Todos os dias cada educador brasileiro ouve falar do pacote
de ajuste fiscal implementado pelo governo Dilma em seu segundo mandato. Da
mesma forma, como cidadão, sofre os efeitos das medidas já implantadas,
especialmente a correção do valor das tarifas públicas (água e luz) e da
gasolina (que além de tornar mais caro o deslocamento ao trabalho, também
influencia o preço dos produtos alimentícios (transportados todos os dias pelas
rodovias do país).
E, obviamente, também são bombardeados por notícias sobre a
Operação Lava-Jato, lista de políticos que receberam propina (fica sempre a
impressão de que ela está incompleta, mesmo que muito grande) e reflexos do escândalo
na gestão da Petrobrás, implicando em queda de suas ações na Bolsa de Valores.
Mas, o que este conjunto de notícias e medidas tem a ver com
a efetivação ou não do Plano Nacional de Educação?
O país vive uma crise de dupla face. Um lado, mais político,
é que os escândalos de corrupção paralisam o governo, deixando a impressão que
o mesmo não possui apoio nem capacidade política para superar o outro lado da
face da crise. Um outro lado, econômico, é grave e deixa os brasileiros
novamente diante do fantasma da inflação (uma parte deles nunca viveu o drama
de índices inflacionários altos, mas ouviu dos pais algo a respeito).
O anúncio de que teremos crescimento negativo este ano e
pelo menos dois anos de arrocho nas contas públicas é uma ducha de água fria
violenta nas expectativas criadas com o Plano Nacional de Educação. É bem fácil
de entender:
1.
Toda a lógica de ajuste para enfrentar a crise é
baseada em ideias que unem governos dos últimos vinte anos (oito anos de FHC,
oito anos de Lula e os quatro primeiros de Dilma). A fórmula do ajuste é gastar
menos com a máquina pública, economizando dinheiro para pagar os juros e
amortizações da dívida pública (cujos donos são os grandes bancos e fundos de
pensão). Com isso, o país conquista mais credibilidade (junto aos credores) e
os investidores são orientados a aplicar no Brasil.
2.
O PNE pressupõe para a sua execução, elevação dos
investimentos na educação durante dez anos seguidos, de forma contínua e
sustentável. A maior parte de suas metas preconizam ampliação de oferta
educacional, ou seja, construção de novas escolas (da educação infantil ao
ensino superior), contratação de novos professores e demais servidores da
educação e aumento do gasto com custeio destas novas unidades. Não existe como
iniciar o cumprimento das metas apenas com o discurso de otimização dos gastos
públicos.
3.
O ajuste pressupõe também a manutenção dos juros
básicos da economia em elevação. Os credores da dívida comemoram esta política,
mas aqueles que são empresários no setor produtivo sabem que isto tem um efeito
colateral: o crédito fica mais claro e a economia entra em recessão. Vendendo
menos, empregam menos (causando desemprego ou não absorvendo os jovens que
chegam a idade produtiva) e pagam menos impostos (proporcionais as suas
vendas). Com menos impostos pagos, a educação que possui vinculação constitucional
terá menos recursos disponíveis. E não poderá bancar a expansão pretendida pelo
Plano Nacional de Educação.
4.
A crise da Petrobrás interfere na execução do PNE para
além do efeito do aumento dos combustíveis. A queda do valor do barril do
petróleo, fenômeno que nada tem a ver com a Operação Lava-Jato, mas que tem
afetado países produtores de petróleo pelo mundo todo (ver crise na Rússia e na
Venezuela, por exemplo) tem forte rebatimento nos valores dos royalties
repassados para o governo e inclusive pode inviabilizar a atratividade para a
produção na camada do pré-sal. Da casa dos US$ 100 em julho do ano passado, o
barril negociado em Nova York chegou a ser cotado abaixo de US$ 45 em 13 de
janeiro deste ano. Fala-se que um valor do barril abaixo de 40 dólares não
tornaria a produção viável nesta área. Todos os cálculos de recursos que virão para
a educação nas próximas décadas oriundas da produção de petróleo foram feitos
com um preço de barril por volta de 85 dólares. Mesmo que esta fonte adicional
não seja suficiente para alcançar os 10% do PIB, mas será menor do que o
previsto, com certeza.
5.
O principal tributo que sustenta o fundo público
destinado a financiar a Educação Básica é o ICMS, arrecadado pelos estados e
que parte é repassada para os municípios, que corresponde a cerca de 60% do
recurso bloqueado e redistribuído pelo FUNDEB. É um imposto cujo crescimento depende
do consumo. E o consumo depende da renda das famílias. E esta depende de boa
oferta de emprego (que permite melhor negociação de salários) e do bom consumo
(círculo virtuoso?), pois vendendo mais os patrões aumentam sua taxa de lucro e
essa permite também melhores negociações salariais. Com a economia patinando a
possibilidade de retração ou crescimento menor do ICMS é quase certa. Desta
forma, menos recursos disponíveis para a educação e, por conseguinte, criando
dificuldades para manter o que já existe de serviços educacionais. Imagina
discutir ampliação? Fora de questão.
Este breve resumo sobre os efeitos econômicos da crise na
educação deve ser somado aos ´problemas políticos, que levam a paralisia
governamental. Sem capacidade para
governar, do mesmo jeito que muitos viveram o governo Sarney nos anos 80, podemos
ter um segundo mandato de Dilma refém de um Congresso (leia-se maioria
conservadora do PMDB e partidos da mesma estirpe, alguns governistas e outros
oposicionistas) que está mais interessado no loteamento de cargos e em
abocanhar fatias de serviços e obras que possam oferecer mesadas (como as que
ocorriam na Petrobrás), pouco afeitos a debates educacionais, setor que não
rende vultuosos contratos (não construímos refinarias, portos, aeroportos ou
rodovias) e que possui grande parte de suas despesas vinculadas a remuneração
dos seus profissionais.
Considero que, pelo menos nos próximos dois anos, o PNE
ficará no esquecimento, sem se tornar eixo do planejamento do governo federal,
principal responsável por implementá-lo. E a possibilidade desta postura influenciar
os governos estaduais, aumento a má vontade de aumentar gastos na área é quase
certa.
Em um cenário de retirada de direitos, um plano que amplia
direitos tem tudo para ficar na gaveta. Tudo vai depender se os principais
interessados na sua efetivação terão disposição de lutar por ele ou não.
Um comentário:
Acredito que o exercício da análise de conjuntura é fundamental para se compreender os problemas e conflitos que envolvem e determinam os rumos da educação (e da economia nacional). Agradeço pelo esforço empreendido no texto que nos ilumina a compreensão desses nexos entre determinantes econômicos e políticos. Enquanto muitos acreditam que a polaridade política se dá na equação PT versus PSDB (tendo o PSB quase como um pêndulo entre um e outro grupo político), e vão para as ruas defender essa polarização, se desvia o olhar das ações do que vejo ser o pior inimigo do crescimento do Brasil, da educação brasileira, que é o PMDB. Esse sim tem suas ações encobertadas com a crise instaurada na estrutura que sustenta as ações do atual governo. O PMDB é um câncer (de próstata, de colo de útero, de medula, de mama, etc.). As várias "esquerdas" deveriam se unir para enfrentar - e derrubar - de vez o PMDB. Chega, né?! São 500 anos... Continuar na batalha pela ampliação do investimento na educação fazendo dela o carro-chefe do crescimento de uma sociedade é o desafio. Só não sei se deveriam mesmo os recursos surgirem do pré-sal. É preciso, a meu ver, interromper nossa relação na produção de energia cuja base são os combustíveis fósseis. Um abraço
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