Há um grande consenso
nos que pesquisam educação sob o olhar do financiamento: sem a vinculação de
impostos o patamar de inclusão educacional brasileiro seria bem menor.
Da mesma forma,
qualquer levantamento que seja feito entre governadores e prefeitos, mesmo em
épocas de crescimento econômico, apontará uma maioria favorável a desvincular
as receitas de impostos da área social, dentre elas a educação. E, em épocas de
crise econômica e a consequente queda de receitas, isso volta à tona com
bastante força.
Em 1994 foi a primeira
vez que no período pós Constituição de 1988 a vinculação sofreu revés. Foi
aprovada a Emenda que previa o Fundo Social de Emergência. De lá para cá,
seguidas vezes, passando pelos governos Fernando Henrique, Lula e Dilma, a
desvinculação das receitas foi sendo prorrogada, apenas mudando de nome até
chegar na atual DRU.
Em 2009 a educação
conseguiu importante vitória. Por meio da Emenda Constitucional nº 59 foi
retirada a educação do cálculo da DRU, de forma paulatina. Desde 2011 que a
área deixou de ser prejudicada por este instrumento de ajuste fiscal.
Na abertura dos
trabalhos legislativos de 2016, a presidenta Dilma foi ao Congresso e anunciou
um aprofundamento das medidas de ajuste fiscal. Muitas propostas apresentadas
são nocivas aos interesses do povo brasileiro (excetuando os credores da dívida
pública e o setor privado), mas reproduzo abaixo o tema deste post:
As principais medidas temporárias nessa direção são a
aprovação da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) e a
prorrogação da Desvinculação de Receitas da União pelo Congresso Nacional.
Vamos propor a participação dos Estados e Municípios na arrecadação da CPMF,
destinando esses recursos para a seguridade social. Além disso, proporemos a
adoção da Desvinculação de
Receitas de Estado (DRE) e da Desvinculação de Receitas dos Municípios (DRM)
também para Estados e Municípios. Nós, as três esferas de governo, precisamos
de mais flexibilidade para gerir o orçamento e de novas receitas para dar
sustentabilidade à transição do ajuste fiscal à reforma fiscal.
Ou seja, a presidenta Dilma vai apresentar ao Congresso Nacional a
prorrogação da DRU, abrindo as portas para pressões para incluir a educação
novamente nesta conta, posto que a composição (e o clima político) do atual
Congresso tem favorecido aprovação de propostas cada vez mais retrógradas. E
mais, vai atender ao pleito dos governadores e prefeitos e propor a instituição
da DRE e DRM. Tudo isso, obviamente, para “dar sustentabilidade à transição do
ajuste fiscal à reforma fiscal”.
Qual a consequência da aprovação dessas medidas, especialmente nos
estados e municípios?
1º. A manutenção e desenvolvimento do ensino básico no país é garantido
pelos recursos vinculados por estados e municípios. A cada cinco reais, quatro
saem dessa fonte vinculada. Permitir que seja “flexibilizada” a regra
constitucional é autorizar governadores e prefeitos e aplicar menos recursos em
educação (e saúde também!). Simples assim.
2º. Como não fica claro se haverá alguma mudança no teor do artigo 60
ADCT atual, que obriga destinar 20% dos recursos de impostos para o Fundeb,
podemos trabalhar com duas hipóteses, ambas nocivas para a educação:
- A primeira, será estabelecido um percentual de desvinculação (20%, por
exemplo) e somente depois é que serão aplicados os percentuais e demais
subvinculações (no formato que ocorre na União com a área da saúde e acontecia
com a educação). Assim, aparentemente continuarão a ser bloqueados 20% dos
impostos, mas na prática o montante de recursos que serão bloqueados será de 80
e não 100.
- A segunda, será autorizar não comprovar a aplicação em educação do
percentual não bloqueado pelo Fundeb, o que também é profundamente impactante.
Vejamos uma conta simples das duas hipóteses:
Município A que receberá em 2016 o montante de R$ 1.000.000,00 de ICMS.
Antes eram bloqueados R$ 200.000,00 para o Fundeb e deveria comprovar que, além
desses, aplicou outros R$ 50.000,00 em educação.
Na primeira hipótese, serão retirados R$ 200.000,00 da conta vinculante e
os 20% do Fundeb serão aplicados sobre R$ 800.000,00, ou seja, serão bloqueados
R$ 160.000,00, mais a obrigatoriedade de comprovar outros R$ 40.000,00 (5% de
R$ 800.000,00). Assim, ao invés de R$ 250.000,00 na educação, teremos R$ R$ 200.000,00.
Na segunda hipótese, que permite não comprovar os 5% não bloqueados,
sumiriam também R$ 50.000,00.
O exemplo é monetariamente pequeno, mas utilizando os valores
recentemente publicados em excelente levantamento do INEP (Efeito supletivo do
Fundeb via complementação da União, de autoria de Mariano Oliveira, Elenita
Rodrigues e Marcelo Souza), podemos utilizar uma receita de impostos vinculada
a educação (sem impostos municipais) de R$ 578 bilhões em 2014. Pelas regras
atuais, 20% deste montante (R$ 115,6 bilhões) foram bloqueados pelo Fundeb. A
União complementou R$ 11,5 bilhões e chegamos aos R$ 127,1 bilhões aplicados no
referido ano.
Pois bem, se a desvinculação já estivesse em vigor e usando a primeira
hipótese (sem receitas municipais vinculadas) teríamos uma diminuição de R$
23,1 bilhões!!! Somando uma complementação menor da União (é 10% do que estados
e municípios depositam no Fundeb) teríamos uma participação de R$ 9,2 bilhões.
A perda em 2014 teria sido de R$ 25,3 bilhões!!! Isso sem contar com as
perdas da desvinculação das receitas de impostos municipais e perdas numa
possível reincorporação da educação na DRU, cujo risco não pode ser descartado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário