Ontem à noite tive a honra de proferir a conferência de
abertura do II Seminário Nacional de Administração Educacional, evento
promovido pela ANPAE e realizado na cidade de Teresina (PI).
O tema do evento, que contou também com a participação de
dirigentes municipais de educação daquele estado, e de minha palestra foi “O
Plano Nacional de Educação, regime de colaboração e os desafios para a gestão
educacional”.
Iniciei lembrando que o nosso
norte nesse debate é o fato que de que educação é um direito de todos e um
dever do Estado. Que isso foi uma das conquistas inscritas na Constituição de
1998, mas que infelizmente a nossa luta diária ainda é para tornar este direito
efetivo, pois o atendimento educacional é incompleto e guarda desigualdades
sociais, raciais e regionais muito relevantes.
Para comprovar esta afirmação
apresentei um resumo de indicadores educacionais que mostram aspectos destas
desigualdades.
A maior parte do tempo discorri sobre os impasses do regime
de colaboração entre os entes federados e o que esse assunto tem a ver com o
novo plano nacional de educação, ainda encalhado na CCJ do Senado Federal.
Recordei que a educação brasileira é um espelho do
funcionamento federativo brasileiro. O artigo 211 divide as responsabilidades
entre os entes federados. Acontece que os entes são muito desiguais na sua
capacidade de realizar o previsto na CF e isso tem a ver com economias
diferentes, trajetórias desiguais e capacidade de arrecadação diferentes.
As descentralizações financeiras realizadas pela
constituição não foram suficientes para reequilibrar responsabilidades versus
recursos disponíveis e a situação vem se agravando: criação de contribuições
pela União, municipalização do ensino fundamental e a manutenção de quadro
tributário desigual entre estados e entre municípios.
E mais, o ente federado que concentra o maior volume de
tributos pagos pelos cidadãos é a UNIÃO, mas a sua participação no investimento
educacional não guarda proporcionalidade com a sua capacidade tributária.
Na verdade a participação nas matrículas é inversamente
proporcional a capacidade arrecadadora do ente federado, ou seja, quem carrega
a educação básica nas costas é o MUNICÍPIO, ente com menor participação no bolo
tributário.
E um grande desafio é reverter a situação vigente de termos
um Regime de Colaboração que não se materializa, como um fantasma a vagar pela
educação nacional. Passados 25 anos de sua promulgação, o artigo 23 da CF
continua sem regulamentação e a educação não é exceção. Não há instâncias de
pactuação ente os entes federados, reproduzindo-se uma hierarquia incompatível
com o conceito de federalismo. E cada vez mais a União assume papel apenas de
regulador das ações realizadas pelos demais entes federados. A União “atesta” a
qualidade do ensino ministrado pelos demais entes, agindo como uma agência
reguladora.
Afirmei que, em um país tão desigual, um tratamento mais
equilibrado e justo depende fundamentalmente de efetiva participação da União.
Até tivemos uma melhora da participação da União com a implantação do Fundeb,
mas a mesma não foi suficiente para equilibrar a situação. O valor por aluno
disponível via o Fundeb nos estados mais pobres foi de apenas R$ 168,39 mensais
por aluno do ensino fundamental.
E levantei algumas questões que precisam ser enfrentadas no
novo PNE.
A primeira e mais importante é sobre os recursos necessários
para efetivar as metas do PNE. Esta questão possui dois enfoques: Quanto é
necessário para realizar o Plano e de onde virá o recurso? Qual será a
participação dos entes federados no esforço para garantir os recursos
necessários?
A segunda questão diz respeito a definição clara do regime
de colaboração para o cumprimento da cada uma das metas. Isto quer dizer que é
insuficiente remeter apenas ao artigo 211 da CF. Os entes federados tem condições
diferenciadas em termos de recursos e justamente os mais frágeis é que possuem
distâncias maiores entre a sua realidade e as metas estabelecidas.
Assim, por exemplo, é necessário dizer quem colaborará
efetivamente para que a meta de 50% de crianças em creche seja cumprida, mesmo
que a diga que isto é obrigação municipal.
Apresentei um exemplo concreto: 8,6 milhões de alunos são
transportados diariamente em nosso país (17% das matrículas da Educação
Básica). Os municípios são os principais prestadores deste serviço e essa
despesa só perde em importância para o pagamento da folha do magistério. A
ajuda federal via PNATE não alcança nem 15% do montante aplicado e em muitos
estados não há compensação real dos gastos municipais com transporte de alunos
estaduais. Uma forma de colaboração efetiva é estabelecer percentual financeiro
de participação neste item das despesas educacionais.
A terceira questão é sobre o perfil do crescimento de vagas
na próxima década, especialmente nas áreas que, por falta de maiores
investimentos públicos, a participação privada é muito alta. Devemos criar mais
3,8 milhões de vagas em creche e hoje o setor privado abocanha 36%, sendo parte
via convênios públicos com entidades comunitárias e filantrópicas. Qual será o
modelo de expansão: vai aprofundar esta rede paralela e precária ou recuperar o
protagonismo público na oferta em creche?
A meta do PNE é triplicar o atendimento no ensino
profissionalizante, incluindo 2,3 milhões de jovens nesta modalidade de ensino.
Hoje a maior parte das vagas é privada. Qual será o caminho: fortalecer as
redes estaduais e federal ou financiar o Sistema S e demais segmentos privados?
A meta 12, que estabelece o crescimento da oferta em ensino
superior, caso cumprida, garantirá o ingresso de 6 milhões de jovens. Hoje 74%
estão no setor privado, parte deles via bolsas do ProUni e financiamento do
FIES. Será fortalecido o segmento público ou a tendência atual será mantida?
Em que pese os enormes desafios, fiz questão de registrar a
minha esperança, especialmente depois de presenciar o retorno do povo
brasileiro às ruas na denominadas Jornadas de Junho.
A pauta das manifestações, que começou restrita a redução
das tarifas do transporte coletivo, foi se ampliando e a educação aparece de
forma muito forte. A reivindicação de que o padrão educacional seja idêntico ao
dos estádios da FIFA é sintomático da revolta com as condições da escola
pública. Independentemente do desfecho destas manifestações, a política
brasileira no próximo período não será mesma.
Este clima de mobilização garantiu a aprovação da Lei dos
Royalties para a educação e abre a possibilidade de termos um PNE pra Valer.
Isso vai depender de nossa capacidade de tornar concreta a pauta educacional,
saindo do sentimento difuso de revolta e passe a defender e cobrar medidas
concretas do governo e do parlamento.
Acredito que o caminho correto é, ao mesmo tempo, fortalecer
o caráter público da prestação de serviço educacional, condição essencial para
a garantia plena do direito à educação para todos, e estabelecer formas de
colaboração dos entes federados na oferta educacional.
Para isso é necessário que sejam garantidos recursos
suficientes para a escola pública. Não devemos aceitar diminuir o percentual de
10% de investimento direto na rede pública!
Devemos lutar para que sejam garantidas novas fontes de
financiamento para viabilizar o plano, diminuindo o risco do seu descumprimento
por falta de recursos. E que seja estabelecida clara divisão de
responsabilidade de cada ente federado em cada meta, independente do previsto
no artigo 211.
Sai mais esperançoso pelo vento quente das mobilizações
emanadas de Teresina.
2 comentários:
Saudações marajoaras professor. Muito pertinente suas análises professor, pois de fato, não podemos pensar na qualidade da educação sem uma definição clara de quanto temos para aplicar nas metas do PNE. Além do mais, estas responsabilidades devem ficar definidas entre os entes. No mais, também é necessário pensar nas desigualdades regionais, com isso, faz-se necessário criar políticas de financiamento a Estados e Municípios que baixa capacidade de arrecadação, como é o caso dos municípios do Arquipélago do Marajó. Ao contrário, vai-se continuar cobrando resultados de indicadores educacionais iguais para os desiguais.
Prof. Eraldo do Carmo
UFPA-Campus de Breves
Professor Luiz, saudações gaúchas!
Gosto muito de seus escritos!
Me chamou atenção um dado do texto e gostaria muito da referencia de onde veio, é o dado do transporte escolar, minha tese (UFRGS) é sobre o TER.
Abraços
Professora Calinca Pergher IF Farroupilha - Campus Alegrete
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