brasileiros nas escolas, não tivesse 14 milhões de
analfabetos plenos e quase 30 milhões de analfabetos funcionais, se a distorção
idade-série não fosse um problema, se existisse um padrão mínimo de atendimento
educacional, ou seja, se tivéssemos feito a lição de casa que os países
europeus fizeram a décadas atrás, certamente o debate sobre recursos seria bem
diferente. Um ministro que considera fantasioso o principal ponto previsto no
PNE não estará comprometido com a sua execução. Ou só trabalhará para executar
o que julgar não fantasioso do que estiver escrito na norma.
E a segunda colocação foi dizer que há uma mudança de
política não percebida pelas pessoas e que “não é mais você pedir que o Estado
provedor pague tudo, mas a sociedade assumir a sua responsabilidade”. Vejamos:
1.
A educação é um direito de todos e DEVER do
Estado. Que eu saiba o artigo 205 da Constituição Federal não foi revisto.
2.
A sociedade brasileira tem se responsabilizado
pelo pagamento de tributos para que o Estado cumpra a sua parte. E isto tem
acontecido de maneira desproporcional, sendo que os assalariados carregam um
peso maior do que os ricos neste esforço cotidiano.
3.
Há, realmente, uma linha política que permeia
governos petistas e tucanos, de retirar das mãos do Estado a responsabilidade
de prover os serviços, mas isso acontece para redirecionar o gasto público para
as prioridades por estes governos escolhidas (pagar os encargos da dívida, por
exemplo). E estamos vivendo progressivo repasse de obrigações estatais para o
setor privado (que muitos, como o ministro, usam como sinônimo de sociedade).
Basta ver o que está acontecendo ou sendo proposto no documento do Mangabeira,
no Rio Grande do Sul, em Goiás e em inúmeras cidades paulistas.
O ministro, que está ainda se inteirando, afirmou de forma
definitiva de que não existe penúria nas universidades, que as reclamações são
uma falta de perspectiva histórica de quem afirma tal coisa. Disse que “quando
você começa a ver que pode ter o necessário, aumenta a sua demanda”.
Interessante argumentação. Por este raciocínio, o MEC garantiu nos últimos anos
o necessário para o funcionamento das universidades e as queixas atuais é
apenas um aumento de demanda. E isso foi falado quando os funcionários das
universidades estão paralisados e parte grande dos professores também. E todo
dia estoura uma notícia de precarização de serviços essenciais. A falta de
segurança e limpeza em determinadas universidades deve ser este aumento de
demanda referida pelo ministro.
E, num esforço de ocupar algum protagonismo no debate da
Pátria Educadora, posto que até o momento o MEC tem sido omisso sobre o tema, o
ministro saiu como uma frase de efeito. Afirmou que “Pátria Educadora em boa
parte é dar carne para o osso, que é o Plano Nacional de Educação. O PNE é um
arcabouço. Como você dá vida a tudo isso é tudo que vai compor a Pátria
Educadora”.
É certo que é dever do MEC (assim que o ministro se inteirar
sobre os programas e ações que é responsável!) materializar de forma prática as
metas e estratégias de sua responsabilidade e ajudar os demais entes federados
nesta tarefa. São programas e ações governamentais que tornarão viável o PNE. E
o anúncio de medidas concretas sobre o assunto é o que mais o cidadão espera de
um ministro diante de uma lei que completará um ano neste mês. Vejamos alguns
exemplos concretos, apenas como sugestão de caminhos para o Ministro:
1.
A Meta 1, que trata da educação infantil, tem
estratégias que dependem de aporte federal para acontecer. Os recursos do
Proinfância estão na lista dos projetos estruturantes? Serão turbinados ou são
suficientes?
2.
A Meta 11, que trata da expansão da educação
profissional, estabelece patamar de participação pública, o que pressupõe
crescimento sustentável da rede federal e estadual. O que o MEC apresenta de
medidas práticas para iniciar o cumprimento da Meta, ou continuará considerando
estruturante apenas o financiamento do setor privado via o Pronatec?
3.
A Meta 12, de responsabilidade constitucional da
União, também pressupõe cobertura pública de 40% das novas vagas. Isso ficará
congelado até a crise passar? (quando passará?) Qual o formato desta expansão?
4.
A Meta 20 (já comentada acima) estabelece dois
anos para regulamentar o padrão mínimo de qualidade (um já se foi). A Portaria
do MEC sobre a regulamentação do Custo Aluno Qualidade Inicial não contemplou
espaço de participação dos entes federados e da sociedade civil. Este será o
caminho “democrático” do MEC na execução de um importante instrumento de
elevação do padrão do atendimento ou o CAQi está na lista dos itens considerados
fantasiosos pelo ministro?
Ou seja, dois meses de gestão mostraram pouco, muito pouco
em mudanças práticas no MEC. E mais, a entrevista mostrou que o ministro ainda
não se inteirou sobre a real dimensão do Plano Nacional de Educação, perdeu a
condução da formulação do principal mote do governo (Pátria Educadora) e ainda
não tem o que apresentar para a comunidade educacional.
Frustrante.
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