A manchete do jornal Folha de São Paulo do dia de hoje
(02.06) é sintomática do rompimento das fronteiras entre o público e o privado
em nosso país. A afirmação é que seis em cada dez alunos da Universidade de São
Paulo (USP) podem pagar pelo ensino que recebem e que tal procedimento evitaria
a crise financeira na qual se encontra a melhor instituição de ensino superior
do país.
Dizem que colhemos o que plantamos. Desde 1990 que seguidos
governos (Fernando Henrique, Lula e agora Dilma) se esforçam a relativizar o
preceito constitucional de que educação é um direito de todos e dever do
Estado. A lógica tem sido fortalecer a prestação de serviço educacional,
especialmente no ensino superior, via instituições privadas. Os modelos são diferentes,
mas a lógica é a mesma.
Existe uma linha de continuidade entre desregular o mercado
privado (FHC) e subsidiar vagas no setor privado (Lula e Dilma), mesmo que
muitos amigos meus teimem em não enxergar. Vejamos:
1.
O fundamental conceitual dos dois modelos é de
que o direito à educação não precisa ser exercido pela prestação direta pelo
Estado do serviço educacional. A existência do setor privado, que deveria estar
circunscrita ao chamado “direito de escolha”, passa a ser uma das formas
possíveis de garantir o direito constitucional.
2.
Os custos financeiros da prestação do serviço
estão diretamente envolvidos na construção das opções. Pressionados pelas
demandas sociais por mais acesso ao ensino superior, os governos buscam formas
de dar vazão a estes anseios, mesmo que não necessariamente via criação de
vagas públicas.
3.
Valendo-se do fato de que os mais pobres ainda
nem conseguiram inserir seus filhos no ensino médio (apenas metade dos jovens
entre 15 e 17 anos chegam ao ensino médio nesta idade e entre os mais pobres
esse número é bem menor) e por isso os que conseguem estar prontos para
ingressar no ensino superior são de classe média ou da equivocadamente
denominada “nova classe média”, o governo sabe que parte deles podem comprar o
serviço educacional, bastando para isso que as condições de financiamento sejam
compatíveis com a renda das famílias.
4.
O principal programa educacional federal nas
últimas três décadas não foi o Prouni ou mesmo o Reuni. Pelo contrário, o
principal agente de inserção de alunos no ensino superior tem sido
financiamento estudantil (desde que seu nome era crédito educativo). Nesta
modalidade o governo compra a dívida do aluno com a instituição privada,
oferecendo estabilidade ao comerciante e subsidiando os juros aos alunos.
5.
A consequência destas opções é um crescimento
mais lento das matrículas públicas, sejam elas federais ou estaduais. E, em
alguns casos, gerando crises periódicas de financiamento e sustentabilidade aos
cursos existentes, como é o caso agora da USP.
Sei que o período eleitoral que se avizinha sempre provoca
confusão na cabeça das pessoas, por que os grandes partidos no poder buscam se
diferenciar. Os petistas acusarão os tucanos de sucatearem a USP e estarão
falando a verdade, mesmo que a política implementada em doze anos de poder
federal seja muito semelhante.
Há sempre um custo nos caminhos que escolhemos. A política
educacional implementada por oito anos de tucanos e doze anos de petistas, em
quase tudo semelhante no que diz respeito ao trato do ensino privado superior,
trouxe de volta um debate que minha geração viveu na universidade no início da
década de 80, quando a conselheira Ester Ferraz (chegou a ser ministra do General Figueiredo)queria cobrar taxas pra tudo
dentro das instituições federais. As greves estudantis e de professores de 1981
enterraram esta ideia, mas se o fogo se apagou, nas cinzas sempre ficaram
algumas brasas e, infelizmente, seguidos governos democráticos continuaram a
soprar estas cinzas.
A reportagem da FSP lembra que existe um "pequeno obstáculo" para que a estratégia defendida seja implementada: precisaria mudar a Constituição Federal, que prevê que o ensino público é gratuito. Ou seja, é necessário que se consolide o que sucessivos governos tem plantado: considerar o ensino uma mercadoria e não mais um direito.
Um comentário:
Prezado professor,Luiz Araújo,
Parabéns pela clareza da matéria.
Pena é que muitos não tomem conhecimento.
Suely
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