sábado, 27 de fevereiro de 2016

Plano afundando

Imaginem a cena do Titanic batendo no iceberg e o comandante e os passageiros ainda não percebendo que ele iria afundar. Uso esta imagem eternizada pelo filme do mesmo nome para falar do momento em que o Plano Nacional de Educação está vivendo.
Assim como o Titanic, a lei do PNE apresenta conforto e atende expectativas de vários segmentos sociais da área educacional. O seu cumprimento ampliaria a efetivação do direito ao acesso à educação, especialmente para as camadas mais pobres de nosso povo, valorizaria os dois milhões de professores e poderia estabelecer um padrão mínimo de qualidade compatível com o potencial e grandeza do Brasil.
É verdade que, assim como o grandioso navio, temos vários andares e cada um deles com seus interesses sendo contemplados. Os poderosos também foram contemplados com espaços generosos para o financiamento privado de seus empreendimentos educacionais, seja em estratégias incentivadoras a destinação de recursos públicos em áreas descobertas, seja pela permissão de contabilizar tais gastos como parte dos 10% do PIB a serem alcançados.
Pois bem, estamos terminando fevereiro de 2016, ou seja, daqui a quatro meses o plano completará o seu segundo aniversário. E, caos decidamos ser sinceros, praticamente nada dele saiu do papel. Somente esta dura conclusão levaria a usar a figura de um grande barco à deriva, perdido em um mar revolto.
Por que então estou comparando a nossa situação ao do Titanic? Por que um conjunto de medidas que estão sendo tomadas ou propostas levarão ao rápido e inevitável afundamento do plano. Quais são elas?
1.       A opção do governo de tratar a crise por meio da promoção de uma recessão, que paralisa a produção e diminui de forma consistente a arrecadação de impostos. Isso afeta diretamente a sustentabilidade do que existe de rede pública educacional, causando de imediato a paralisia de qualquer possibilidade de expansão da oferta, atacando diretamente a “jugular” do plano, ou seja, tornando sem efeito a sua principal característica que é a expansão do direito à educação;
2.       A tentativa de fragilizar o principal pilar de sustentação da expansão educacional das últimas décadas no Brasil. A presidenta Dilma realmente está empenhada a deixar um legado deste seu conturbado segundo mandato (como teria declarado): será a presidente que em períodos não ditatoriais terá conseguido fragilizar a vinculação de receitas para a educação, coisa que na ordem de grandeza pretendida por ela, somente aconteceu no Estado Novo e na Ditadura Militar. Caso seja aprovada a Desvinculação Estadual e Municipal estaremos retroagindo em décadas e colocando em risco a sustentação do que temos de acesso e permanência;
3.       Ao ser aprovado, uma das questões não equacionadas no PNE foi o seu financiamento. Este dependia (e depende) de uma revisão do papel da União no financiamento da educação básica, em um maior aporte (e vinculação) dos impostos estaduais e municipais, de novas fontes de financiamento e do comportamento da economia. A única nova fonte conseguida foi parte dos royalties futuros (contratos posteriores a 2012) e parte do fundo social (originário da exploração da área do pré-sal pela Petrobrás). Pois bem, caso a Câmara aprove o projeto recentemente aprovado no Senado (de lavra tucana, mas que contou com apoio da bancada governista), essa única e insuficiente fonte será duramente afetada. Aliás, a queda do valor do barril do petróleo já colocava em dúvida sua eficácia, mas agora a situação piora muito.
Em resumo, estamos prestes a bater em poderosos icebergs e dentro do navio agimos como se nada de grave pudesse ocorrer. A exemplo do filme, o pessoal do andar de cima tem mais condições de sobreviver, os botes estão mais próximos deles (na crise, o andar de cima sempre é menos afetado!).
A pergunta é a seguinte: vamos esperar o navio bater no iceberg e começar a afundar para começar a lutar para que o comandante do navio mude, de forma radical, de rumo? Afinal, o herói do filme morreu congelado, mesmo que nos braços de sua amada.


Um comentário:

Bode Expiatório disse...

Quando vi anos atrás processos como municipalização da Educação Básica, planos disso e plano daquilo, já percebia que "quando a esmola é grande o santo desconfia". Fizeram uma panacéia exigindo formação disso e daquilo para os professores. Um monte de cursos fajutos foram criados, a rede foi expandida sem critério algum, tudo mal feito e de péssima qualidade fora a roubalheira dos recursos e a subvalorização dos professores até hoje, diante da incompetência de Estados e Municípios em gerenciarem essa área tão melindrosa, que é a Educação Básica como um todo, o resultado, não era difícil de se prever,ou seja,essa grande ilusão que se criou, inclusive esse PNE pra inglês ver, tão somente, a realidade brasileira está bem mais adiante, longe dos olhares de quem está no andar de cima.