O documento sobre a Pátria Educadora da Secretaria de
Assuntos Estratégicos da Presidência da República apresenta quatro eixos para qualificar
o ensino público. São os seguintes: 1) A organização da cooperação federativa
na educação; 2) A reorientação do currículo e da maneira de ensinar e de
aprender; 3) A qualificação de diretores e de professores; e 4) O
aproveitamento de novas tecnologias. Vou comentar o primeiro e terceiro no dia
de hoje.
Sobre a cooperação federativa, mesmo afirmando estar
tentando concretizar o disposto no artigo 7º do Plano Nacional de Educação, as
propostas apresentadas pelo documento são limitadas e não superam o quadro
atual marcado pela ausência de um sistema nacional de educação e fraca
participação da União no financiamento da educação básica.
Toda lógica das proposições é ter um arranjo federativo que “conserte
as escolas” que não estão funcionando bem. Este mal funcionamento, obviamente,
será detectado pelo já vigente sistema de avaliação que tem por base apenas a aferição
de desempenho padronizado.
Quando o documento fala de “consertar partes do sistema
público que não atinjam o patamar mínimo”, o mesmo não utiliza a lei do PNE
para discorrer sobre a necessidade de se regulamentar o custo aluno qualidade
inicial, ou seja, de se constituir o mais urgentemente possível um padrão
mínimo de qualidade. Para o texto este patamar já está dado e é baseado nas
notas obtidas pelos alunos nos testes padronizados, mesmo que inúmeras
pesquisas mostrem que tais notas possuem forte correlação com o nível socioeconômico
das famílias e que as condições de oferta educacional sejam profundamente
desiguais.
O novo fundo, que teria “as atribuições deste fundo estaria
a de financiar as ações corretivas”, não possui formato definido, critério
redistributivo e também omite a obrigação escrita na Estratégia 20.10 no PNE,
que afirma ser papel da União auxiliar financeiramente os entes federados que
ficarem abaixo do CAQi. Na verdade, nas entrelinhas de suas páginas está
explícita a negativa por parte da União de cumprir a legislação recentemente aprovada
por julgá-la pouco factível.
Ainda sobre este ponto, destacar que os recursos do FNDE são
mais decisivos para a sustentação do sistema educacional só é possível se
justificar quando o autor do documento desconhece as bases do financiamento da
educação básica. O impacto dos recursos federais repassados pelo PAR (mecanismo
mais próximo do modelo corretivo proposto pelo documento) é muito pequeno. E o
grosso dos recursos do FNDE está vinculado a programas universais já em
funcionamento e que não precisam de correções (livro didático, merenda,
transporte, etc.).
A terceiro eixo discorre sobre professores e diretores.
Apresenta um diagnóstico do qual não tira as devidas conclusões e o mesmo é
falho e preconceituoso. Vejamos:
1.
Diz que os “professores vêm comumente dos alunos
mais fracos do ensino médio”, que “encontram maior facilidade em ingressar nas
escolas de pedagogia, sobretudo as privadas”. Qual o remédio apresentado para o
fato de que a maior parte de nossos professores são formados em instituições
privadas de qualidade temerária? Nenhum.
2.
Diz também que “só pequena porção se forma na
pedagogia e nas licenciaturas das universidades federais”, mas afirma que as
instituições federais “estão longe de oferecer ensino compatível com rumo como
o que aqui se propõe”. Bem, estas instituições não precisam manter coerência
com o que pensa um ministro de um governo, elas obedecem diretrizes dos órgãos
normativos do sistema e trabalham com o acúmulo teórico e prático de décadas.
3.
E mais, as instituições federais se deixam “fascinar,
ao gosto de cada catedrático, com o torneio de manual entre filosofias da
educação”, ou seja, forma mal os professores. No final do parágrafo o autor
reconhece, contudo, que as mesmas conseguem “prover ao menos alguns elementos
de formação aceitável”. Ainda bem, fico aliviado de meu trabalho (e de centenas
de professores das faculdades públicas de pedagogia) não ser de todo inútil aos
olhos da SAE. Dormirei mais tranquilo esta noite!
E quais são os remédios para este quadro pintado no
documento?
1.
Deve-se estimular a prática de premiação das
escolas que atingirem metas de desempenho (o autor deve ter ouvido o governador
de São Paulo ou outro tucano renomado para chegar a esta ideia “inovadora”).
2.
Somente nomear diretores que passem pelos
futuros Centros de Formação de Diretores, “seja qual for o método de escolha”,
ou seja, sendo instruído corretamente a gestão democrática é um fator
irrelevante para o documento. Obviamente que ter sido aprovado uma meta no PNE
sobre gestão democrática não foi um fator considerado pelo autor, posto que
irrelevante para os resultados educacionais.
3.
Os professores também deverão ser reciclados nos
Centros de Qualificação Avançada para professores. “Tais centros ministrarão
cursos intensivos para suplementar a formação nos cursos de pedagogia e
licenciatura, desenvolver as práticas e os protocolos exigidos (fiquei com a impressão
de que este termo é sinônimo de apostilamento, mas pode ser apenas um
preconceito de minha parte) pelo Currículo Nacional e discutir as experiências
e as inovações do professorado”.
4.
Acertadamente fala de Carreira Nacional, a qual
deve estar vinculada ao piso nacional. Porém, apresenta uma novidade: piso
regionalizado, o que é contraditório com carreira nacional e valorização
docente. Aliás, fala de mobilidade entre estados dos docentes, mesmo que se
saiba que tal mobilidade por cedência não se constitui em problema relevante
para alocação de mão-de-obra docente, sendo os baixos salários (hoje
regionalizados e proporcionais as condições financeiras de cada ente federado)
um fator decisivo para qualquer migração.
5.
Acontece que a nova carreira, para o documento, “pode
começar na forma de carreira especial e suplementar para professores que se
comprometam a manter determinadas metas de desempenho. Receberiam adicional ao
salário, depois de avaliação, por avaliadores independentes, do cumprimento de
tais metas”. Em outras palavras, progressão na carreira e aumento salarial
estará associados a cumprimento de metas de desempenho!
6.
E o documento trouxe de volta a certificação dos
professores por meio de Prova Nacional (de novo o viés meritocrático). Como o documento
considera frágil a formação docente e não propõe melhorias internas, o mesmo
apresenta o remédio de regular a qualidade da formação via prova nacional, a
qual “serviria como meio poderoso de influir nos cursos de pedagogia e de
licenciatura”. Ou seja, via o conteúdo exigido nas provas o MEC alterará o
conteúdo ministrado nas universidades, que terão sua autonomia revogada pela
proposta sútil apresentada.
Em resumo, o documento tem por base um diagnóstico antigo de
que o problema educacional é de gestão e de formação dos professores. E a forma
de resolver estes dois gargalos é, ao mesmo tempo, qualificar melhor os
gerentes (diretores é o nome fantasia e antigo!) e estimular o trabalho dos
professores via premiação (que sempre pressupõe punição no outro lado da
moeda), atrelando repasse de recursos para as escolas e carreira docente ao
cumprimento de metas.
Obviamente que para formar professores que estejam
preparados para cumprir tais regras e protocolos é necessário incidir sobre as
universidades públicas e particulares e a certificação inicial é um forte
instrumento de condicionamento curricular, vide a experiência bem-sucedida do
ENEM no currículo de escolas do ensino médio. Nada como recolher ideais em
experiências que estão dando certo (pelo menos para a direção defendida no
documento!).
É uma revisita a política de premiação via avaliação em
larga escala. É mais do mesmo, mas em larga escala.
Um comentário:
Estão cada vez mais perdidos, isso sim.
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