O documento produzido pela Secretaria de Assuntos
Estratégicos para viabilizar a Pátria Educadora, numa primeira leitura pode
transparecer uma certa audácia, mas na verdade seus pressupostos e remédios não
são tão inovadoras como parecem.
A proposta parte de uma afirmação temerária, mesmo que a
julgue necessária. Para que o Brasil seja considerada uma Pátria Educadora, a
educação precisa ter um lugar especial no projeto de desenvolvimento do país.
Concordo plenamente com o texto neste aspecto.
Porém, o texto pressupõe a existência de um projeto de
nação, de desenvolvimento, ou melhor, propõe a mudança de percurso do caminho
atual. Para o texto “trata-se de democratizar a economia do lado da oferta, não
apenas, como foi até agora, do lado da demanda”. Isso significaria um modelo
que resume em três palavras:
produtivista, capacitador e democratizante.
Nas entrelinhas, pelo menos o que consegui entender, é que
“democratizar a oferta” seria gerar empregos mais qualificados (desenvolvimento
produtivista), o que pressupõe melhor qualidade da mão-de-obra (desenvolvimento
capacitador) e que isso traria mais democracia.
Não considero que exista um projeto de nação que tenha como
pressuposto uma revisão do lugar do Brasil na divisão internacional do trabalho.
E mais, existem classes e interesses de classes envolvidos e em disputa. Quem
ganha e quem perde com este projeto de nação? Pelo tom do documento esta
questão não está em debate, posto que manter as regras de exploração não deve
se discutir, no máximo elevar o valor dos salários via aumento da escolaridade
média.
Apresenta três pontos de partida, ou seja, três âncoras para
superar as deficiências do ensino. E aqui fica claro o quanto o documento vai
beber na fonte das experiências tucanas e o quanto sofre influência do que
Freitas chama de reformadores empresariais.
O primeiro ponto de partido é “aproveitar e ultrapassar o
exemplo do que deu certo”. E qual é este exemplo? Aqueles que são inspirados na
“lógica de eficiência empresarial”, os quais se baseiam em “fixação de metas de
desempenho”, “o uso de incentivos e de métodos de cobrança, o acompanhamento e,
quando necessário, o afastamento de diretores” dentre outras virtudes (!).
Nada tem de inovador neste ponto de partida. Isto tem sido
proposto pela chamada terceira via no seio da reforma do Estado e suas
contradições estão largamente discutidas na literatura educacional (não
considerada pelo autor do documento, obviamente). Aliás, sobram educadores e
pesquisadores progressista para serem ouvidos sobre os limites deste ponto de
partida (estou partindo do suposto que um governo eleito com discurso de
esquerda deveria priorizar diálogo com eles).
O segundo ponto de partida seria mudar a maneira de ensinar
e de aprender, superando o enciclopedismo. E o terceiro, associado ao segundo,
seria “organizar a diversidade para permitir a evolução”, quesito que o texto
apresenta a sua visão de como enfrentar os problemas federativos.
Vou me debruçar neste post nas saídas federativas que o
texto apresenta, nó que apareceu como bastante relevante no debate do PNE. O
que o texto apresenta de solução?
Para resolver este complexo problema o texto apresenta
basicamente mais do mesmo e algumas novidades.
Afirma que para “reconciliar gestão local com padrões
nacionais” serão necessários três instrumentos:
a)
Sistema nacional de avaliação e de
acompanhamento;
b)
Mecanismo para redistribuir recursos e quadros
de lugares mais ricos para lugares mais pobres; e
c)
Procedimentos corretivos para consertar redes
escolares locais defeituosas.
O primeiro remédio está sendo usado desde o governo FHC e
foi mantido e aprofundado durante os doze anos de petismo, ou seja, a União
implementa avaliações de larga escala, informa a população de que a educação
vai mal (pelos critérios medidos apenas de aprendizagem dos alunos) e espera
que isto provoque mudanças de condições de oferta pela pressão dos
consumidores.
Na parte redistributiva o documento apresenta proposições um
pouco confusas, mas que tentei organizá-las da seguinte forma:
a)
Reforço do papel distributivo do FNDE, visto
como dotado de maior potencial de incidência que o FUNDEB (o texto não diz em
que se baseia para chegar a esta conclusão temerária).
b)
“Dispor de procedimento que una os três níveis
da federação em colegiados capazes de atuar, juntos, para consertar partes do
sistema público que não atinjam o patamar mínimo”.
Numa primeira leitura pensei que no segundo aspecto o texto
estivesse se referindo ao Custo Aluno qualidade, mas infelizmente é algo mais
limitado e impreciso.
A chamada primeira etapa, na qual “quadro próprio do governo
federal trabalharia com suas contrapartes nos estados para tratar das situações
mais graves” aparentemente significa o velho e surrado “apoio técnico da
União”, dizendo o que estados e municípios devem fazer para corrigir falhas que
essencialmente estão vinculadas a problemas de gestão (a concepção de que os
problemas educacionais se resumem a carências de gestão também não são nada
inovadoras).
A segunda etapa deste novo formato federativo seria o estabelecimento
de um “colegiado transfederal para cumprir a tarefa corretiva”. Mesmo que não
utilizando este termo “tarefa corretiva”, mas a necessidade de instância de
pactuação está prevista no Plano Nacional de Educação (artigo 7º). Não fica claro
o vínculo deste colegiado com a necessidade de construção de um sistema
nacional de educação, o qual deve enfrentar as desigualdades de oferta, mas é
muito mais complexo do que pactuar medidas corretivas.
Em seguida o texto aventa a formação de um novo fundo
redistributivo, o qual funcionaria ao lado do FNDE (que não é um fundo no
sentido que se debate a questão) e o FUNDEB. Para o texto este fundo se sustentaria
por meio de disponibilização de “mais recursos, como os do pré-sal no futuro” e
teria entre suas atribuições “a de financiar as ações corretivas”.
Não consegui enxergar nas duas etapas onde se enquadra a
definição do texto de criação de “mecanismo para redistribuir recursos e
quadros de lugares mais ricos para lugares mais pobres”. Em alguns momentos
isso está associado a envio de ajuda técnica, mas o único formato conhecido
para migrar recursos de áreas (estados e municípios são as existentes) ricas
para áreas pobres é a de um fundo único, mas o texto não propõe reformar o
FUNDEB e sim criar algo paralelo, tendo como função corrigir distorções, as
quais mais adiante ficam claras que estão associadas a desempenho de
aprendizagem e não condições de oferta.
E ancorar toda a possibilidade de revolucionar a educação,
inclusive com o intuito de alçar o autor a presidenta para um lugar de destaque
nos livros de história, apenas em vagos “mais recursos” e dinheiro do pré-sal
no futuro, é muito pouco.
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