Vamos considerar a tese do Ministro da Educação de que pouco
foi feito por que está faltando dinheiro para todos (ontem mostrei que
existiram escolhas governamentais sobre onde alocar recursos do fundo público
em meio à crise econômica, faltando dinheiro para uns e preservando recursos
para outros). Será que poderia ter sido feito mais pelo PNE do que foi feito
(bem, como praticamente nada foi feito, qualquer coisa seria bem mais!)?
O PNE é um plano de dez anos, mas algumas metas e
determinações da lei possuem prazo de apenas dois anos, ou seja, caso nada
tenha sido feito sobre essas determinações, simplesmente perdemos um ano de
vigência. E nem tudo envolve dinheiro (posto que o mesmo estaria faltando para
todos). Vejamos:
O artigo 4º da Lei afirma que as metas “deverão ter como referência a
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios - PNAD, o censo demográfico e os
censos nacionais da educação básica e superior mais atualizados” e que o Poder
Público “buscará ampliar o escopo das pesquisas com fins estatísticos de forma
a incluir informação detalhada sobre o perfil das populações de 4 (quatro) a 17
(dezessete) anos com deficiência”. No primeiro ano do PNE, vale perguntar quais
providências técnicas foram tomadas para cumprir esta tarefa?
No parágrafo 2º do artigo 5º ficou estabelecido que a cada
dois anos, o INEP publicaria “estudos
para aferir a evolução no cumprimento das metas estabelecidas no Anexo desta
Lei, com informações organizadas por ente federado e consolidadas em âmbito
nacional”. Tendo se esgotado metade do prazo para divulgação do primeiro
relatório, eu pergunto sobre quais providências técnicas foram tomadas pelo
INEP?
No mesmo
artigo, no seu parágrafo 5º, a Lei estabelece que a parcela da participação no
resultado ou da compensação financeira pela exploração de petróleo e de gás
natural será destinada à manutenção e ao desenvolvimento do ensino, em
acréscimo aos recursos vinculados nos termos do art. 212 da Constituição
Federal. Tal providência precisaria de lei específica. É forçoso perguntar: por
que até o momento não foram tomadas providências para regulamentar o uso dos
recursos dos royalties para a educação, especialmente a parcela federal dos
mesmos? A omissão governamental induz uma conclusão de que tais recursos, sem
regulamentação, poderão enquanto isso serem destinados a engrossar o “esforço
fiscal do governo” e migrar para os bolsos dos credores da dívida pública.
Um dos
avanços do PNE foi o teor do seu artigo 7º. No parágrafo 5º é dito que “Será
criada uma instância permanente de negociação e cooperação entre a União, os
Estados, o Distrito Federal e os Municípios”. O que falta para cumprir esta
norma, posto que a mesma não custa um centavo para os cofres federais?
A única
providência lembrada pela propaganda federal é justamente a que não depende de
iniciativas deste ente. Falo do artigo 8º, que dá prazo de um ano para que os Estados,
o Distrito Federal e os Municípios elaborarem seus correspondentes planos de
educação, ou adequem os planos já aprovados em lei. O prazo se encerrou ontem e
o dado fornecido pelo MEC era, no mínimo, preocupante.
No seu
artigo 13, outro avanço importante. No prazo de dois anos, o poder público
deverá instituir, em lei específica, “o Sistema Nacional de Educação,
responsável pela articulação entre os sistemas de ensino, em regime de
colaboração, para efetivação das diretrizes, metas e estratégias do Plano
Nacional de Educação”. Seria bom informar para a sociedade brasileira qual o
teor da minuta de lei do sistema (caso exista) e informar quando o projeto de
lei será enviado para o Congresso, especialmente considerando o ritmo daquela
Casa para aprovar leis benéficas ao povo brasileiro (todos os dias presenciamos
o ritmo alucinante para aprovar as leis maléficas).
Se no geral
as metas possuem prazos decenais, algumas metas e estratégias possuem prazo
também de dois anos, ou seja, já perdemos metade do prazo sem que providências
fossem tomadas. Destaco algumas:
Na Meta 1,
temos o prazo até 2016 (faltam na verdade seis meses) para universalizar a
educação infantil na pré-escola para as crianças de 4 (quatro) a 5 (cinco) anos
de idade.
Na Meta 3,
também temos o prazo de universalizar, até 2016, o atendimento escolar para
toda a população de 15 (quinze) a 17 (dezessete) anos.
Na
estratégia 7.21 ficou estabelecido que “a União, em regime de colaboração com
os entes federados subnacionais”, deveria estabelecer, no prazo de 2 (dois)
anos contados da publicação desta Lei, “parâmetros mínimos de qualidade dos
serviços da educação básica, a serem utilizados como referência para
infraestrutura das escolas, recursos pedagógicos, entre outros insumos relevantes,
bem como instrumento para adoção de medidas para a melhoria da qualidade do
ensino”. Quais providências foram tomadas para cumprir esta estratégia? Existe
grupo de trabalho que respeite o regime de colaboração ou teremos a antiga
prática de pacotes federais sem debate com os demais entes?
A estratégia
12.19, trata da tarefa de “reestruturar com ênfase na melhoria de prazos e
qualidade da decisão”, também no prazo de 2 (dois) anos, “os procedimentos
adotados na área de avaliação, regulação e supervisão, em relação aos processos
de autorização de cursos e instituições, de reconhecimento ou renovação de
reconhecimento de cursos superiores e de credenciamento ou recredenciamento de
instituições, no âmbito do sistema federal de ensino”. Regular o setor privado,
é disto que se trata. Quais providências foram tomadas para cumprir este
importante dispositivo? Aqui também seria possível com os recursos correntes e
pessoal existente nas secretarias do MEC realizar a tarefa, independente de
cortes orçamentários.
Um dos
dispositivos mais polêmicos do PNE e que tem a capacidade de provocar impactos
positivos na qualidade do ensino é, sem sombra de dúvida, a implantação do
Custo Aluno-Qualidade Inicial – CAQi. O prazo, estabelecido pela estratégia 20.6
é de dois anos. Neste caso, vale registrar, que o MEC tomou uma providência
parcial. Por portaria foi constituído um grupo de trabalho interno ao MEC, sem
participação dos demais entes federados (aos quais o CAQi é destinado) e sem
participação da sociedade civil (principal interessada na efetivação da medida
e que foi decisiva para a sua formulação e que garantiu sua presença na lei).
Quando os principais atores sociais educacionais serão ouvidos? Qual prazo para
apresentar o projeto de regulamentação, posto que dois anos é o prazo para a
sua implantação?
Poderia
ainda citar as metas 18 e 19, ou mesmo a estratégia 20.9 (que trata da
regulamentação, por lei federal, do parágrafo único do artigo 23 da CF). Mas a
lista acima já é suficiente para demonstrar que a crise econômica não é
explicação suficiente para entender o motivo de que NADA ou QUASE NADA foi
feito pelo Plano Nacional de Educação no seu primeiro ano de existência.
Estamos
correndo o risco de repetir a trajetória no PNE anterior: aprovar uma lei que o
governo federal e os governos estaduais e municipais fazem de conta que não
existe.
Assim como
para sua aprovação foi necessária forte mobilização social, para a sua efetivação
muitas lutas precisarão ser travadas. Somente é possível cumprir e efetivar o
PNE se a educação realmente (nos fatos e não nos discursos) se tornar a “prioridade
das prioridades”.
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