O título acima pertence a interessante artigo de duas educadoras portuguesas. As professoras Ana Drago e Cecília Honório fizeram uma análise do modelo gerencialista implantado nas escolas do nosso país irmão. Qualquer semelhança no diagnóstico com o nosso Brasil infelizmente não é mera coincidência. Vale também pelas sugestões de eixos de intervenção.
Eis o texto:
O consulado de Maria de Lurdes Rodrigues vive da obsessão pela organização e gestão hierarquizada dos professores - garantia do programa de empresarialização das escolas e da gestão por resultados - e da banda larga. O Magalhães não é só o instrumento, necessário, da consagração de um direito. Ele é parte do mito de que todo o sucesso escolar se resolve com as novas tecnologias de informação e com profissionais domesticados (bons gestores de sala e recursos, bem geridos pela cadeia de comando). Visão simplista mas "moderna", na medida em que faz parte do caminho que o pensamento único tem traçado para a educação.
Se bem que a inflação do discurso da crise sobre a escola seja inútil, a fragilidade do contrato social com a escola pública, saído do 25 de Abril, tornaram-na presa fácil dos apetites de governantes que nela quiseram deixar a sua assinatura, sem avaliação do passado e dos riscos do futuro que queriam inscrever.
E assim tem vivido a última década: assolada pela retórica da reforma prêt-a-porter (e prêt-a-penser), a escola vive hoje sufocada num excesso regulador que impôs mensurabilidades estranhas a um projecto pedagógico emancipatório, imersa numa linguagem importada da gestão empresarial (objectivos, medições e "competências" para o mercado de trabalho), desnutrida de lógica inclusiva e democratizadora.
Debilidade da definição da missão pública da escola, debilidade das políticas públicas para a infância e adolescência, vulnerabilidade ao ataque movido, há mais de duas décadas, pela direita com as suas vontades privatizadoras e selectivistas, escola e profissionais formatados para alunos formatados - eis os grandes entraves que Maria de Lurdes Rodrigues herdou e que legará intactos, se deixar de ser ministra.
Não é porque aumentou a oferta de uma escolarização de segunda e terceira para as crianças e jovens, para os quais não houve prevenção e acompanhamento, que o PS fez mais do que o PSD para debelar o que pode ser debelado das desigualdades de partida.
Um programa de esquerda para a escola pública tem, pois, que saber colocar-se em campo. Responder ao défice democrático, neutralizar as derivas gerencialistas, privatizadoras e selectivistas (que se disfarçam de "rigor") dos projectos escolares.
Que princípios e que políticas para o projecto de uma escola pública democrática, empenhada na educação como valorização do conhecimento e da autonomia, contra a hegemonia da formação em nome da "empregabilidade"?
1. Fazer a reforma curricular do ensino obrigatório, contra o excesso de disciplinarização e por programas com troncos comuns.
- Assumir a educação sexual como direito fundamental e universal.
- Oferecer outros saberes "mais práticos" (necessidade manifesta pelos alunos registada no relatório do CNE relativo aos 20 anos da LBSE) não como inflação de exigências feitas à escola, mas como escolha quando para ela existem as condições necessárias.
- Limitar o número de alunos por turma, nomeadamente nas escolas sobrelotadas (20 no máximo para o 1.º ciclo e 22 para os demais).
- Fazer da escola o espaço para uma política de língua, que exige, entre outras apostas: formação de professores e oferta de ensino multilingue para o fim da discriminação das crianças e jovens filhos de imigrantes e de países de língua oficial portuguesa.
2. Assumir a autonomia e a responsabilidade das escolas.
2.1. Prestar contas: um modelo de avaliação das escolas, que concilie as vertentes, externa e interna, e que valorize o trabalho de professores naquilo que ele é, por essência: um trabalho de equipa; que assuma os contextos e as necessidades de meios, que articule a avaliação individual dos docentes com a das escolas;
2.2. Co-decidir no modelo de organização e gestão, pela pluralidade de modelos e contra a formatação dos governos e assente nos princípios:
- do alargamento da representação e participação das comunidades e actores escolares (a sub-representação de alunos e profissionais não docentes é inaceitável);
- na electividade, na participação, no dever de publicitação de todos os actos e decisões, na limitação dos mandatos (as excepções a este princípio só podem ser fundadas nas escolhas de cada escola).
3. Combater a discriminação e o pacto silencioso com as desigualdades sociais e culturais de partida.
- Criar equipas multidisciplinares capazes de promover o acompanhamento personalizado dos alunos em risco deve ser a resposta de urgência de um programa de esquerda para a educação.
- Esta prioridade é ainda exigência da crescente multifuncionarização de professores e professoras e da "crise de identidade" de que uma boa parte se queixa.
- Tornar a escolaridade obrigatória, gratuita, com uma acção social que cubra todos os custos em alimentação, transportes, materiais escolares.
- Criar mecanismos de constituição de turmas que inviabilizem a sua homogeneidade de aproveitamento escolar/contexto de partida (as turmas dos bons e dos maus alunos) e sancionar as escolas que mantenham estas práticas.
- Desfazer os "guetos" escolares. Os poderes locais, com o acordo ou conivência de governos, foram criando "guetos" e escolas para os "guetos", mas nem as crianças nem os jovens podem pagar o preço destes crimes. É prioritária a avaliação dos territórios educativos de intervenção prioritária, preservando-se os que constituem a melhor solução possível e desfazendo-se os que têm alternativa próxima que permita a diversificação de contextos.
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